PESADELOS OU REALIDADE? - PARTE 1.

O lugar escuro era cheio d'água, por todos os lados. Um lodo se formava abaixo dos pés de Sarati e parecia que a sugaria para debaixo da terra molhada. Ela tentava correr desesperadamente. Seu vestido longo arrastava-se ao chão, se enroscando nos galhos secos, mesmo em águas barrentas, das plantas mortas. Alguém a seguia, mas ela não conseguia saber quem era. Além disso, ao fim da trilha, não havia saída, apenas um abismo e o nada. Sarati acordou gritando, mais uma vez, suando e respirando ofegante. Ali entrou no quarto às pressas, a puxando para um abraço apertado.

— Oh, filha minha, mais um sonho?

— Sim, muito ruim. Dessa vez, terminou em um abismo. Tinha algo me seguindo. Só conseguia ver que havia uma luz ao longe. Essa luz parecia estar longe. Eu corria, corria e não conseguia alcançá-la. Quando ela ficou mais forte é que vi que estava a beira de um abismo, não havia saída.

— Minha filha, você só tem oito anos para sonhar com tanta percepção assim. Sei que você é muito inteligente para sua idade, mas acho que você está dormindo muito tarde. Como ficamos lendo ontem, até depois do horário de costume, você criou esse cenário em sua mente.

— Não é criação, mamãe. Eu vi tudo! Penso até que vou acordar molhada e com lama espalhada pelo meu vestido de dormir. Eu acordo gritando, mas no sonho, não sou mais criança, sou adulta e não tenho medo, apenas estou fugindo de algo. Penso ser uma coisa, mas pode ser alguém, que está me perseguindo.

— Acredito que, se ainda existissem livros neste mundo, você seria a mais bela das escritoras. Amanhã, acho que não deixarei você sair para o quintal para ver suas estrelas. Elas deixam você com uma imaginação muito, muito fértil e não contarei histórias também.

— O que ficarei fazendo então? Sem as estrelas e as histórias, o que me sobrará, mamãe? Nessa terra não há nada, nem a esperança de melhora. Não me tire, pelo menos, esses dois prazeres. Nasci aqui, mas não gosto. É tudo seco, frio, só as estrelas que aparecem no céu, e só de vez em quando, é que me deixam com um pouco de esperança.

— Atrevida! — Falou a mãe, dando-lhe um beijo. — Quer vir dormir comigo e com seu pai?

— Não precisa, estou bem. Só fica aqui mais um pouco, até eu dormir de novo.

— Você fala como uma adulta, cheia de segurança, mas acorda gritando, não entendo.

— É porque o sonho é muito nítido e real. Parece estar acontecendo aqui, nesse momento. Repito apenas o que vejo. É muito real.

— Então se deite, feche os olhos e tente dormir. Já que não quer vir comigo, vou passar a mão em seu cabelo.

— Então não vá, mesmo que eu pegue no sono. 

A mãe se encostou na parede e colocou a cabeça da filha no colo. Só saiu quando viu que ela dormira novamente. Sarati vinha tendo esses sonhos que sempre terminavam com um brilho ao longe. Entretanto, antes de chegar a esse momento, ocorria algo muito assustador. No primeiro sonho que revelou para a mãe, ela, já adulta, corria de homens ruins, que possuíam armas e pareciam lunáticos perseguidores. No segundo, ela vigiava um local sagrado, que era invadido por uma torrente do mal, em forma de pó, devorando o ambiente. No terceiro, buscava em livros respostas para uma profecia. E, no quarto, o daquele dia, Sarati quase caiu de um penhasco, atrás da luz que vinha do outro lado de um rio, com a sensação de algo que a perseguia.

— O que está acontecendo com essa menina? Não quero nem pensar que possa ser aquilo. — Era o pensamento que martelava na cabeça de Ali.

Sua mãe acreditava nos sonhos, mas fingia que não e desconversava. Sarati contava-lhe somente parte de cada um dos pesadelos e Ali sempre lhe dava a mesma resposta: era muito bom que a filha tivesse uma imaginação fértil, teria sido uma ótima escritora, quando os livros ainda não eram proibidos. No futuro não muito distante, Sarati descobriria que sua mãe, sempre com a intenção de protegê-la, dissimulava o real significado daquelas revelações, ou até em algumas vezes, não imaginou que seria real.

Pela manhã, após o café, a criança correu para a casa da avó, o seu porto seguro. Enquanto Manú amassava e testava suas várias ervas, Sarati ficava ao seu lado, observando e tentando aprender. No mesmo local, Ali tecia os fios. Nesse dia, tudo parecia estar diferente. Sarati estava agitada, a noite não havia sido das melhores. Em seu âmago sentia que algo incomum estava para acontecer. O cômodo, que já era pequeno, parecia ainda menor, quase a engolia. A criança inquieta, que deveria estar ali para ajudar, não conseguia parar quieta em um lugar só.

— Sarati, o que você tem hoje? — Questionou avó, com a voz brava. — Você está muito agitada e atrapalhando a mim e a sua mãe em nosso trabalho.

— Desculpe, tive um sonho terrível durante a noite. Já é o quarto pesadelo seguido. A minha alma parece que pressente que algo diferente acontecerá. Esse quarto está pequeno demais, sufocante.

— Então trate de se aquietar, entendeu? — Falou a avó, com a voz um pouco mais incisiva.

Manú olhou diferente para sua Ali, mas, no momento, Sarati, apesar de ter visto a troca de olhares que refletiam medo, não levou a sério, pensou ser apenas a avó com raiva, por ela estar atrapalhando o serviço daquele dia. Não desejando levar mais nenhuma bronca, a menina saiu para o quintal e brincou o dia todo, como uma criança normal, mas continuava com seu coração apertado.

Algum tempo depois, já cansada de inventar brincadeiras, resolveu tomar um banho para refrescar a mente. Nada que uma água gelada não pudesse resolver. Porém, mais uma vez, não foi o que aconteceu, mesmo pulando no único açude da propriedade, a água não a acalmou. Durante toda a refeição da noite, ela sacudia as pernas inquieta e remexia sua comida desatenta, como se não estivesse presente na mesa.

— Sarati, até agora agitada? Hoje você não conseguiu ao menos me ajudar a amassar as ervas. E você tem um olhar tão apurado para as plantas — falou a avó, com doçura na voz, mas preocupada — Vou preparar uma erva especial para espantar esses sonhos ruins. Devem ser eles que a está deixando desse jeito.

— Acho que hoje precisarei contar várias histórias para acalmá-la, mamãe. — Falou Ali.

— Eu adoro quando a mamãe me conta essas histórias diferentes de reis, rainhas e uma cidade linda que já existiu. Fico impressionada com a criatividade de inventar tudo isso. E depois ela me diz, que eu que tenho a mente criativa. Nunca passaria pela minha cabeça que essa nossa terra seca, um dia já teve um reinado, com flores, uma cidade toda branca e iluminada.

— Sua mãe tem uma grande imaginação mesmo, filha — falou a avó tentando disfarçar a angústia, quando se lembrava de sua própria história. — Então aproveite das belas histórias de fantasia. Se recebem esse nome é porque não existem.

Nessa hora, seu pai tossiu engasgado. Sarati correu para ajudá-lo, batendo em suas costas. Mais uma vez, um olhar diferente de Manú para Ali foi disparado na direção de Ané.  A menina ainda achou que era pelo fato de que havia passado o dia agitada e, assim, resolveu se calar até o término do jantar. Como não havia sossego nas pernas e nos braços, a agitação permaneceu. Sarati levantou-se e deixou a sala, sem olhar para trás, e correu para o quintal.

— Aonde vai, Sarati — escutou a mãe perguntar ao longe. — Volte aqui, falei que hoje você não verá as estrelas e dormirá cedo.

— Vou ver as estrelas. Pedi para não me tirar esse prazer. Não é a luz que me dá sonhos barrentos, mas sim as trevas.

— Essa menina só tem oito anos — expressou Manú — como usa essas palavras tão adultas. E o que está acontecendo com ela.

— Não sei, mamãe. Tenho medo do que possa ser e o que o destino nos reserva.

— Nenhum destino. Não deixarei que minha filha veja ou pressinta nada. — Falou Ané em agonia.

De nada adiantou, a preocupação de todos, pelo contrário, fizeram com que eles tomassem decisões ruins e precipitadas, depois que Sarati cresceu. O destino é certo e prega peças, por isso não tem atalhos para serem contornados.

Sarati já corria para subir na carroceria da carroça de feno. Uma energia estranha a puxava e, ao mesmo tempo, a conduzia para fora. A condução, onde ela gostava de se deitar, não estava no local de sempre, assim ela se sentou. Sentada ao lado da árvore de Jerá, Sarati olhou para o céu, como fazia repetidas vezes, todos os dias. O céu, naquele dia, estava sem estrelas, negro, sem nenhum brilho, o que não era comum, pois não havia chuva em Jetiah, apenas céu limpo, sem nuvens. De repente, a menina percebeu um ponto de luz, bem acima de sua cabeça e ele parecia descer até ela. Era uma luz resplandecente que foi chegando devagar e iluminou o local. Uma estrela de grande magnitude se abriu e se formou no céu. Sarati não conseguia tirar os olhos da estrela dourada, mesclada com tons de prata e violeta ao centro. O impressionante é que o brilho intenso não machucava seus olhos. A estrela começou a crescer e havia nela um núcleo cristalizado de onde partiram do núcleo e foram as sete pontas da parte externa.

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