Sarati estava de boca aberta e lágrimas desceram dos olhos. Não percebeu que dera um grito, não de medo, mas de emoção, e que agora todos estavam ao seu lado. Os moradores da casa não sabiam dizer por quanto tempo a estrela ficou no mesmo local; ficaram temerosos quando chegaram bem perto de Sarati e fez com que a garota se arrepiasse e tremesse de medo, não pela estrela, mas por terem a tirado daquele momento.
Com um abraço, o pai a arrastou para dentro da casa. — Venha, Sarati! — Quero ver. É linda. Que estrela é essa? Parece que o planeta está girando. Tem cores. Por favor, eu quero ver. — O que você vê, Sarati? — Perguntou a avó, com a voz assustada. — Uma estrela maravilhosa. Ela vai trazer vida e transformar tudo ao nosso redor. Ouço uma voz, a estrela está me dizendo isso. Vocês estão vendo as camadas de dourado e violeta no centro dela? — O que está dizendo, Sarati? Vamos entrar! — Ordenou o pai, que dessa vez a pegou no colo, com mais brusquidão, e a levou dali. — Eu não quero ir. Solte-me. — O brilho já está sumindo. Venha agora. — Sarati tentava descer do colo do pai. — Papai, eu escuto um chamado. Ela quer falar comigo. — Entre Sarati! — Ordenou o pai — jogando a menina dentro do quarto, que caída no chão, chorou. Ané não gostava quando a pequena narrava seus sonhos ou falava coisas estranhas. O que, na visão dele, não faziam nenhum sentido. Mas não era medo ou descrença na própria filha, e sim compaixão pelo que ela teria de enfrentar, e foi esse o motivo que o levou a tomar decisões das quais, mais tarde, se arrependeria. Ali pegou um copo com água e foi ao quarto da filha. Ajoelhada no chão, apertou a mão de Sarati, que caminhou para a cama triste e se virou para o lado contrário ao da mãe. A menina ainda deu uma olhada para o céu, mas o brilho e a estrela desapareceram, e restara apenas escuridão. Manú também foi ao quarto, falou algo no ouvido de Ali e despediu-se. Deitada na cama, sem conseguir fechar os olhos, a pequena criança lembrava da luz, e pediu para a mãe ir embora. — Vá embora, mamãe. Quero ficar sozinha. — Você só tem oito anos, filha. Tente dormir, nem era para estar acordada a essa hora. — Quero saber por que papai ficou tão nervoso, naquele momento, da estrela. Ele nunca foi bruto comigo daquele jeito. Eu só queria ficar e terminar de ver. Nunca vi algo daquela intensidade. — Já tivemos emoções suficientes por hoje, minha filha. — Um mundo novo vai nascer, mamãe. Vocês não acreditam em mim, mas é verdade. Eu ouvi uma voz que vinha do centro. — Eu acredito em você em partes. Acredito na beleza daquela estrela, e que realmente nunca vimos nada parecido, mas não fique pensando nessa voz, que não existe. Tire isso de sua cabeça, por favor. E, além disso, filha, vou dizer uma coisa, e não me faça perguntas. Não fale do que viu, nem para os animais. Não sabemos o que pode acontecer se souberem que você viu a estrela. — Por quê? — Não tem um porquê. Apenas faça o que estou mandando e durma, por favor. Ali se levantou, também com um semblante muito sério, deu um beijo na filha e, com o gesto, disse à Sarati, que a conversa estava encerrada. Partiu para o quarto, atrás do marido, que andava de um lado para o outro e o abraçou. — Ali, o que aconteceu? Que estrela é essa que surgiu? Não me venha dizer, que é a da profecia. Jamais deixarei minha filha correr perigo, nas mãos do Comandante Geral. — Não sei, Ané. Acho que devemos nos acalmar. A descrição que Sarati fez é bem fiel, a estrela que existia, no obelisco da praça central, ainda mais quando ela brilhava. — Então ela pode ser a tal criança. — Pode. — E se essa luz tiver sido vista na Cidade Central, e soldados vierem. — Ela irá negar, jamais deixaremos que ela fale com qualquer pessoa sobre a estrela que viu. — Sarati, só tem oito anos. — Eu sei, meu marido, e nós vamos protegê-la. Em casa sempre negaremos qualquer assunto relacionado a uma estrela e não a deixaremos mais falar sobre o assunto. Agora, vamos nos acalmar e tentar dormir. — Sarati, dormiu? — Estava com o rosto virado para a janela. Vou ao quarto, de novo, verificar. Agora deite-se, se não ela poderá conforme nossas reações desconfiar. A zelosa mãe voltou ao quarto da filha e viu que ela dormia. Apesar da advertência ao marido, ela mesma, ficou insegura e não conseguiu dormir bem aquela noite. Após aquele evento, a vida na pequena propriedade continuou normal, mas se percebia uma apreensão no ar da casa. Ali, Ané e Manú estavam preocupados o tempo todo, e os pesadelos agora eram recorrentes. Todos os dias, a casa acordava com gritos, e Sarati era sufocada pelo medo. O temor ficou maior quando, mais ou menos, um mês depois, eles foram surpreendidos por soldados armados invadindo sua residência no meio da madrugada. Dois homens entraram aos gritos, com espadas em riste, e os tiraram da cama. Antes, porém, deu tempo de o pai de Sarati pegá-la no colo e falar ao seu ouvido: — Não fale nada sobre a estrela, por favor, Sarati. Sua vida depende disso. — Onde está a criança que viu uma estrela brilhar no céu? — Temos dois filhos, soldados, e não sabemos de quem os senhores estão falando. — Respondeu Ali, olhando com um olhar terno, um brilho dourado nos olhos e uma luz que emanava de seu corpo. O soldado, que estava com uma capa azul, virou o rosto na direção de Sarati. Parecendo encantado com sua pureza de criança, seu rosto angelical e a energia magnetizadora que exalava de sua pele, chegou perto dela. — Qual o seu nome, menina? — Sarati, senhor! — Foi você quem viu uma estrela que brilhou no céu? — Não, senhor! — Mas me disseram que é nessa casa que mora uma menina que adora ver as estrelas. — Eu gosto, senhor, mas aqui nunca brilhou nenhuma estrela. — Julião, o nosso Comandante Maior mandou que ficássemos apenas nas cercanias da Cidade Murada. Essa menina não viu nada, olhe para ela! Uma criança comum, sem brilho, rosto angelical. E, além disso, estamos bem longe da cidade. — Não querem uma cumbuca de água e pão para a viagem? Eu pego para vocês. — Perguntou Ali, com a generosidade que lhe era peculiar. Os soldados relaxaram a tensão e ficaram vermelhos de vergonha diante da bondade oferecida, mesmo ante suas desconfianças. Sem se importar com atitude descortês, a dona da casa foi até a cozinha e voltou com água e os mantimentos, para que eles fizessem o caminho de volta. — Quantos anos vocês têm, soldados? — Perguntou o pai, sorrindo com uma luz diferente em seu corpo. — 18 anos. — Tão novos e já servindo ao Comandante Maior! Deve ser uma honra! — Sim, senhor. — Vão em paz. — Desejou-lhes Ali. Enquanto eles saíam pela porta da frente, Julião virou-se e voltou seu olhar para Sarati. Com um sorriso, despediu-se da menina e disse que um dia se veriam de novo. Na cabeça do soldado passavam algo muito ruim. Aquela imagem ficou na mente da pequenina por dias, mas, graças ao senhor do tempo e à arte de ser criança, foi fácil esquecer. Na verdade, ela nunca acreditou que ele voltaria a cruzar seu caminho. Sarati jamais imaginou que realmente um dia o encontraria novamente. _____________________________________________________________________________ Julião e o outro soldado saíram da casa e alguns metros depois, se sentaram para se alimentaram, debaixo de uma árvore isolada, ainda perto da casa de Sarati. O soldado estava com visão ao longe, relembrando o dia que em que viu, uma luz, ainda que pequena, brilhar diferente no céu. — Pensativo, Julião. — Algo me diz que aquela criança está mentindo. — Porque o Comandante nos designou para essa missão, Julião, sendo que dizem que essa profecia não passa de uma lenda? — O Comandante não sabe, mas eu também vi, naquele dia, uma movimentação diferente no céu. Como a Cidade Murada é mais próximo, de onde supostamente se viu um raio de luz diferente, fomos convocados, para encontrar uma criança. — Eu não sabia que o nosso soberano viu essa luz. — Alid, nosso chefe na Cidade Murada, disse que ele acordou sobressaltado, com um feixe de luz, que iluminou, por um breve instante, o quarto. Com medo, de que possa ser, de verdade, a profecia, pediu para que soldados partissem, no caminho da luz, para procurar qualquer criança que a tenha visto. — Você ficou intrigado com aquela menina da casa? — Ela está mentindo. E se não descobri agora, vou dar um jeito mais tarde. — E como fará isso. — Nem que eu tenha que me casar com ela. Essa estrela não pode voltar, ela já causou desgraças demais em minha família. — Como assim, soldado. — Nada que o interessa, soldado. Vamos terminar esse almoço e seguir viagem. Só tem mais um, pequeno vilarejo, o qual temos que olhar. No vilarejo, passaram de casa em casa, mas nada encontraram. A maioria, não tinha crianças, apenas jovens, já em idade de trabalhar. A profecia, que Julião conhecia, era clara, crianças veriam a estrela. Foram embora, e na Cidade Murada relataram a Alid, que não sabia como daria a notícia ao Comandante Maior, sem sofrer as devidas consequências.Em outras paragens, bem mais longe, a caverna, que se transformará em uma verdadeira cidade, estava no fim do seu dia de expediente normal de trabalho e outras atividades. Os trabalhos se revezavam entre os plantios, as colheitas e a extração de areia para feitura de obras artesanais, que eram vendidas em algumas festas, sendo a principal a de Laidé — essas eram as únicas aglomerações em que vários amigos se reencontravam, e podiam relembrar um pouco do que fora um dia, Jetiah.A caverna era distribuída em cômodos, salas, mas existia um refeitório onde todos comiam juntos. Era a maneira de se confraternizarem, depois de um dia de trabalho. A minicidade foi construída após a grande fuga da Cidade Central, e Padiah, o guardião da estrela, o qual foi o seu administrador e idealizador. Era um homem de meia-idade, aparentava uns 50 anos, cabelos castanhos, olhos verdes, estatura mediana. Gostava de andar sempre com um cajado na mão e, ainda que ninguém visse, nunca deixava seu colar de gua
Alair seguiu o ritual ensinado pelo pai, e a pedra que ornava a espada brilhou em sua direção.A Cidade Central vivia mais um dia normal, no dia em que a estrela brilhou no céu do planeta Jetiah. A população, em sua maioria, era composta por drogados espalhados pelo chão, vivendo o seu momento de alucinação, e soldados protegiam o Palácio e o Comandante Maior, que reinava soberanamente no seu trono roubado. Há anos, Carliah usurpou o trono de Anatid, seu primo em segundo grau, após uma luta injusta e sangrenta.Depois de tomar o trono, o golpe final foi destruir o monumento da estrela. Ele, em seu trono dourado, adorava se lembrar daquele dia. Os guardiões fugiram, e seus soldados estavam a caça, mas não seria mais preciso, porque sem a luz da estrela, eles nada seriam. O monumento, dedicado a Estrela de Thuman, ficava localizado na praça central da cidade, local onde todos os guardiões se reuniam para suas tarefas diárias, inclusive de consagração do dia e da noite. Com o domínio de
Nunca mais se falou sobre a estrela que brilhou no aniversário de Ané. Os anos passaram-se tranquilamente sem alardes. O pai de Sarati envelhecia, porém, ainda dava conta da colheita e da criação. Já Manú, bem velhinha, treze anos após o episódio, faleceu trabalhando em suas ervas. Um ataque cardíaco a levou de forma súbita. Foi Sarati quem a encontrou pela manhã, e algo deixou a menina, além de triste, muito intrigada. Ao lado do corpo da avó, que morrera deitada, uma luz circulava ao redor. A mãe, que pressentira.— Mamãe, a senhora está vendo uma luz, ao redor do corpo de vovô.— Não Sarati. Vá para casa, chame seu pai e seu irmão. Temos que fazer o ritual, por favor.— Mamãe, mas está muito forte, não é possível que não vê.— Sarati, minha mãe acaba de falecer. Respeite, por favor. — Falou Ali, com um tom de voz mais alto, irritada. Foi a forma que ela encontrou de mais uma vez, esconder algo tão importante para a filha.Foi um momento triste para a casa, mas superável. Na família
Mais uma vez a filha não respondeu. Ajudou a mãe, como sempre fazia, e depois de um dia de lida na cozinha, assando pães para a viagem, terminou o dia, apreciando o céu, durante alguns minutos, no seu lugar preferido. Voltou, quando a mãe a gritou: — Precisamos sair cedo amanhã, filha.— Boa noite. Vou dormir.Ali, quando passou no quarto, para ler com a filha, a viu dormindo. O coração bateu descompassado, sentia a filha chateada e que estava se afastando. No quarto, deitou-se e mais uma vez sonhou com a mãe, que lhe dizia para não tomar decisões precipitadas ou impensadas. Como não lembrou dessas palavras no outro dia, as consequências vieram depois.******Bem cedo, na manhã seguinte, Ali e Sarati tomaram assento no interior da carroça, que era coberta por um pano de cor marfim. Ané e Jacob foram conduzindo os animais. Sarati continuava calada, apenas com seus pensamentos. A mãe ainda tentou puxar conversa, mas de nada adiantou.— Filha, parece cansada. Não dormiu bem?— Estou bem,
No interior da carroça, Sarati ficou calada por algum tempo. Tentava escutar o que a mãe e o pai conversavam, mas o canto estridente do vento não deixava. Só se percebia que a conversa tornou-se delicada e um tanto dramática. Jacob estava com a cabeça deitada no canto direito, de olhos fechados, e entoava um cântico de proteção que Manú os havia ensinado quando crianças.Lutando contra o som do vento, o casal se exaltava em ideias, no caminho tenebroso de decisões a serem tomadas.— Que fala foi aquela, Ali?— Não sei, talvez uma ideia.— Que ideia mulher? Entregar Sarati para um soldado do Comandante.— Ele parece gostar de nossa filha, quem sabe estando com ele, jamais desconfiarão de que foi ela que viu a estrela, e ela não tenha que seguir essa missão.— Eu pensei a mesma coisa, mas, ao mesmo tempo, que ele parece ter boas intenções, o coração daquele homem parece pesado. Você que já foi… você sabe o que quero dizer, o que sentiu, a esse respeito de energia.— Nada. É o meu único
Sarati, como ultimamente estava com o ouvido colado em qualquer conversa suspeita, ouviu o pai falando algo baixinho ao seu amigo: — Aqui não sou senhor, — respondeu receoso dos filhos ouvirem — sou apenas um amigo de passagem para a festa de Laidé.— Como está Amindabe? — A esposa de Ané interveio cumprimentando-o com um belo sorriso.— Bem, Ali. Ané, mal acreditei quando vi que esse era seu filho Jacob, já está moço, um homem. E você é Sarati? — Averiguou o senhor, olhando feliz para a menina e sem esperar que respondesse continuou. — Sua filha é linda, e Ali, sempre, a mais linda das mulheres. Venham, vamos entrar.Ané abraçou seu amigo, e foram andando à frente do grupo. Mais uma vez, Sarati captou uma frase estranha: — Notícias da rebelião?— Não, Ané, nada. Vivemos isolados, você sabe disso. Não deixei que meus filhos viajassem nessa aventura. O que sei é que ainda não existe uma rebelião, mas um agrupamento de pessoas, escondido em um local muito bem estruturado. O comando é do
Quando a família de Ané entrou na cidade, algumas pessoas, principalmente da caravana de Padiah, a reconheceram e fizeram, de forma disfarçada, uma reverência. Padiah estava sentado e ficou feliz em ver seu antigo amigo depois de tantos anos de ausência. O mais velho guardião esperou que se estabelecessem e, ao longe, viu as duas mulheres descerem da condução.Foi naquele lugar, que a bela Ali, a mais linda das guardiãs da estrela, conheceu o marido, bem depois da grande fuga, e nele encontrou o seu parceiro de vida. Ainda não existia a festa de Laidê, era só um povoado com quatro casas. Ali decidiu deixar seu esconderijo e partiu para tentar viver como uma pessoa comum, sendo seu guia Padiah, que lá a deixara. Desde então, os dois maiores guardiões da estrela, não se viram mais. Com essas lembranças na mente e com saudades da amiga, Padiah desviou o foco do olhar, quando a filha do casal desceu, logo atrás. Ele não a conhecia pessoalmente e só sabia o nome, Sarati, pois perguntara pa
Na ocasião em que voltaram para o acampamento, Sarati não perdeu a oportunidade de sentar-se na ponta da carroça para observar as estrelas. Nem percebeu que, ao longe, um belo rapaz, com o coração disparado, não conseguia tirar os olhos dela. Ali se achegou para perto da filha, e o âmago daquela mãe igualmente pesava, todavia não poderia ir contra a decisão de Ané.— Pensativa, Sarati? — Questionou Ali, sentando-se ao lado da filha.— Desculpe se fui rude aquela hora, mamãe. Não quiser ser grossa, mas não retiro o que eu disse.Ali só apertou a mão da filha.— Desde aquela noite, nunca mais tivemos um céu estrelado. Por quê?— Determinadas perguntas não têm resposta, Sarati, e é melhor não serem ditas em voz alta.— A sensação que tenho é de que algo muito maior surgirá, e uma estrela nascerá. Lembro que eu disse essas mesmas palavras quando eu tinha oito anos.— Sarati, antes de sonhar com estrelas, e acabar sendo presa, se continuar com esse assunto, preciso lhe falar. Você me conhe