Alair seguiu o ritual ensinado pelo pai, e a pedra que ornava a espada brilhou em sua direção.
A Cidade Central vivia mais um dia normal, no dia em que a estrela brilhou no céu do planeta Jetiah. A população, em sua maioria, era composta por drogados espalhados pelo chão, vivendo o seu momento de alucinação, e soldados protegiam o Palácio e o Comandante Maior, que reinava soberanamente no seu trono roubado. Há anos, Carliah usurpou o trono de Anatid, seu primo em segundo grau, após uma luta injusta e sangrenta. Depois de tomar o trono, o golpe final foi destruir o monumento da estrela. Ele, em seu trono dourado, adorava se lembrar daquele dia. Os guardiões fugiram, e seus soldados estavam a caça, mas não seria mais preciso, porque sem a luz da estrela, eles nada seriam. O monumento, dedicado a Estrela de Thuman, ficava localizado na praça central da cidade, local onde todos os guardiões se reuniam para suas tarefas diárias, inclusive de consagração do dia e da noite. Com o domínio de Carliah, que passou a se intitular Comandante Maior, os guardiões, com medo, foram se afastando de suas tarefas e abandonando a cidade, fugindo da ira daquele destruidor. A energia de maldade, ambição e ganância por poder, que saía do coração de Carliah, foi enfraquecendo a energia de luz da Cidade Central. Só era preciso um golpe final. O planeta também findava sua energia de paz e cada dia mais, ficava na sequidão e na escuridão. Quando ele percebeu que tinha esse poderio dentro de si, fez questão de acabar com o centro energético do planeta e destruiu a estrela. Com um martelo de pedra na mão e com uma fúria indomada, desceu com seus seguidores do Palácio, direto para a praça. Ela ainda estava na ponta do obelisco, reduzida de tamanho, e apenas com um fio de luz bem fraco. Com dez marretadas, em poucos minutos todo o obelisco e a estrela veio ao chão, ficando apenas pedaços espalhados na lama ressequida do rio. Quando se tem o poder nas mãos, o ser humano se cega, e com o Comandante Maior não podia ser diferente. Cheio de certezas, ele apenas se esqueceu de que havia uma profecia, ditada para o primeiro guardião, e que, um dia, poderia se concretizar. E se esqueceu, ainda mais, que o planeta já tinha passado por tempos de trevas, mas havia retomado sua glória, superando as energias do mal. Após anos de comando, o chefe supremo, em qualquer dia e a qualquer momento, considerava e comemorava a sua grande vitória, como se tivesse acontecido a tomada de poder, naquele instante. Nesse dia, não podia ser diferente. Ele descia de seu aposento real acompanhado de duas mulheres seminuas para tomar seu café da manhã. Elas vestiam apenas um robe vermelho transparente, era a forma de seduzi-lo, roupas transparentes, sensuais e insinuantes, que ele tanto gostava. Ele, como forma de manipulação, incentivava seus súditos a consumirem bebidas e drogas, uma tática perfeita para que não acontecessem rebeldias. Satisfeitos e dependentes, eles não ousariam fugir ou rebelar-se. Bastava o que ele tivera de enfrentar no passado, que acabou culminando em uma fuga em massa de várias pessoas, inclusive aqueles que se intitulavam guardiões da estrela. Durante um tempo, até procurou pelos rebeldes, mas seu orgulho era superior a qualquer profecia, e como Comandante Maior, ele acreditava ser invencível, havia dominado e destruído a Estrela. Isso bastava! Era um homem em seus 35 anos, rosto duro, sem sorrisos, cabelos rasos negros, e olhos também negros, como a noite. Aparentava ser bem mais velho do que a idade verdadeira. A vida de Carliah era construir fábricas que produziam drogas para seus seguidores, e armas para seu exército, todas localizadas na Cidade Murada, cidade afastada alguns quilômetros da Cidade Central, e ter várias mulheres para seu deleite e prazer, que eram tratadas da pior forma possível. Naquela manhã, o Comandante sentou-se e expulsou imediatamente as mulheres para a área de serviço. Apesar de serem escolhidas a dedo, sempre belas, bem-vestidas e cheirosas, não passavam de reles serviçais para o soberano. Após o seu café da manhã, foi fazer sua ronda pela cidade e pelos pastos. Ele gostava de saborear a pobreza da população e, principalmente, a miséria moral produzida por si mesmo. Esses eram os únicos momentos em que ele ria de deleite. Quando passou pela Cidade Central, resolveu fazer um caminho que, por vários anos, deixou de percorrer. Olhou as casas destruídas, desviou das pessoas no chão, passou por alguns poucos comércios, pois a distribuição de alimentos vinha toda, praticamente, da Cidade Murada, e terminou seu passeio na praça central, ou antes, chamada de Praça da Estrela. Apeou de seu animal e juntou-se a uma mulher que olhava para o monumento quebrado. Apesar de estar longe do Comandante, Liá levou um susto e deu um pulo para trás, fazendo uma reverência meio desajeitada. — O que faz aqui, mulher? É uma adepta da Estrela que não existe mais? — Zombou o Comandante Maior, soltando uma gargalhada sórdida. — Não, senhor, apesar de morar aqui, nunca havia vindo à praça central. Só fui levar uma encomenda e resolvi parar para entender o significado desse monumento. — Primeiro que não há nenhum monumento. E se não há, não existe significado. Não vê, é cega? Está tudo destruído, pelas minhas próprias mãos. Sou o Comandante Maior desse planeta, então estou ordenando, agora que já passou aqui pela primeira vez, não volte mais. Esse local é proibido. — Sim, senhor. Vou me retirar. Desculpe, Comandante Maior. — Liá, saiu fazendo uma reverência meio desajeitada. — Acho melhor e repito, não volte a parar na frente desse monumento. Não sabemos o que pode acontecer com a senhora. Meus soldados adoram pegar mulheres, mesmo idosas, que não obedecem ao que eu digo. — Não desobedecerei. A mulher fez outra reverência e saiu com passadas largas para casa. Liá estava trêmula, com medo, mas conseguiu disfarçar e voltar para casa em segurança. O soldado que o acompanhava no momento, ficou intrigado e chamou pelo seu senhor. — Senhor, quer que siga essa mulher. Ela parecia muito vidrada nesses pedaços de monumento. — Quer saber mais do que eu, soldado? Ela é dona da venda que abastece os inúteis que vivem drogados, e vocês soldados, ou você não a reconhece? — Desculpe, senhor. Eu não sabia, sempre como em casa. — Então agora fique sabendo. É uma inútil. Sem mais palavras, o Comandante voltou a montar em seu cavalo e partiu para o palácio real, sem perceber que um pequeno pedaço da estrela brilhava fraco no chão. Em um pequeno quarto, dentro do armazém, que mantinha para disfarçar o verdadeiro motivo, porque ainda vivia na Cidade Central, Liá entrou. O caminho era curto, mas, naquele momento, pareciam milhas e milhas distantes. Liá perdia-se em perguntas, principalmente ao questionar por que o Comandante estava na praça central. Será que ele sentiu algo diferente, como a própria Liá? Na noite anterior dormiu cedo e sonhou com a estrela que brilhou para duas crianças, mas em lugares complemente distintos. De manhã, desde que acordara, bem cedo, Liá teve uma sensação de que algo estranho estava para acontecer. Com a foto das irmãs em sua mão, tentou se acalmar, mas seu coração estava em desalinho, batendo em descompasso. Uma força magnética imperceptível a olho nu, puxava-a para perto da estrela. Ela levantou-se a contragosto, mas tinha de alimentar os soldados que passavam pelo armazém para comerem, antes de irem para casa ou para o trabalho no palácio. Um soldado de baixa patente e seu superior, entraram na taberna. Naquela hora, mais uma padaria. — Café, Liá. — Sim, senhor. Enquanto servia o café, continuou a sentir o peso em seu coração, inclusive, algumas vezes, chegou a levar a mão ao peito, o que levantou algumas indagações preocupadas. — Tudo bem com a senhora, dona Liá? — Perguntou o soldado de patente mais alta, chamado Alid — Parece abatida. — Não sei, soldado. Não amanheci muito bem hoje. Acho que comi alguma comida estragada ontem. — Cuide-se, dona Liá, não conseguirei ficar sem seus bolinhos maravilhosos. — Acho que é só cansaço, senhor Alid. Liá sorriu e, quando o armazém ficou vazio, fechou as portas e caminhou para espantar a agonia. O mais surpreendente é que, sem perceber, foi parar na Praça da Estrela, onde tantas vezes realizou sua missão de guardiã, e que agora se encontrava devastada. Não ficou muito tempo. Depois do susto de encontrar o Comandante Maior, Liá correu de volta para casa e, assim, esteve deitada em seu aposento até a noite, quando recebeu uma chamada inesperada. Através do método da transposição energética, sua grande amiga veio até o quarto. Não podia vê-la, mas a sentia viva. Se parecia com um sonho, mas bem mais realista. — Liá, minha amiga, sou eu, Magdali. — Magdali, aconteceu algo? Estive o dia todo com um pressentimento, uma agonia em meu peito. — Aconteceu o que esperávamos há anos: a estrela brilhou! Uma das crianças escolhida, por ela, foi meu filho Alair. Agora temos que procurar a outra criança. Continue em alerta. — A profecia irá se concretizar. Obrigada luz da Estrela. Magdali, vocês tem alguma suspeita de quem seja a outra criança? — Não. Tentaremos saber informações na festa de Laidê. Mas temos que ser o mais discretos possível. E você, Liá, viu algo na Cidade Central, ou só mesmo sentiu a força da estrela. — Acho que sim. Hoje, logo que os soldados tomaram um café, saí discretamente e caminhei, meio sem rumo. Uma inquietação tomava conta de mim. Quando vi, estava na praça. Vi um feixe de luz, muito pequeno em um pedaço da Estrela. Só espero que o Comandante não tenha visto o mesmo que eu. — Que a estrela nos proteja e cuidado com as palavras, mesmo estando em sua casa. Sempre corremos perigo com o Comandante Geral. E, porque falou que tomara que ele não tenha visto o mesmo que eu? — Ele me abordou, um pouco depois que cheguei na praça. Fiquei com muito medo. — Então redobre os cuidados. Não se manifeste. Mantenha-se como uma senhora, dona de um pequeno armazém. Não sabemos quando encontraremos a outra criança e quando está designado para que eles iniciem a missão que lhe foi confiada. Liá percebeu que a amiga precisava ir, a energia dela estava se acabando, e ela se tornava apenas uma fumaça branca. Em poucos segundos, a energia de Magdali se esvaiu. Liá começou a chorar de emoção com essa notícia. A noite, tanto Liá, quanto o Comandante do palácio, viram da janela do seu quarto uma luz inesperada, no céu. Liá chorou e a pulseira, a ela designada, brilhou fraca, dizendo que era verdade, o caminho para o retorno de Jetiah estava próximo. Já o soberano senhor daquela planeta, que nunca acreditou na profecia, se viu com medo e meio acuado. Ele desceu correndo até a sala, e esbravejou ordens aos seus soldados para percorrerem o planeta atrás da luz que via e da suposta criança da profecia que a viu. — Chamem Aladir, agora! — Ele gritou, já no andar de baixo. O Comandante parecia fora de si. Umas das servas do comandante, também ex-guardiã, disfarçada de governanta, entrou para levar uma bebida. — Senhor, sua bebida. — Deixe na mesa, e quando Aladir chegar ao Palácio traga-o aqui bem depressa. — Sim, senhor. A serva correu para os fundos do palácio e olhou seu comunicador, um relógio quebrado aos olhos dos soldados e outros funcionários, mas um comunicador de mensagens. Olhou bem rápido e viu que a única frase era a que queria ouvir, e por isso o Comandante estava tão nervoso. “Ela voltou em brilho e sublimidade. Fique de olho em tudo e em todos. Tome cuidado”. Quando entrou na cozinha, se deparou com Aladir, o imediato General que cuidava da Cidade Central. — Onde estava serva? — No banheiro, senhor. Desculpe-me. — Onde está o Comandante. Os soldados foram me buscar, mas não o achei no quarto. — Ele se trancou na sala oval, onde tem livros. — Não saia mais, ainda mais quando tiver alguma urgência. — Sim, senhor. Aladir, com medo, se dirigiu para a biblioteca. Mesmo sendo General, temia a fúria do soberano, ainda mais da maneira como foi chamado, as pressas e de noite. Bateu a porta e ouviu um estrondo de voz. — Porque demorou tanto. — Desculpe, senhor. Estava fazendo a ronda. — Quando eu chamar, largue tudo e venha. — Aladir levou um tapa na cabeça, que quase o levou ao chão. — Desculpe, senhor. — Falou ajoelhado, como ordenou o Comandante com um gesto de mão. — Escute o que vou dizer para não errar. Vi uma luz muito forte no céu, vindo do leste do planeta, deve ser na região de Laidê. Encontre qualquer criança que possa ter visto uma grande estrela, a maior delas, e com o brilho mais esplendoroso. — Quer que eu a mate ou traga para o palácio. — Primeiro destaque alguns soldados, os mais jovens, mais afoitos para mostrarem serviço e os coloque de casa em casa. — E se não encontrarmos ninguém, senhor. — Se, com uma, certeza absoluta, não encontrarem ninguém, terei a certeza de que sou o Comandante Maior e que essa profecia é apenas uma lenda. Agora vá e não me decepcione. — Sim, senhor Comandante. O cavalo de Aladir galopou na velocidade do vento e ele, ainda de madrugada, entrou nos portões da Cidade Murada. Sem rodeios, se dirigiu a casa de Julião, o soldado, por ele treinado e filho de uma prima. Bateu a porta com força e urgência. — Quem é? — Gritou Julião, com voz de sono. — Aladir, seu comandante. Julião abriu a porta bem rápido. O sonho era crescer como soldado, e para isso tinha que cair primeiro nas graças do seu imediato, e depois na do Comandante Maior. — Entre, senhor. — Serei breve. Escolha três grupos, com dois soldados cada e sigam para a região de Laidê, mas também desbravem toda a região, inclusive fazendas e pequenos povoados. Não deixe escapar ninguém. — O que aconteceu, senhor. Alguma rebelião? — Não, o Comandante Maior viu uma luz no céu, ontem. Ele quer que encontrem qualquer criança que digam que viram uma estrela grande e muito brilhante. — Ele acha que é a profecia? — Ele não acredita nela, mas, como ele disse, criança é fácil de manipular. Se vocês encontrarem alguma que fale, em detalhes, o que viu, traga-a imediatamente, e mate os pais. — E se não encontrarmos. — Ele disse, que se não encontrarem, depois de tudo percorrerem, só confirmará que tudo não se passe de uma lenda, e ele, é realmente o Comandante Maior desse planeta. — Se essa criança existir, eu a encontrarei, senhor. — Então, seja rápido. Naquela mesma madrugada, Julião, mesmo sendo ainda tão novo, com voz de comando, reuniu os três grupos e partiram.Nunca mais se falou sobre a estrela que brilhou no aniversário de Ané. Os anos passaram-se tranquilamente sem alardes. O pai de Sarati envelhecia, porém, ainda dava conta da colheita e da criação. Já Manú, bem velhinha, treze anos após o episódio, faleceu trabalhando em suas ervas. Um ataque cardíaco a levou de forma súbita. Foi Sarati quem a encontrou pela manhã, e algo deixou a menina, além de triste, muito intrigada. Ao lado do corpo da avó, que morrera deitada, uma luz circulava ao redor. A mãe, que pressentira.— Mamãe, a senhora está vendo uma luz, ao redor do corpo de vovô.— Não Sarati. Vá para casa, chame seu pai e seu irmão. Temos que fazer o ritual, por favor.— Mamãe, mas está muito forte, não é possível que não vê.— Sarati, minha mãe acaba de falecer. Respeite, por favor. — Falou Ali, com um tom de voz mais alto, irritada. Foi a forma que ela encontrou de mais uma vez, esconder algo tão importante para a filha.Foi um momento triste para a casa, mas superável. Na família
Mais uma vez a filha não respondeu. Ajudou a mãe, como sempre fazia, e depois de um dia de lida na cozinha, assando pães para a viagem, terminou o dia, apreciando o céu, durante alguns minutos, no seu lugar preferido. Voltou, quando a mãe a gritou: — Precisamos sair cedo amanhã, filha.— Boa noite. Vou dormir.Ali, quando passou no quarto, para ler com a filha, a viu dormindo. O coração bateu descompassado, sentia a filha chateada e que estava se afastando. No quarto, deitou-se e mais uma vez sonhou com a mãe, que lhe dizia para não tomar decisões precipitadas ou impensadas. Como não lembrou dessas palavras no outro dia, as consequências vieram depois.******Bem cedo, na manhã seguinte, Ali e Sarati tomaram assento no interior da carroça, que era coberta por um pano de cor marfim. Ané e Jacob foram conduzindo os animais. Sarati continuava calada, apenas com seus pensamentos. A mãe ainda tentou puxar conversa, mas de nada adiantou.— Filha, parece cansada. Não dormiu bem?— Estou bem,
No interior da carroça, Sarati ficou calada por algum tempo. Tentava escutar o que a mãe e o pai conversavam, mas o canto estridente do vento não deixava. Só se percebia que a conversa tornou-se delicada e um tanto dramática. Jacob estava com a cabeça deitada no canto direito, de olhos fechados, e entoava um cântico de proteção que Manú os havia ensinado quando crianças.Lutando contra o som do vento, o casal se exaltava em ideias, no caminho tenebroso de decisões a serem tomadas.— Que fala foi aquela, Ali?— Não sei, talvez uma ideia.— Que ideia mulher? Entregar Sarati para um soldado do Comandante.— Ele parece gostar de nossa filha, quem sabe estando com ele, jamais desconfiarão de que foi ela que viu a estrela, e ela não tenha que seguir essa missão.— Eu pensei a mesma coisa, mas, ao mesmo tempo, que ele parece ter boas intenções, o coração daquele homem parece pesado. Você que já foi… você sabe o que quero dizer, o que sentiu, a esse respeito de energia.— Nada. É o meu único
Sarati, como ultimamente estava com o ouvido colado em qualquer conversa suspeita, ouviu o pai falando algo baixinho ao seu amigo: — Aqui não sou senhor, — respondeu receoso dos filhos ouvirem — sou apenas um amigo de passagem para a festa de Laidé.— Como está Amindabe? — A esposa de Ané interveio cumprimentando-o com um belo sorriso.— Bem, Ali. Ané, mal acreditei quando vi que esse era seu filho Jacob, já está moço, um homem. E você é Sarati? — Averiguou o senhor, olhando feliz para a menina e sem esperar que respondesse continuou. — Sua filha é linda, e Ali, sempre, a mais linda das mulheres. Venham, vamos entrar.Ané abraçou seu amigo, e foram andando à frente do grupo. Mais uma vez, Sarati captou uma frase estranha: — Notícias da rebelião?— Não, Ané, nada. Vivemos isolados, você sabe disso. Não deixei que meus filhos viajassem nessa aventura. O que sei é que ainda não existe uma rebelião, mas um agrupamento de pessoas, escondido em um local muito bem estruturado. O comando é do
Quando a família de Ané entrou na cidade, algumas pessoas, principalmente da caravana de Padiah, a reconheceram e fizeram, de forma disfarçada, uma reverência. Padiah estava sentado e ficou feliz em ver seu antigo amigo depois de tantos anos de ausência. O mais velho guardião esperou que se estabelecessem e, ao longe, viu as duas mulheres descerem da condução.Foi naquele lugar, que a bela Ali, a mais linda das guardiãs da estrela, conheceu o marido, bem depois da grande fuga, e nele encontrou o seu parceiro de vida. Ainda não existia a festa de Laidê, era só um povoado com quatro casas. Ali decidiu deixar seu esconderijo e partiu para tentar viver como uma pessoa comum, sendo seu guia Padiah, que lá a deixara. Desde então, os dois maiores guardiões da estrela, não se viram mais. Com essas lembranças na mente e com saudades da amiga, Padiah desviou o foco do olhar, quando a filha do casal desceu, logo atrás. Ele não a conhecia pessoalmente e só sabia o nome, Sarati, pois perguntara pa
Na ocasião em que voltaram para o acampamento, Sarati não perdeu a oportunidade de sentar-se na ponta da carroça para observar as estrelas. Nem percebeu que, ao longe, um belo rapaz, com o coração disparado, não conseguia tirar os olhos dela. Ali se achegou para perto da filha, e o âmago daquela mãe igualmente pesava, todavia não poderia ir contra a decisão de Ané.— Pensativa, Sarati? — Questionou Ali, sentando-se ao lado da filha.— Desculpe se fui rude aquela hora, mamãe. Não quiser ser grossa, mas não retiro o que eu disse.Ali só apertou a mão da filha.— Desde aquela noite, nunca mais tivemos um céu estrelado. Por quê?— Determinadas perguntas não têm resposta, Sarati, e é melhor não serem ditas em voz alta.— A sensação que tenho é de que algo muito maior surgirá, e uma estrela nascerá. Lembro que eu disse essas mesmas palavras quando eu tinha oito anos.— Sarati, antes de sonhar com estrelas, e acabar sendo presa, se continuar com esse assunto, preciso lhe falar. Você me conhe
A jovem Sarati estava petrificada e abismada com as palavras da mãe. Afinal, Ali poderia ser presa por se dirigir, daquela forma, a um soldado da guarda do Comandante Maior. Julião obedeceu com um gesto de cabeça, então Ali, preocupada, levantou o rosto de sua filha.— Você está bem, Sarati?— Sim, mamãe. Só assustada com o seu tom de voz com um soldado — ela disse quase ao ouvido da mãe — a senhora poderia ter sido presa por desacato.— Ele também estava desacatando você ao oferecer algo, sem ao menos ser seu amigo.— Seu nome é Sarati? Que lindo nome! — declarou, encantada, a esposa do vendedor.— Obrigada, minha senhora.— Não quer levar o tecido azul. Ficará lindo com a cor de seus olhos e cabelo.— Voltaremos mais tarde, senhora — falou Ali com um belo sorriso. Ela percebeu que a dona da barraca era muito mais do que uma simples vendedora de tecidos.A esposa do dono da barraca olhou tão intensamente para Sarati que parecia que a conhecia.— Seu nome é diferente, bela menina. — d
O caminho de volta pareceu mais longo, principalmente para Sarati. Julião foi ao lado da carroça, escoltando a moça com o olhar o tempo todo, que por mais que ela tentasse acreditar ser de amor, ela não conseguia. Por este motivo, ela permaneceu escondida, no interior do transporte, o máximo de tempo possível, evitando assim qualquer contato mais próximo com o soldado. A viagem durou três dias. Dessa vez, Ané não passou na casa dos pais, pois queria evitar que soubessem do casamento de Sarati com o soldado e que, apesar de jovem, os reconhecessem.Já em casa, antes que Julião partisse, Ané acertou os últimos detalhes: o agora noivo de sua filha voltaria da Cidade Murada em dois meses, e assim eles se casariam em uma cerimônia singela. Sem ânimo para nada, Sarati não observou as estrelas, hábito ao qual tinha voltado durante a festa. Permaneceu deitada, refletindo na sua nova vida, sem coragem, ao menos de olhar para o céu, através da janela do quarto.A mãe, também agoniada, perceber