Mais uma vez a filha não respondeu. Ajudou a mãe, como sempre fazia, e depois de um dia de lida na cozinha, assando pães para a viagem, terminou o dia, apreciando o céu, durante alguns minutos, no seu lugar preferido. Voltou, quando a mãe a gritou: — Precisamos sair cedo amanhã, filha.
— Boa noite. Vou dormir. Ali, quando passou no quarto, para ler com a filha, a viu dormindo. O coração bateu descompassado, sentia a filha chateada e que estava se afastando. No quarto, deitou-se e mais uma vez sonhou com a mãe, que lhe dizia para não tomar decisões precipitadas ou impensadas. Como não lembrou dessas palavras no outro dia, as consequências vieram depois.******
Bem cedo, na manhã seguinte, Ali e Sarati tomaram assento no interior da carroça, que era coberta por um pano de cor marfim. Ané e Jacob foram conduzindo os animais. Sarati continuava calada, apenas com seus pensamentos. A mãe ainda tentou puxar conversa, mas de nada adiantou.
— Filha, parece cansada. Não dormiu bem? — Estou bem, mas quero ficar de olhos fechados. — Você me disse que queria ir para a festa. — Ainda quero, mas sinto algo ruim. Um pressentimento de decisões mal tomadas. Posso fechar os olhos, por favor? — Sim, filha. Ali sentiu o peito arder de dor. Tentou mentalizar Manú, mas se ela se esforçasse poderia trazer algum sinal de luz, e serem descobertos. Apenas pediu em pensamento que a mãe a ajudasse. A primeira parada, depois de mais de quatro horas de viagem, foi na casa de seus avós paternos, Liviá e Anatid. Eles viviam isolados, em uma casa construída atrás de uma grande rocha, fora das cercanias da estrada. Anatid estava cuidando das lindeias — árvores frutíferas que geravam a lindeia, uma fruta suculenta, vermelha, com sabor doce — quando escutou o barulho do relincho dos animais e, com a arma em riste, foi saber quem os visitava. Chegou na cerca já apontando a arma, mas se surpreendeu com a visita inesperada. — Ané, meu filho! Quanto tempo? E Jacob olhe só para você, já é um homem-feito! Sarati, Ali… Nossa! É muita surpresa para um dia só! Liviá veio de dentro da casa, de braços abertos para abraçá-los. Ela havia envelhecido muito desde a última vez que a tinham visto e, apesar de estar feliz em vê-los, sempre tinha uma tristeza e insegurança estampada no rosto, e um medo guardado no coração. — Quanta felicidade! Estão indo a Laidé? — Sim, minha sogra — falou Ali, a abraçando com carinho e respeito — Há tanto tempo que não vivemos esse momento. Julgo que seria uma ótima oportunidade irem conosco. Liviá se calou, abraçou Ané e saiu caminhando para dentro da casa, simples como todas, feita de barro e pedra. Depois da higiene e de se deliciarem com água gelada da cuia, sentaram-se para se alimentarem e colocarem os assuntos em dia. — Que bom que irão a Laidé. — Proferiu Liviá, pensativa e saudosa. — A senhora não quer vir conosco? — Especulou Ané — Ali tem razão, é um momento em família e único. — Estou cansada. Parece que a cada dia piora a pressão do Comandante Maior e de seus soldados, tomem cuidado com descobertas e revelações, ainda mais com decisões precipitadas e mal tomadas. — Mas nunca nos violaram ou fizeram algo contra nós — alertou Sarati, tentando entender o sentido do que sua avó dizia. — Quanto a descobertas, revelações e decisões também estou com esse mesmo sentimento. A avó olhou para Sarati. Sentiu uma luz dentro de si, mas disfarçou, deixando a neta sem resposta. Mais uma vez, o silêncio reinou. Sarati era perspicaz e não se deu por vencida, continuando o interrogatório. — Vovó, o que quis dizer com o perigo dos soldados? — Sarati, não se lembra de quando passaram em sua casa e queriam conhecer quem tinha visto a grande estrela? Pois se tivessem descoberto que foi você, eles a teriam matado. — Esse episódio já faz treze anos. E por que diz que teriam me matado? O que aquela simples estrela, que naquele dia, resolveu brilhar um pouco mais forte, pode fazer? Vocês são muito misteriosos, conversam em códigos, escondem coisas. Livros são proibidos, vivemos isolados. Nada se pode conversar. Liviá não respondeu e começou a ficar branca. Com lágrimas que desceram dos olhos, fez um sinal para Anatid. Os dois saíram para o quarto e ele voltou alguns minutos depois sozinho. — Desculpe, Sarati, sua avó está doentinha, cansada e vive assim preocupada. Ela não esconde nada, apenas não tem boas lembranças. — Haverá o dia em que descobrirei o que todos vocês escondem de mim. Ané, cansado da viagem e com medo de onde aquela conversa poderia terminar, interrompeu a fala de Sarati. — Estou com fome e com sono. Devemos dormir cedo. E pare, Sarati, de falar essas coisas perto da sua avó que está doente. Deixe apenas para os seus pensamentos, algo que acha que precisa descobrir.O jantar foi ruim sem Liviá, mas a avó não saiu mais do quarto. Enquanto caminhava para o banheiro, Sarati avistou sua avó, em posição fetal, chorando baixinho, e o avô, que voltará para junto dela, a consolava. Permanecendo escondida por trás da porta, conseguiu escutar algo que a deixou bastante intrigada.
— Não se preocupe, Liviá. Os soldados nunca descobrirão a missão de nossa menina. — Anatid, ao mesmo tempo que concordo em esconder tudo, sinto forte de dentro de mim, que esse não é o caminho correto. Por quê? Não sei responder. Já não tenho força suficiente para obter essa resposta. — Então não se torture. Deixe Ali e Ané guiarem o caminho da filha. Sarati perdeu o sono pensando nas palavras que ouvira, e, no início da manhã, quando partiram, o sono a venceu, e acabou cochilando na carroça. Só acordou duas horas depois, com o calor violento refletido no mormaço. Sentada ao lado da mãe, agora já acordada, deixou que a mente vagasse por mais pensamentos torturantes. — Mamãe, sinto que você, papai e todos escondem algo de mim. O que é? Tenho direito de saber. E ontem escutei algo parecido de vovó. — Filha, você sabe, sua avó perdeu um filho pelas mãos dos soldados do Comandante Maior. Por isso, está doente. Ela jamais superou o que aconteceu. — Não foi o que ouvi. Ontem, eu passava pela porta do quarto de vovó quando ouvi vovô dizendo claramente que vocês nunca deixariam que eu descobrisse a missão que havia sido confiada a mim. Ela respirou fundo e, de cabeça baixa, começou a narrar: — Filha, eu acho que chegou o momento de contar. Nem Jacob sabe, até porque ele não se importa, nem fica desconfiado como você. Lembra quando foram à nossa casa à procura de uma criança que viu uma estrela brilhante no céu? — Sim, eles cogitaram que tinha sido eu, o que, era verdade. — Mas não foi só você quem viu essa estrela, minha filha. Várias pessoas observaram, inclusive seu primo, filho de seu tio Alaor. Porém, seu primo não ouviu o pai e acabou revelando a verdade, de que ele vira uma estrela. Então os soldados, a mando do Comandante Maior, se prepararam para levá-lo para junto do soberano desse planeta. Alaor entrou na frente do filho para salvá-lo e foi morto. Sua avó nunca superou a perda do filho e a do neto também. — Então tio Alaor não conseguiu salvar meu primo? — Não, minha filha, mesmo assim, ele foi levado pelos soldados e nunca mais foi encontrado. — O que aquela estrela tem de tão especial? — Não sei, minha filha, reza a lenda que é uma estrela que traz amor e paz ao mundo. Mas é apenas uma lenda, nada mais. — Lendas, mamãe, são projeções de realidades, que acabam crescendo no imaginário das pessoas. — Chega, Sarati. Não sei como, mas Ali conseguiu inventar essa história naquele momento que apaziguou o coração de Sarati a convencendo que essa era a verdade. As mulheres escutaram o chamado de Ané, para que os cavalos parassem, então sentiram a carroça parar de forma brusca. Conversas de homens do lado de fora, em tom de voz alto, deixaram as duas temerosas. Estavam com medo de descer por não entender o que estava sendo dito. Minutos depois, Jacob abriu a lona, pediu que se acalmassem e disse que elas poderiam descer. — O que aconteceu? — Perguntou a mãe. — Soldados querem investigar o interior da carroça atrás de fugitivos. Disseram que roubaram o palácio do Comandante Maior. Já de fora da carroça, quando Sarati virou-se para o lado esquerdo enquanto ajeitava sua vestimenta, percebeu um olhar fixo em sua direção. — Sarati, venha. — Chamou o pai, que também havia percebido o olhar de cobiça de um dos soldados. Ele a olhava fixamente, sem disfarces, parecia hipnotizado. Sarati não sabia para onde dirigir o rosto. Abaixou a cabeça encabulada e, também com medo, correu para a segurança do pai, que sentiu a tensão no ambiente. — Fique calma, minha filha. Eles estão à procura de um fugitivo, somos apenas viajantes, indo a uma festa tradicional. — O senhor percebeu o modo como ele me olhava? Parecia que ia me devorar, além de expressar um ódio de mim. — Vamos pensar o contrário, que o rapaz está apenas admirado com a beleza da minha filha. — Ele é um soldado! Vovó não ficaria feliz em saber que sua neta está sendo cortejada por alguém que segue o Comandante Maior e que pode ter sido um dos que mataram o neto dela, não é? — Fale baixo, Sarati. Quer ver-nos todos presos. — O pai a repreendeu. O homem alto e moreno, fingia olhar o interior da carroça, mas não parava de contemplar Sarati, e assim caminhou na direção da família. Seu parceiro também veio logo atrás. — Julião, podemos ir embora, não há nada na carroça. Julião pigarreou e perguntou a Ané: — Estão indo para onde, senhor? — Para a festa de Laidé. — Vivem onde? — Em uma propriedade rural isolada, perto do povoado de Fasellis. — E estão indo tão longe apenas por uma festa? — É uma tradição de família, senhor. Ficamos vários anos sem poder ir, já que minha sogra estava muito doente. Ela faleceu a bem pouco tempo, estamos fazendo uma homenagem.O soldado continuava a olhar fixamente, o que fez com que Sarati se escondesse atrás do pai e abaixasse mais a cabeça. Ali segurou forte em sua mão e, sem medo algum, falou ao soldado, surpreendendo-o: — Não se preocupe, soldado, não temos rancor de você. O senhor estava apenas cumprindo ordens e acabou entrando na casa errada.
Julião balançou a cabeça, e seu gesto fez com que todos se lembrassem de imediato de onde o conheciam. O menino de dezoito anos, transformara-se em um homem forte, sagaz e destemido, mas também perigoso e vingativo. — Senhor, — dirigiu-se o soldado ao pai —poderia eu, após a festa, fazer uma visita à sua propriedade para conhecer melhor sua filha? — Vivemos em outra realidade, rapaz. Creio que não daria certo. Minha filha ainda não está em idade de ser cortejada. — Acho que está, pelas minhas contas, hoje ela deve estar com vinte e um anos, a idade ideal. Ali, no momento, sem que ninguém entendesse o porquê, interferiu, mais uma vez e, com voz suave, abrandou a situação. — Ané, não são as semelhanças que nos fazem melhores ou piores do que os outros, mas sim o que somos por dentro. Com aquela fala, a própria mãe, tentando fazer o melhor, iniciava um processo de mudança radical no destino de Sarati. Ela, que era o centro da conversa, estava com o rosto vermelho de embaraço, Seu coração acelerado com medo e uma intuição negativa, pois nunca qualquer homem a cortejou antes. Agora o soldado, que havia invadido a casa da família no passado, pedia para visitá-la e fazer a corte. Ané não sabia o que dizer, nem ao menos compreendeu por que sua esposa interferiu naquela situação. Jacob então bateu no ombro do pai para tirá-lo daquele momento. — Papai, temos que ir para conseguirmos acampar em um bom lugar antes do anoitecer. — Sim, Jacob. Suba com Sarati no interior da carroça. Preciso conversar com sua mãe. E quanto a você, soldado, quando voltarmos, passaremos por este mesmo caminho. Então pare-nos novamente, e lhe responderei.No interior da carroça, Sarati ficou calada por algum tempo. Tentava escutar o que a mãe e o pai conversavam, mas o canto estridente do vento não deixava. Só se percebia que a conversa tornou-se delicada e um tanto dramática. Jacob estava com a cabeça deitada no canto direito, de olhos fechados, e entoava um cântico de proteção que Manú os havia ensinado quando crianças.Lutando contra o som do vento, o casal se exaltava em ideias, no caminho tenebroso de decisões a serem tomadas.— Que fala foi aquela, Ali?— Não sei, talvez uma ideia.— Que ideia mulher? Entregar Sarati para um soldado do Comandante.— Ele parece gostar de nossa filha, quem sabe estando com ele, jamais desconfiarão de que foi ela que viu a estrela, e ela não tenha que seguir essa missão.— Eu pensei a mesma coisa, mas, ao mesmo tempo, que ele parece ter boas intenções, o coração daquele homem parece pesado. Você que já foi… você sabe o que quero dizer, o que sentiu, a esse respeito de energia.— Nada. É o meu único
Sarati, como ultimamente estava com o ouvido colado em qualquer conversa suspeita, ouviu o pai falando algo baixinho ao seu amigo: — Aqui não sou senhor, — respondeu receoso dos filhos ouvirem — sou apenas um amigo de passagem para a festa de Laidé.— Como está Amindabe? — A esposa de Ané interveio cumprimentando-o com um belo sorriso.— Bem, Ali. Ané, mal acreditei quando vi que esse era seu filho Jacob, já está moço, um homem. E você é Sarati? — Averiguou o senhor, olhando feliz para a menina e sem esperar que respondesse continuou. — Sua filha é linda, e Ali, sempre, a mais linda das mulheres. Venham, vamos entrar.Ané abraçou seu amigo, e foram andando à frente do grupo. Mais uma vez, Sarati captou uma frase estranha: — Notícias da rebelião?— Não, Ané, nada. Vivemos isolados, você sabe disso. Não deixei que meus filhos viajassem nessa aventura. O que sei é que ainda não existe uma rebelião, mas um agrupamento de pessoas, escondido em um local muito bem estruturado. O comando é do
Quando a família de Ané entrou na cidade, algumas pessoas, principalmente da caravana de Padiah, a reconheceram e fizeram, de forma disfarçada, uma reverência. Padiah estava sentado e ficou feliz em ver seu antigo amigo depois de tantos anos de ausência. O mais velho guardião esperou que se estabelecessem e, ao longe, viu as duas mulheres descerem da condução.Foi naquele lugar, que a bela Ali, a mais linda das guardiãs da estrela, conheceu o marido, bem depois da grande fuga, e nele encontrou o seu parceiro de vida. Ainda não existia a festa de Laidê, era só um povoado com quatro casas. Ali decidiu deixar seu esconderijo e partiu para tentar viver como uma pessoa comum, sendo seu guia Padiah, que lá a deixara. Desde então, os dois maiores guardiões da estrela, não se viram mais. Com essas lembranças na mente e com saudades da amiga, Padiah desviou o foco do olhar, quando a filha do casal desceu, logo atrás. Ele não a conhecia pessoalmente e só sabia o nome, Sarati, pois perguntara pa
Na ocasião em que voltaram para o acampamento, Sarati não perdeu a oportunidade de sentar-se na ponta da carroça para observar as estrelas. Nem percebeu que, ao longe, um belo rapaz, com o coração disparado, não conseguia tirar os olhos dela. Ali se achegou para perto da filha, e o âmago daquela mãe igualmente pesava, todavia não poderia ir contra a decisão de Ané.— Pensativa, Sarati? — Questionou Ali, sentando-se ao lado da filha.— Desculpe se fui rude aquela hora, mamãe. Não quiser ser grossa, mas não retiro o que eu disse.Ali só apertou a mão da filha.— Desde aquela noite, nunca mais tivemos um céu estrelado. Por quê?— Determinadas perguntas não têm resposta, Sarati, e é melhor não serem ditas em voz alta.— A sensação que tenho é de que algo muito maior surgirá, e uma estrela nascerá. Lembro que eu disse essas mesmas palavras quando eu tinha oito anos.— Sarati, antes de sonhar com estrelas, e acabar sendo presa, se continuar com esse assunto, preciso lhe falar. Você me conhe
A jovem Sarati estava petrificada e abismada com as palavras da mãe. Afinal, Ali poderia ser presa por se dirigir, daquela forma, a um soldado da guarda do Comandante Maior. Julião obedeceu com um gesto de cabeça, então Ali, preocupada, levantou o rosto de sua filha.— Você está bem, Sarati?— Sim, mamãe. Só assustada com o seu tom de voz com um soldado — ela disse quase ao ouvido da mãe — a senhora poderia ter sido presa por desacato.— Ele também estava desacatando você ao oferecer algo, sem ao menos ser seu amigo.— Seu nome é Sarati? Que lindo nome! — declarou, encantada, a esposa do vendedor.— Obrigada, minha senhora.— Não quer levar o tecido azul. Ficará lindo com a cor de seus olhos e cabelo.— Voltaremos mais tarde, senhora — falou Ali com um belo sorriso. Ela percebeu que a dona da barraca era muito mais do que uma simples vendedora de tecidos.A esposa do dono da barraca olhou tão intensamente para Sarati que parecia que a conhecia.— Seu nome é diferente, bela menina. — d
O caminho de volta pareceu mais longo, principalmente para Sarati. Julião foi ao lado da carroça, escoltando a moça com o olhar o tempo todo, que por mais que ela tentasse acreditar ser de amor, ela não conseguia. Por este motivo, ela permaneceu escondida, no interior do transporte, o máximo de tempo possível, evitando assim qualquer contato mais próximo com o soldado. A viagem durou três dias. Dessa vez, Ané não passou na casa dos pais, pois queria evitar que soubessem do casamento de Sarati com o soldado e que, apesar de jovem, os reconhecessem.Já em casa, antes que Julião partisse, Ané acertou os últimos detalhes: o agora noivo de sua filha voltaria da Cidade Murada em dois meses, e assim eles se casariam em uma cerimônia singela. Sem ânimo para nada, Sarati não observou as estrelas, hábito ao qual tinha voltado durante a festa. Permaneceu deitada, refletindo na sua nova vida, sem coragem, ao menos de olhar para o céu, através da janela do quarto.A mãe, também agoniada, perceber
Ali engoliu o choro, uma vez que não poderia fraquejar. Depois, ajeitou o véu da cabeça da filha e a puxou pelos braços para encontrarem o futuro marido. Sarati insatisfeita, entrou em casa calada e ficou ao lado do pai e de Jacob.— Cumprimente Julião — ordenou Ané. Sarati levantou a cabeça e viu o sorriso de Julião, que lhe pareceu uma mistura de sarcasmo com luxúria. Talvez, no fundo da alma, houvesse um pouco de sentimento, nem que fosse apenas o sexual.— Sarati — proferiu Julião — vim como prometido para celebrar nossa união. Nossa casa está pronta na Cidade Murada, e acredito que será de seu agrado.— Julião, volte daqui a dois dias para uma pequena celebração — ordenou o pai — sei que voltou mais cedo, pois tem suas obrigações de guarda na Cidade Murada, e que começarão em quatro dias. Minha esposa e Sarati terminarão o restante dos preparativos do casamento.— Sim, senhor. Estou hospedado em Fasellis. Volto em dois dias.No período da tarde, Ali auxiliou Sarati a arrumar seu
Ainda na madrugada, foi acordada com brutalidade por seu então esposo e partiram para a Cidade Murada. O homem ao lado de Sarati agia com indiferença, como se não tivesse maculado e torturado sua recém-esposa, horas antes. Por medo, ela resolveu esquecer, por ora, a dor, ofuscada pela imagem dos muros da cidade. Esta era enorme, toda em pedra, contudo, tão logo entraram em seus portões, Sarati perdeu o encanto, visto que a beleza era só exterior. A energia interior pareceu-lhe pesada, circulavam pelas ruas, pessoas com olhar vítreo, trôpegas, que bebiam e inalavam uma fumaça peculiar sem resquícios de pudor. Ao virarem à direita, na primeira rua após o portão principal, Sarati espantou-se com uma construção gigantesca, erguida em mármore preto, com uma torre pontiaguda que se estendia por metros e metros, rumo ao céu. No topo da torre, imperava uma força sombria, que se assemelhava a uma nuvem espessa de tempestade, prestes a cair.— Assustada, minha esposa? Este é Adalicá, o lugar on