Pintura

Diego nunca imaginou ter que odiar uma pessoa tão pequena, mas era isso que se cobrava ao olhar para o menino, fruto do caso extraconjugal de seu pai com a mãe de Penélope. Era uma criança, de redondos olhos inocentes, uma doçura latente em seu sorriso, no entanto, Diego não queria e nem podia simpatizar com o garoto. Por isso, no lugar de segurar a pequena mão estendida, cerrou a sua, negando-se a demonstrar qualquer sinal de que aceitava a presença do garoto em sua casa.

— Diego — Roberto resmungou, encarando-o com advertência.

O aviso na voz e o olhar imperioso de Roberto forçaram Diego a apertar a mão infantil. No entanto, não respondeu o cumprimento. Fazia muito não revelando que o homem que Samuel chamava de vovô, na verdade, era pai de ambos.

— Senhor Freitas, Samuel precisa tomar banho e jantar — interveio Penélope levantando. Não suportava quando alguém destratava Samuel na sua frente. Era preferível retirar o irmão daquele quarto ao invés de socar o herdeiro do Freitas.

Levemente contrariado, Roberto concordou.

— Faça o que sua irmã disse, mais tarde estudaremos juntos.

— Sim, vovô!

Diego observou Samuel beijar a face de Roberto, antes de sair apressado do quarto.

O que aquele garoto tinha que fazia o severo patriarca Freitas sorrir feito bobo, enquanto o observava correr porta a fora? Quando era criança sempre era criticado quando corria dentro da mansão.

Penélope andou até à porta, mas foi impedida de sair pelo chamado de Roberto.

— Diga a Samuel que não deve correr ao sair de um recinto.

— Direi — consentiu irritada pela missão de repreender Samuel. Ela era transformada na irmã má enquanto ele bancava o vovô legal.

— Depois volte — ele exigiu. — Preciso conversar com você e Diego.

— Senhor, tenho um... — Mordeu o lábio antes de dizer “encontro”. Estranhamente parecia errado falar isso na frente de Diego. — Marquei de sair com as minhas amigas — completou por fim. Era uma meia verdade.

— Nessas circunstâncias, quero vê-los aqui amanhã nas primeiras horas do dia.

Querendo escapar dessa situação, indicou:

— De manhã levo Samuel à esco...

— Deixe que o motorista o faça — Roberto a cortou com irritação. — Quero falar com vocês dois amanhã cedo.

Assentiu e saiu, resistindo a vontade de olhar para Diego e descobrir se ele se incomodava com o pedido tanto quanto ela. Provavelmente, ele se incomodava, mas, além de não demonstrar, acabaria achando que ela estava eufórica em vez de como de fato estava, com receio dessa conversa e de qualquer outra que envolvesse os dois no mesmo local. Há muito tempo Diego esperava o pior dela.

~*~

Penélope se arrumou com esmero para a exposição do namorado. As curvas se destacando no vestido vinho que chegava pouco abaixo dos joelhos; o cabelo preso em um coque frouxo com alguns fios soltos ao lado da face perfeitamente maquiada. Só não conseguiu arrumar o conflito interno.

Pegou uma taça de champanhe, distribuídas no evento, e caminhou devagar pelo salão, observando, sem prestar atenção, aos quadros dispostos nas paredes brancas da elegante galeria. As pinturas de Lucas, o trabalho do homem que deveria ocupar sua mente no lugar dos Freitas.

Tinha que procurar o namorado e suas amigas, mas as palavras de Roberto, e a curta conversa com Diego, rodopiavam em sua mente como um filme sem fim.

Sorveu um pequeno gole de sua bebida, o pensamento fixo no que poderia acontecer de manhã. Temia o que Roberto planejava para o futuro dela e de Samuel. Seja lá o que definisse, só esperava que Roberto cumprisse com a palavra e a lhe desse a guarda de Samuel. Desejava escapar da mansão Freitas, se livrar do passado e formar um lar com seu pequeno.

Parou em frente a pintura de perfil de um homem. As variações de branco e preto tornavam o semblante dele frio. Tinha a impressão que a qualquer momento ele viraria com uma ordem ou comentário sarcástico. Um Freitas colocando-a em seu “devido lugar”.

Por isso não conseguia parar de fitá-lo? Porque lhe lembrava Diego?

Tomou outro gole, os olhos fixados na pintura. A imagem não a perturbava, nem o tratamento recebido horas antes, o que a incomodava era o contraste o Diego de agora e o do passado.

~*~

Após o susto na boate, as três juraram nunca mais pisar os pés no Artêmis, estendendo o juramento para a fábrica Freitas & Mendez. Arquitetaram mentalmente modos de fugas para o caso de topar com Diego em Cezário.

Não se preocuparam com os Mendez. Enrique não as reconheceria, por estar embriagado quando as encontrara. Prova disso foi que a mãe de Jéssica, na tarde seguinte, ordenou a trêmula filha a atendê-lo e, para alívio da jovem, Enrique nem sequer a notou. Uma parte de Jessi, a apaixonada pelo rapaz, até ficou chateada com a falta de reconhecimento.

As primas deles também não eram um problema, descobriram pouco tempo depois. Ao servir a mãe de Enrique na cafeteria, Jéssica conseguiu a informação de que as jovens moravam na capital e vinham para o interior em raros encontros familiares.

Restava as três evitarem o filho mais novo de Roberto. O que, a princípio, não pareceu complicado. A propriedade Freitas ficava próxima à fábrica, no limite da cidade, em uma mansão rodeada por muros altos e vegetação, muito bem cuidada pelos empregados da rica família. Nenhum dos Freitas parecia fazer questão de passear entre os comuns habitantes de Cezário, ou conviver com qualquer um deles fora da fábrica. Tudo o que precisavam pediam a seus empregados. Roberto vivia do trabalho para casa. O filho mais velho, Luiz, não era diferente, só acrescentava, segundo fofocas, algumas noites de divertimento na capital longe dos olhos da esposa. Com certeza o mais novo trilharia o mesmo caminho.

Tudo perfeito. Probabilidade mínima de reencontrá-lo antes que fossem manchas na memória temporária, apenas pessoas sem importância. Só não contavam com um pequeno, inesperado e inconveniente detalhe: O desejo de Diego em rever Penélope.

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