— Está chovendo muito, ainda. Parece ser perigoso.
— Tomarei cuidado. Fique aqui, não saia, mesmo que eu demore. — Mas, Luthiah — Sarah, eu estou vendo algumas luzes diferentes e escutando sons, irei dar uma olhada. — Não acha que será perigoso? Ainda está chovendo, o chão deve estar muito escorregadio. A água pode estar empossada. — Algo me diz que não. Como disse, tomarei cuidado. E o mais engraçado, vejo uma pequena luz e é como se essa luz me atraísse, a voz que ouço tem um som feminino e entra em minha mente, como uma melodia. — Querendo me trair, com a voz feminina e melodiosa de uma luz? — Jamais, você é única para mim. Mas preciso ver o que se passa. Sarah riu do marido, ele sempre foi aventureiro e sempre quis descobrir novas coisas. A esposa o acompanhou até a entrada da caverna. — Não se demore. Estou preparando algo para comermos e se perceber qualquer perigo, volte correndo para nosso abrigo. — Eu voltarei, e algo me diz, que com grandes descobertas. Luthiah saiu e caminhou, sem rumo, até perceber a luz novamente, que o levou a entrada de um corredor de pedra, no início do monte, e que parecia distante e enorme. Ele olhou para a infinitude do corredor e começou a andar por ele, sem medo ou incertezas. À medida que se afastava, o brilho da luz aumentava de intensidade, tornando-se mais nítido nas cores prata e dourado, quase lhe ofuscava a visão. A cada pisada, os focos de luz ficavam mais fortes e assim, os passos de Luthiah foram ficando cada vez mais rápidos, ansiosos, e em poucos minutos, mesmo sem correr, chegou ao topo do monte. Havia uma entrada de pedra, enorme em altura e largura, que aos olhos dele, era pintada de dourado. Ficou pensativo, mas a mente e uma voz interior, o mandava entrar. Dez passos a frente, se deparou com um local que se assemelhava a uma sala ampla, meio arredondada. Nesse local existia, no centro, um obelisco um pouco mais alto do que Luthiah, que tinha um metro e oitenta de altura. Na ponta desse obelisco jazia uma estrela dourada de sete pontas. O homem olhou admirado, mal conseguia se mexer, de tão impressionado que estava. A estrela brilhava em intensidade máxima na cor dourada, que era a predominante, e se mesclava com o prata, violeta e azul. As pernas de Luthiah insistiam em não se moverem. Somente após alguns segundos, ele sentiu uma força estranha e sentiu uma necessidade urgente de ajoelhar-se perante o monumento. De joelhos, com a cabeça encostada no chão, em reverência, ouviu a mesma voz de antes, que o chamava. A voz sabia o nome do aventureiro morador de Jetiah e o chamou: — Luthiah, seja bem-vindo a minha casa. Você é o escolhido da estrela e tem uma missão muito especial. Pegue a estrela, acostada na ponta do obelisco, leve-a a cidade que está construindo e faça com que o povo deste planeta viva com fartura, vivendo em união, paz e amor. Você como líder terá que ensiná-los o verdadeiro bem. E nunca permita que eles se esqueçam dessas três palavras e as deixe de praticá-las, faça delas um mantra, as escreva em todos os lugares, que se tornarão sagrados: união, paz e amor. — Como conseguirei. Sou humano e cheio de falhas também. — Todos os humanos, em qualquer planeta em que estiverem, possuem falhas, mas com bons ensinamentos e a força da estrela podem sempre prosperar. Mesmo com medo, sem saber o que o esperava, Luthiah se levantou e com seriedade e respeito, pegou a estrela, do alto do obelisco. O Objeto, em suas mãos, diminuiu de tamanho, transformando-se em uma pequena bola, uma chama de fogo ardente e eterno, mas que não queimava ou machucava quando a mão o tocava. O homem preparou-se para voltar para junto de Sarah. Antes de sair pela porta de entrada, para alcançar o corredor e iniciar sua descida, outra grande estrela se formou no mesmo local onde outrora a outra estava e proferiu, mais uma vez, para o primeiro guardião, mais um aviso de extrema importância. — Luthiah, lembre-se bem dessas minhas últimas palavras. Enquanto o planeta viver em luz, essa luz aqui permanecerá. Se um dia você, ou qualquer outro, não conseguir impedir que essas vastas terras sucumbam às trevas, então a estrela se apagará. No entanto, se essa hora chegar, ela trilhará o caminho de sua volta, por intermédio de duas crianças, por ela mesma, escolhidas, e que poderão a ver em sua sublimidade. Esses dois escolhidos pela estrela é que terão a missão de guiar Jetiah novamente para o caminho da luz. Isso só acontecerá se um dia, vocês, povo desse imenso planeta, sucumbirem aos mais terríveis males, a vaidade, o orgulho, a falta de amor e a ganância por poder. Repito mais uma vez, lembre-se dessas palavras, Luthiah. Agora vá, siga o caminho de volta e cumpra a sua missão. — A profecia, papai. A própria estrela avisou sobre ela. Será que é por isso que não tinha nada escrito? — Sim, e tem muito mais, escute. — Muito mais? Quero ouvir tudo! Luthiah voltou para junto de sua esposa, que já estava preocupada e contou o que havia acontecido. A princípio, Sarah ficou cética. — Uma estrela que fala, Luthiah. Isso não existe. E além de tudo ainda se transforma, em sua mão, em uma pequena bola de fogo. — Olhe você mesmo. O marido pegou do bolso a pequena bola de fogo, que mesmo perto do tecido de suas vestes, não queimava. Sarah ainda, pela falta de fé que possuía, não conseguia enxergar, mas seguiu o marido para a casa. — Não estou vendo nada em suas mãos, Luthiah. — Como não? Está aqui! — Ele estendeu o braço e chegou mais perto dos olhos da esposa. — Nada vejo. Deve ser a minha falta de fé, quem sabe um dia acredito. Agora vamos voltar para casa, se a ti foi confiada uma missão, deve cumpri-la. Luthiah não se entristeceu, ele precisava voltar. Foram dias de caminhada, mas de imediato, quando chegaram à cidade que estava sendo construída, o marido correu para a praça. Ainda era apenas um monte de terra. Parado no centro, começou a chamar o povo para lhes narrar todas as novidades e o recado que lhe fora dado. Uns riram, outros ficaram surpreendidos, e alguns não acreditaram. Luthiah não se aborreceu. — Sei que é difícil acreditar, não tem problema! A estrela mesmo disse: somos humanos e cheios de falhas. Farei o que ela me pediu e cumprirei minha missão. Em dois dias, impulsionado pelo desejo de cumprir a missão, construiu um monumento para colocar a pequena bola que carregava consigo e fez o ritual que seu coração comandava e dirigia. De joelhos, diante do pequeno obelisco, tirou a pequena estrela de dentro de seu bolso e a colocou no topo da pedra de granito. Voltou a posição de reverência, quando sentiu a força da luz. Em poucos segundos, a terra tremeu, e uma luz de proporções gigantescas brilhou, deixando todos os que passavam, trabalhavam ou estavam em casa, chocados. Água começou a jorrar do obelisco, e, de forma incrível, um rio de água límpida se formou. A energia que emanava da Estrela ultrapassou os limites da cidade e correu sobre a terra seca. Arvores brotaram do chão e flores, de espécimes variadas, coloriram o ambiente. Animais belos, entre eles os tigres, vieram saudar um novo planeta que surgia. O povo correu para o centro da praça. Foram cercados por uma quantidade enorme de tigres, mas não tiveram medo. Fizeram o mesmo gesto de Luthiah e reverenciam a luz que lhes dava um novo planeta e uma nova chance de viver. O novo líder se levantou e viu que a população, inclusive sua mulher, agora acreditavam. — Povo de Jetiah. Essa estrela nos deu vida. Só temos que sempre trilhar nossas vidas, lembrando-se de três palavras: união, paz e amor. Luthiah precisava agradecer e, naquele mesmo dia, arreou sua montaria e partiu para o Monte Acadeh. Para sua surpresa, o monte estava inacessível. Separado do restante do planeta por um penhasco, em forma oval, que o circundava, e uma floresta densa. O som do vento aumentou e, então, ele foi envolto por uma nuvem de poeira. Após isso passou a distinguir com clareza os sons à sua volta. — Luthiah, você cumpriu a primeira parte de sua missão, agora faça deste planeta, a mais bonita das moradas e mantenha esse lar em harmonia. Você será o primeiro rei e o primeiro guardião da estrela também. Outros surgirão para auxiliá-lo e sempre serão presenteados com um colar e a pulseira estelar. Eles carregarão também consigo a espada que os escolher. — Mas como farei isso? Como saberei quem serão esses guardiões? — Essa espada, que chegará em sua mão, se multiplicará, no tempo certo, e escolherá os guardiões. Todo guardião escolhido, que não desvirtuar de sua missão, terá um companheiro que também será guardião e Sarah brevemente encontrará seus poderes. Haverá mais dois casais que também se encontrarão na base da estrela, e você forjará para eles os símbolos, através da espada.— Meus filhos também me seguirão?— Depende dos ensinamentos que lhes forem passados e, lógico, deles mesmos aprenderem.— Quem é você? Só escuto a voz, mas não a vejo.— Sou a Estrela de Thuman, guia do planeta Jetiah.— A escutarei de novo?— Eu estarei com vocês, em todos os lugares, inclusive no centro da praça central, enquanto seguirem o bem. Se o mal os apossar, eu serei apagada desse mundo, permanecerei apenas em fios de luz, nas pessoas que ainda seguirem os caminhos do amor.O vento então se esvaiu, e Luthiah, ajoelhado ao chão, limpou a poeira de seus olhos, ao mesmo tempo, em que via crescer grama cerrada e flores ao seu redor. De repente, uma espada flamejante, prateada brilhou em meio ao verde e quando empunhada pela mão de seu guia, aumentou o brilho em intensidade suprema.Alair estava tão absorto na história que não percebeu que sua princesa já havia dormido. Nem percebeu que já há algum tempo era observado pela esposa, encostada no umbral da porta.— Nossa pequena do
O lugar escuro era cheio d'água, por todos os lados. Um lodo se formava abaixo dos pés de Sarati e parecia que a sugaria para debaixo da terra molhada. Ela tentava correr desesperadamente. Seu vestido longo arrastava-se ao chão, se enroscando nos galhos secos, mesmo em águas barrentas, das plantas mortas. Alguém a seguia, mas ela não conseguia saber quem era. Além disso, ao fim da trilha, não havia saída, apenas um abismo e o nada. Sarati acordou gritando, mais uma vez, suando e respirando ofegante. Ali entrou no quarto às pressas, a puxando para um abraço apertado.— Oh, filha minha, mais um sonho?— Sim, muito ruim. Dessa vez, terminou em um abismo. Tinha algo me seguindo. Só conseguia ver que havia uma luz ao longe. Essa luz parecia estar longe. Eu corria, corria e não conseguia alcançá-la. Quando ela ficou mais forte é que vi que estava a beira de um abismo, não havia saída.— Minha filha, você só tem oito anos para sonhar com tanta percepção assim. Sei que você é muito inteligent
Sarati estava de boca aberta e lágrimas desceram dos olhos. Não percebeu que dera um grito, não de medo, mas de emoção, e que agora todos estavam ao seu lado. Os moradores da casa não sabiam dizer por quanto tempo a estrela ficou no mesmo local; ficaram temerosos quando chegaram bem perto de Sarati e fez com que a garota se arrepiasse e tremesse de medo, não pela estrela, mas por terem a tirado daquele momento.Com um abraço, o pai a arrastou para dentro da casa.— Venha, Sarati!— Quero ver. É linda. Que estrela é essa? Parece que o planeta está girando. Tem cores. Por favor, eu quero ver.— O que você vê, Sarati? — Perguntou a avó, com a voz assustada.— Uma estrela maravilhosa. Ela vai trazer vida e transformar tudo ao nosso redor. Ouço uma voz, a estrela está me dizendo isso. Vocês estão vendo as camadas de dourado e violeta no centro dela?— O que está dizendo, Sarati? Vamos entrar! — Ordenou o pai, que dessa vez a pegou no colo, com mais brusquidão, e a levou dali.— Eu não quer
Em outras paragens, bem mais longe, a caverna, que se transformará em uma verdadeira cidade, estava no fim do seu dia de expediente normal de trabalho e outras atividades. Os trabalhos se revezavam entre os plantios, as colheitas e a extração de areia para feitura de obras artesanais, que eram vendidas em algumas festas, sendo a principal a de Laidé — essas eram as únicas aglomerações em que vários amigos se reencontravam, e podiam relembrar um pouco do que fora um dia, Jetiah.A caverna era distribuída em cômodos, salas, mas existia um refeitório onde todos comiam juntos. Era a maneira de se confraternizarem, depois de um dia de trabalho. A minicidade foi construída após a grande fuga da Cidade Central, e Padiah, o guardião da estrela, o qual foi o seu administrador e idealizador. Era um homem de meia-idade, aparentava uns 50 anos, cabelos castanhos, olhos verdes, estatura mediana. Gostava de andar sempre com um cajado na mão e, ainda que ninguém visse, nunca deixava seu colar de gua
Alair seguiu o ritual ensinado pelo pai, e a pedra que ornava a espada brilhou em sua direção.A Cidade Central vivia mais um dia normal, no dia em que a estrela brilhou no céu do planeta Jetiah. A população, em sua maioria, era composta por drogados espalhados pelo chão, vivendo o seu momento de alucinação, e soldados protegiam o Palácio e o Comandante Maior, que reinava soberanamente no seu trono roubado. Há anos, Carliah usurpou o trono de Anatid, seu primo em segundo grau, após uma luta injusta e sangrenta.Depois de tomar o trono, o golpe final foi destruir o monumento da estrela. Ele, em seu trono dourado, adorava se lembrar daquele dia. Os guardiões fugiram, e seus soldados estavam a caça, mas não seria mais preciso, porque sem a luz da estrela, eles nada seriam. O monumento, dedicado a Estrela de Thuman, ficava localizado na praça central da cidade, local onde todos os guardiões se reuniam para suas tarefas diárias, inclusive de consagração do dia e da noite. Com o domínio de
Nunca mais se falou sobre a estrela que brilhou no aniversário de Ané. Os anos passaram-se tranquilamente sem alardes. O pai de Sarati envelhecia, porém, ainda dava conta da colheita e da criação. Já Manú, bem velhinha, treze anos após o episódio, faleceu trabalhando em suas ervas. Um ataque cardíaco a levou de forma súbita. Foi Sarati quem a encontrou pela manhã, e algo deixou a menina, além de triste, muito intrigada. Ao lado do corpo da avó, que morrera deitada, uma luz circulava ao redor. A mãe, que pressentira.— Mamãe, a senhora está vendo uma luz, ao redor do corpo de vovô.— Não Sarati. Vá para casa, chame seu pai e seu irmão. Temos que fazer o ritual, por favor.— Mamãe, mas está muito forte, não é possível que não vê.— Sarati, minha mãe acaba de falecer. Respeite, por favor. — Falou Ali, com um tom de voz mais alto, irritada. Foi a forma que ela encontrou de mais uma vez, esconder algo tão importante para a filha.Foi um momento triste para a casa, mas superável. Na família
Mais uma vez a filha não respondeu. Ajudou a mãe, como sempre fazia, e depois de um dia de lida na cozinha, assando pães para a viagem, terminou o dia, apreciando o céu, durante alguns minutos, no seu lugar preferido. Voltou, quando a mãe a gritou: — Precisamos sair cedo amanhã, filha.— Boa noite. Vou dormir.Ali, quando passou no quarto, para ler com a filha, a viu dormindo. O coração bateu descompassado, sentia a filha chateada e que estava se afastando. No quarto, deitou-se e mais uma vez sonhou com a mãe, que lhe dizia para não tomar decisões precipitadas ou impensadas. Como não lembrou dessas palavras no outro dia, as consequências vieram depois.******Bem cedo, na manhã seguinte, Ali e Sarati tomaram assento no interior da carroça, que era coberta por um pano de cor marfim. Ané e Jacob foram conduzindo os animais. Sarati continuava calada, apenas com seus pensamentos. A mãe ainda tentou puxar conversa, mas de nada adiantou.— Filha, parece cansada. Não dormiu bem?— Estou bem,
No interior da carroça, Sarati ficou calada por algum tempo. Tentava escutar o que a mãe e o pai conversavam, mas o canto estridente do vento não deixava. Só se percebia que a conversa tornou-se delicada e um tanto dramática. Jacob estava com a cabeça deitada no canto direito, de olhos fechados, e entoava um cântico de proteção que Manú os havia ensinado quando crianças.Lutando contra o som do vento, o casal se exaltava em ideias, no caminho tenebroso de decisões a serem tomadas.— Que fala foi aquela, Ali?— Não sei, talvez uma ideia.— Que ideia mulher? Entregar Sarati para um soldado do Comandante.— Ele parece gostar de nossa filha, quem sabe estando com ele, jamais desconfiarão de que foi ela que viu a estrela, e ela não tenha que seguir essa missão.— Eu pensei a mesma coisa, mas, ao mesmo tempo, que ele parece ter boas intenções, o coração daquele homem parece pesado. Você que já foi… você sabe o que quero dizer, o que sentiu, a esse respeito de energia.— Nada. É o meu único