A jovem Sarati estava petrificada e abismada com as palavras da mãe. Afinal, Ali poderia ser presa por se dirigir, daquela forma, a um soldado da guarda do Comandante Maior. Julião obedeceu com um gesto de cabeça, então Ali, preocupada, levantou o rosto de sua filha.— Você está bem, Sarati?— Sim, mamãe. Só assustada com o seu tom de voz com um soldado — ela disse quase ao ouvido da mãe — a senhora poderia ter sido presa por desacato.— Ele também estava desacatando você ao oferecer algo, sem ao menos ser seu amigo.— Seu nome é Sarati? Que lindo nome! — declarou, encantada, a esposa do vendedor.— Obrigada, minha senhora.— Não quer levar o tecido azul. Ficará lindo com a cor de seus olhos e cabelo.— Voltaremos mais tarde, senhora — falou Ali com um belo sorriso. Ela percebeu que a dona da barraca era muito mais do que uma simples vendedora de tecidos.A esposa do dono da barraca olhou tão intensamente para Sarati que parecia que a conhecia.— Seu nome é diferente, bela menina. — d
O caminho de volta pareceu mais longo, principalmente para Sarati. Julião foi ao lado da carroça, escoltando a moça com o olhar o tempo todo, que por mais que ela tentasse acreditar ser de amor, ela não conseguia. Por este motivo, ela permaneceu escondida, no interior do transporte, o máximo de tempo possível, evitando assim qualquer contato mais próximo com o soldado. A viagem durou três dias. Dessa vez, Ané não passou na casa dos pais, pois queria evitar que soubessem do casamento de Sarati com o soldado e que, apesar de jovem, os reconhecessem.Já em casa, antes que Julião partisse, Ané acertou os últimos detalhes: o agora noivo de sua filha voltaria da Cidade Murada em dois meses, e assim eles se casariam em uma cerimônia singela. Sem ânimo para nada, Sarati não observou as estrelas, hábito ao qual tinha voltado durante a festa. Permaneceu deitada, refletindo na sua nova vida, sem coragem, ao menos de olhar para o céu, através da janela do quarto.A mãe, também agoniada, perceber
Ali engoliu o choro, uma vez que não poderia fraquejar. Depois, ajeitou o véu da cabeça da filha e a puxou pelos braços para encontrarem o futuro marido. Sarati insatisfeita, entrou em casa calada e ficou ao lado do pai e de Jacob.— Cumprimente Julião — ordenou Ané. Sarati levantou a cabeça e viu o sorriso de Julião, que lhe pareceu uma mistura de sarcasmo com luxúria. Talvez, no fundo da alma, houvesse um pouco de sentimento, nem que fosse apenas o sexual.— Sarati — proferiu Julião — vim como prometido para celebrar nossa união. Nossa casa está pronta na Cidade Murada, e acredito que será de seu agrado.— Julião, volte daqui a dois dias para uma pequena celebração — ordenou o pai — sei que voltou mais cedo, pois tem suas obrigações de guarda na Cidade Murada, e que começarão em quatro dias. Minha esposa e Sarati terminarão o restante dos preparativos do casamento.— Sim, senhor. Estou hospedado em Fasellis. Volto em dois dias.No período da tarde, Ali auxiliou Sarati a arrumar seu
Ainda na madrugada, foi acordada com brutalidade por seu então esposo e partiram para a Cidade Murada. O homem ao lado de Sarati agia com indiferença, como se não tivesse maculado e torturado sua recém-esposa, horas antes. Por medo, ela resolveu esquecer, por ora, a dor, ofuscada pela imagem dos muros da cidade. Esta era enorme, toda em pedra, contudo, tão logo entraram em seus portões, Sarati perdeu o encanto, visto que a beleza era só exterior. A energia interior pareceu-lhe pesada, circulavam pelas ruas, pessoas com olhar vítreo, trôpegas, que bebiam e inalavam uma fumaça peculiar sem resquícios de pudor. Ao virarem à direita, na primeira rua após o portão principal, Sarati espantou-se com uma construção gigantesca, erguida em mármore preto, com uma torre pontiaguda que se estendia por metros e metros, rumo ao céu. No topo da torre, imperava uma força sombria, que se assemelhava a uma nuvem espessa de tempestade, prestes a cair.— Assustada, minha esposa? Este é Adalicá, o lugar on
Na casa de Sarati era a primeira vez que Jacob traria a futura esposa, com os pais dela, para acertar os detalhes do casamento. As bodas eram para ter acontecido, um ano depois que Sarati se casou, mas a mãe da noiva, pediu mais tempo para arrumar o enxoval e ainda nesse meio-termo, o pai dela ficou doente, quase falecendo. Mãe e filha tiveram que se desdobrar nos cuidados diários, com a doença do pai, mas ele se curou e agora poderia levar a filha ao altar. Agora sadio e com o enxoval perfeito, finalmente as duas famílias se sentariam a mesma mesa para ajustarem e confraternizarem com aquela união.Ali preparava Uthi, um prato de arroz, lentilhas e carne, que Sarati adorava. Enquanto cozinhava, lembrou-se da filha e não conteve as lágrimas.— O que foi, mamãe — perguntou Jacob que trazia as verduras da horta, que ela pedira.— Saudades de sua irmã. Hoje temos que decidir essa data, para dar tempo de enviar uma carta e Sarati conseguir estar aqui.— Dará tempo, nem que eu tenha que ir
Depois do terceiro ano de Sarati na Cidade Murada, sem dar nenhuma notícia aos pais, Ané começou a ficar desesperado. Ali sempre mandava cartas, mas estas não tinham resposta e com o sumiço do caixeiro e o não comparecimento da filha, ao casamento do próprio irmão, as desconfianças aumentaram. Passaram a acreditar que a filha não estivesse recebendo as correspondências. A ausência de Sarati ao casamento, e nem um comunicado foi o ponto crucial.A cerimônia foi realizada na data designada. O irmão estava triste, mas não podiam esperar mais. O próprio pai da noiva fez o pequeno ritual. A noiva estava vestida com uma túnica rosa, confeccionada pela sogra, entre lágrimas de tristeza e alegria. Entrou guiada pelos braços do pai, que depois tomou lugar, de frente para os noivos. Ali, tentava disfarçar, mas não parava de olhar para a cadeira vazia da filha, durante o jantar feito para eles e poucos convidados.Após a festa de casamento, Jacob viajou com sua noiva para uma breve lua de mel. A
Enquanto Ali tomava banho, Liviá deixou uma roupa limpa na cama separada para ela, e foi para a cozinha esquentar a sopa. Um tempo depois, ela chegou linda, como sempre fora, mas ainda não iluminada, como nos tempos de outrora. Ela se sentou com um pesar, pegou na mão dos sogros, e chorou baixinho até se acalmar para poder contar tudo.— Eu e Ané escondemos de vocês algo absurdo. Apenas contamos que Sarati, com oito anos, viu uma estrela, mas não falamos que era a grande Estrela. Ignoramos a profecia, por medo. Escondemos tudo que pudemos de nossa filha. Contamos também que um soldado entrara em nossa casa, por engano, mas ele estava atrás da criança, que viu a estrela. Possivelmente o Comandante viu alguma movimentação diferente aquele dia.— Ali, tente conectar suas ideias. Está tudo meio confuso. Sarati viu a estrela e você acredita que ela é uma das crianças da profecia?— Eu tenho certeza. E por isso, eu e Ané a demos em casamento para um soldado, com o intuito de protegê-la do C
Alair correu junto ao pai, foi até o mecanismo que comandava a abertura da porta da caverna para abri-la. Porém, Padiah mal esperou que abrisse por completo e foi para o lado de fora, esquadrinhando o local, sem avistar Ané.— Ané, onde está você? — indagou Padiah, cogitando que o amigo tivesse desistido.— Aqui embaixo. Eu ia dar a volta pelo morro para ver se encontrava outra passagem.— Suba, suba. A entrada é aqui mesmo.Ané subiu com esforço, uma vez que estava exausto da viagem, pelo calor e a falta de uma comida decente. Padiah abraçou-o no fim da encosta.— Às suas ordens, meu príncipe.— Não vou nem brigar com você, por chamar-me assim. Estou sem forças. Foram três dias de viagens no desconhecido. Nunca imaginei que existiam essas paragens em Jetiah.— Continuarei o chamando de meu príncipe até o fim dos meus dias. Entre, pois já suspeito porque veio até mim, mas antes pedirei que o levem a um quarto. Aproveite e tome um banho, descanse ao menos uma hora, a viagem até aqui fo