— Meus filhos também me seguirão?
— Depende dos ensinamentos que lhes forem passados e, lógico, deles mesmos aprenderem. — Quem é você? Só escuto a voz, mas não a vejo. — Sou a Estrela de Thuman, guia do planeta Jetiah. — A escutarei de novo? — Eu estarei com vocês, em todos os lugares, inclusive no centro da praça central, enquanto seguirem o bem. Se o mal os apossar, eu serei apagada desse mundo, permanecerei apenas em fios de luz, nas pessoas que ainda seguirem os caminhos do amor. O vento então se esvaiu, e Luthiah, ajoelhado ao chão, limpou a poeira de seus olhos, ao mesmo tempo, em que via crescer grama cerrada e flores ao seu redor. De repente, uma espada flamejante, prateada brilhou em meio ao verde e quando empunhada pela mão de seu guia, aumentou o brilho em intensidade suprema. Alair estava tão absorto na história que não percebeu que sua princesa já havia dormido. Nem percebeu que já há algum tempo era observado pela esposa, encostada no umbral da porta. — Nossa pequena dormiu, Alair? — Graças! Não sei de onde vem tanta ansiedade por uma simples história de uma estrela. — Deixe-me pensar... dos pais dela, poderia ser? Amanhã começarei a contar a minha história para ela. Depois vamos revezando com outras histórias. O que acha? — Obrigado. Estou exausto. Deixaram o quarto abraçados. Afinal, o primeiro casal real após o retorno de Jetiah precisavam cumprir outras funções antes de dormir. Além de saberem que teriam um longo dia para enfrentar uma pequenina de seis anos. Ela aguardava ansiosamente para saber a história dos guardiões que trouxeram a Estrela ao seu lugar de origem. — Como você começará a sua história. — Perguntou o marido. — Hum, acho que sempre com um “Era uma vez…*******
No quarto, Alair e Sarati, trocaram de roupa, para que, como reis e guardiões, fossem até a praça central. Trajando túnicas brancas, com fitas douradas, chegaram para fazerem o ritual da luz. Os guardiões da estrela os aguardavam, inclusive a mãe de Sarati, Ali, Padiah, Magdali e outros que se juntaram a estrela, no seu grande triunfo, sete anos antes. De mãos dadas, ao redor do obelisco, agradeceram, e a Estrela de Thuman, brilhou em intensidade máxima, para contar a sua grande história de ressurgimento. ******* Olhar o céu de Jetiah, em uma noite repleta de estrelas, trazia um cenário mágico. Essa beleza, tão rara, espantava a solidão do deserto sem vida em que aquela família vivia. Sarati gostava de ver as estrelas, do lado de fora, principalmente em dia sem lua, em que o espetáculo maior, eram apenas elas. Desde pequena, ainda no colo de sua mãe, ela apontava seu dedo indicador para o alto, sorrindo, mostrava os pontinhos brilhantes que cobriam o céu da pequena propriedade em que havia nascido. Depois que aprendeu a caminhar, mesmo ainda com passinhos curtos, após o jantar, a menina sempre puxava o vestido de sua mãe ou a roupa de seu pai, que não tinha muita paciência em levá-la para admirar os luminares, com um pedido implícito de que a levassem lá para fora, para ela se deliciar com o encantamento mágico das estrelas que a faziam sorrir. Ela mesma, quando já um pouco mais velha, várias vezes, se questionava: — Por que algo tão simples era tão importante? Porque nasci e cresci em uma terra fria, seca, sem água ou qualquer tipo de vida, mas onde o céu consegue me proporcionar esse mágico espetáculo. Por que gosto tanto de estrelas e do brilho que elas emitem? Eram perguntas de uma jovem, que já nascera em um planeta destruído, sujo, feio e sem vida, mas uma jovem que também só conheceu aquele pequeno pedaço de chão, e mais alguns quilômetros a frente, quando foi a uma festa tradicional. Os animais, em sua maioria, já haviam sido extintos. Não existia acesso aos pequenos povoados, a não ser quando seus pais iam vender suas pequenas produções ou quando havia alguma celebração típica. Como Sarati era apenas uma criança, não imaginaria que, aos oito anos, em uma noite escura, sem estrelas, veria a mais bela de todas. A estrela que mudaria a sua vida e a do seu lar para melhor. A casa da família era feita de barro e foi construída pelo próprio pai. Era pequena, com apenas uma sala, cozinha e três quartos. Ao todo, cinco pessoas viviam no casebre. O chefe da casa se chamava Ané, tinha 38 anos, pele morena clara, cabelos negros curtos e anelados em cachos. Ele trabalhava na agricultura de subsistência e na pequena criação de cabras também, que fornecia o leite para alimentá-los. A produção leiteira era vendida para outro povoado que ficava a uns 5 km de distância de onde moravam. A mãe, Ali, era para Sarati a mais bela das mulheres. Tinha face angular, estatura mediana, 30 anos, cabelos negros lisos. Ela possuía um sorriso que, mesmo nas maiores adversidades, era incapaz de sair de seu lindo rosto, pelo menos era o que Sarati via. Ela havia se casado com Ané aos 21 anos, por amor. Sobre como eles se conheceram, Sarati só foi saber da verdadeira história anos mais tarde, quando foi surpreendida por revelações inimagináveis. Ali exercia a função de fabricação de tecidos, que também eram vendidos a cada três meses na Cidade Murada. Em toda grande história, tem de aparecer a avó materna. A matriarca também vivia com a família de Sarati, em outra casa, na mesma propriedade. Era considerada a médica do local. O ofício de fiandeira havia passado para sua filha, e na fazenda, dedicava-se à segunda coisa de que mais gostava: descobrir plantas e as curas que elas poderiam fazer. Os avós paternos, que não poderiam faltar, principalmente nesta história, em hipótese alguma, residiam longe, escondidos, e se chamavam Liviá e Anatid. O contato com eles era bem escasso. Somente em ocasiões especiais, ou alguma festa cultural, eles se reuniam para celebrar a família. Eram reservados, principalmente a avó que sempre estava doente e preferia se enclausurar na escuridão do quarto. O quinto habitante da propriedade de Sarati era seu irmão, que herdou o segundo nome do avô paterno. Ele se chamava Jacob. Era o caçula, alto, magro, mais moreno do que Ané, cabelos crespos, mistura da mãe com o pai. A criança-prodígio da família era a própria Sarati, quatro anos mais velha que seu irmão. A menina completava a família. Ela tinha lindos cabelos pretos, pele bem branca e estatura mediana, com os olhos mais bonitos que alguém poderia ter visto em Jetiah, grandes e da cor do céu em noite sem estrelas. Sarati foi ensinada no dom da escrita. Era apaixonada por histórias. Ali sempre lhe contava fatos do mundo, mas apenas os mais recentes, que remetia a tomada do poder dos reis, por um tirano. O passado dos guardiões e a história da Estrela de Thuman, no entanto, veio à tona de forma abrupta e a conduziu a aventuras espetaculares. A jovem protagonista descobriu que tinha a missão de salvar o planeta Jetiah do mal, já adulta e se descobriu em um novo mundo.Sarati imaginou que o planeta Jetiah sempre fora daquele jeito: desértico, com poucas plantas e animais. Por isso, aquele cenário era algo normal e cotidiano para todos os que nasceram, depois que a grande estrela se apagou e desapareceu. Acontece que a vida pode dar voltas, e, antes que essas voltas acontecerem, ela pode tomar rumos muito, muito ruins. Logo, essa história jamais poderia ficar apenas nas páginas da memória de Sarati. Foi assim que, após adulta e de toda a aventura que viveu, ela resolveu contar a sua vida para o povo de Jetiah, em forma de um lindo manuscrito.O lugar escuro era cheio d'água, por todos os lados. Um lodo se formava abaixo dos pés de Sarati e parecia que a sugaria para debaixo da terra molhada. Ela tentava correr desesperadamente. Seu vestido longo arrastava-se ao chão, se enroscando nos galhos secos, mesmo em águas barrentas, das plantas mortas. Alguém a seguia, mas ela não conseguia saber quem era. Além disso, ao fim da trilha, não havia saída, apenas um abismo e o nada. Sarati acordou gritando, mais uma vez, suando e respirando ofegante. Ali entrou no quarto às pressas, a puxando para um abraço apertado.— Oh, filha minha, mais um sonho?— Sim, muito ruim. Dessa vez, terminou em um abismo. Tinha algo me seguindo. Só conseguia ver que havia uma luz ao longe. Essa luz parecia estar longe. Eu corria, corria e não conseguia alcançá-la. Quando ela ficou mais forte é que vi que estava a beira de um abismo, não havia saída.— Minha filha, você só tem oito anos para sonhar com tanta percepção assim. Sei que você é muito inteligent
Sarati estava de boca aberta e lágrimas desceram dos olhos. Não percebeu que dera um grito, não de medo, mas de emoção, e que agora todos estavam ao seu lado. Os moradores da casa não sabiam dizer por quanto tempo a estrela ficou no mesmo local; ficaram temerosos quando chegaram bem perto de Sarati e fez com que a garota se arrepiasse e tremesse de medo, não pela estrela, mas por terem a tirado daquele momento.Com um abraço, o pai a arrastou para dentro da casa.— Venha, Sarati!— Quero ver. É linda. Que estrela é essa? Parece que o planeta está girando. Tem cores. Por favor, eu quero ver.— O que você vê, Sarati? — Perguntou a avó, com a voz assustada.— Uma estrela maravilhosa. Ela vai trazer vida e transformar tudo ao nosso redor. Ouço uma voz, a estrela está me dizendo isso. Vocês estão vendo as camadas de dourado e violeta no centro dela?— O que está dizendo, Sarati? Vamos entrar! — Ordenou o pai, que dessa vez a pegou no colo, com mais brusquidão, e a levou dali.— Eu não quer
Em outras paragens, bem mais longe, a caverna, que se transformará em uma verdadeira cidade, estava no fim do seu dia de expediente normal de trabalho e outras atividades. Os trabalhos se revezavam entre os plantios, as colheitas e a extração de areia para feitura de obras artesanais, que eram vendidas em algumas festas, sendo a principal a de Laidé — essas eram as únicas aglomerações em que vários amigos se reencontravam, e podiam relembrar um pouco do que fora um dia, Jetiah.A caverna era distribuída em cômodos, salas, mas existia um refeitório onde todos comiam juntos. Era a maneira de se confraternizarem, depois de um dia de trabalho. A minicidade foi construída após a grande fuga da Cidade Central, e Padiah, o guardião da estrela, o qual foi o seu administrador e idealizador. Era um homem de meia-idade, aparentava uns 50 anos, cabelos castanhos, olhos verdes, estatura mediana. Gostava de andar sempre com um cajado na mão e, ainda que ninguém visse, nunca deixava seu colar de gua
Alair seguiu o ritual ensinado pelo pai, e a pedra que ornava a espada brilhou em sua direção.A Cidade Central vivia mais um dia normal, no dia em que a estrela brilhou no céu do planeta Jetiah. A população, em sua maioria, era composta por drogados espalhados pelo chão, vivendo o seu momento de alucinação, e soldados protegiam o Palácio e o Comandante Maior, que reinava soberanamente no seu trono roubado. Há anos, Carliah usurpou o trono de Anatid, seu primo em segundo grau, após uma luta injusta e sangrenta.Depois de tomar o trono, o golpe final foi destruir o monumento da estrela. Ele, em seu trono dourado, adorava se lembrar daquele dia. Os guardiões fugiram, e seus soldados estavam a caça, mas não seria mais preciso, porque sem a luz da estrela, eles nada seriam. O monumento, dedicado a Estrela de Thuman, ficava localizado na praça central da cidade, local onde todos os guardiões se reuniam para suas tarefas diárias, inclusive de consagração do dia e da noite. Com o domínio de
Nunca mais se falou sobre a estrela que brilhou no aniversário de Ané. Os anos passaram-se tranquilamente sem alardes. O pai de Sarati envelhecia, porém, ainda dava conta da colheita e da criação. Já Manú, bem velhinha, treze anos após o episódio, faleceu trabalhando em suas ervas. Um ataque cardíaco a levou de forma súbita. Foi Sarati quem a encontrou pela manhã, e algo deixou a menina, além de triste, muito intrigada. Ao lado do corpo da avó, que morrera deitada, uma luz circulava ao redor. A mãe, que pressentira.— Mamãe, a senhora está vendo uma luz, ao redor do corpo de vovô.— Não Sarati. Vá para casa, chame seu pai e seu irmão. Temos que fazer o ritual, por favor.— Mamãe, mas está muito forte, não é possível que não vê.— Sarati, minha mãe acaba de falecer. Respeite, por favor. — Falou Ali, com um tom de voz mais alto, irritada. Foi a forma que ela encontrou de mais uma vez, esconder algo tão importante para a filha.Foi um momento triste para a casa, mas superável. Na família
Mais uma vez a filha não respondeu. Ajudou a mãe, como sempre fazia, e depois de um dia de lida na cozinha, assando pães para a viagem, terminou o dia, apreciando o céu, durante alguns minutos, no seu lugar preferido. Voltou, quando a mãe a gritou: — Precisamos sair cedo amanhã, filha.— Boa noite. Vou dormir.Ali, quando passou no quarto, para ler com a filha, a viu dormindo. O coração bateu descompassado, sentia a filha chateada e que estava se afastando. No quarto, deitou-se e mais uma vez sonhou com a mãe, que lhe dizia para não tomar decisões precipitadas ou impensadas. Como não lembrou dessas palavras no outro dia, as consequências vieram depois.******Bem cedo, na manhã seguinte, Ali e Sarati tomaram assento no interior da carroça, que era coberta por um pano de cor marfim. Ané e Jacob foram conduzindo os animais. Sarati continuava calada, apenas com seus pensamentos. A mãe ainda tentou puxar conversa, mas de nada adiantou.— Filha, parece cansada. Não dormiu bem?— Estou bem,
No interior da carroça, Sarati ficou calada por algum tempo. Tentava escutar o que a mãe e o pai conversavam, mas o canto estridente do vento não deixava. Só se percebia que a conversa tornou-se delicada e um tanto dramática. Jacob estava com a cabeça deitada no canto direito, de olhos fechados, e entoava um cântico de proteção que Manú os havia ensinado quando crianças.Lutando contra o som do vento, o casal se exaltava em ideias, no caminho tenebroso de decisões a serem tomadas.— Que fala foi aquela, Ali?— Não sei, talvez uma ideia.— Que ideia mulher? Entregar Sarati para um soldado do Comandante.— Ele parece gostar de nossa filha, quem sabe estando com ele, jamais desconfiarão de que foi ela que viu a estrela, e ela não tenha que seguir essa missão.— Eu pensei a mesma coisa, mas, ao mesmo tempo, que ele parece ter boas intenções, o coração daquele homem parece pesado. Você que já foi… você sabe o que quero dizer, o que sentiu, a esse respeito de energia.— Nada. É o meu único
Sarati, como ultimamente estava com o ouvido colado em qualquer conversa suspeita, ouviu o pai falando algo baixinho ao seu amigo: — Aqui não sou senhor, — respondeu receoso dos filhos ouvirem — sou apenas um amigo de passagem para a festa de Laidé.— Como está Amindabe? — A esposa de Ané interveio cumprimentando-o com um belo sorriso.— Bem, Ali. Ané, mal acreditei quando vi que esse era seu filho Jacob, já está moço, um homem. E você é Sarati? — Averiguou o senhor, olhando feliz para a menina e sem esperar que respondesse continuou. — Sua filha é linda, e Ali, sempre, a mais linda das mulheres. Venham, vamos entrar.Ané abraçou seu amigo, e foram andando à frente do grupo. Mais uma vez, Sarati captou uma frase estranha: — Notícias da rebelião?— Não, Ané, nada. Vivemos isolados, você sabe disso. Não deixei que meus filhos viajassem nessa aventura. O que sei é que ainda não existe uma rebelião, mas um agrupamento de pessoas, escondido em um local muito bem estruturado. O comando é do