EU AVISTEI AS portas da biblioteca pelo corredor, mas meus pés se recusaram a avançar. O peso do livro em minhas mãos parecia dobrar, como se, de repente, ele carregasse algo muito maior do que simples páginas encadernadas. Meu peito apertou, e uma sensação gelada percorreu minha espinha quando dei mais um passo hesitante.Então, o pesadelo veio.Não como uma lembrança distante, mas como se estivesse acontecendo ali, naquele exato momento. A escuridão opressora, os sussurros indistintos, a sensação sufocante de estar sendo observada. Meus dedos se fecharam com mais força ao redor do livro, como se ele pudesse me ancorar na realidade, mas era inútil. O chão sob meus pés pareceu se dissolver, e o som ao meu redor se tornaram um zumbido distante.Respirei fundo, tentando me concentrar no presente. Era só um sonho. Só um sonho. Mas meu corpo não parecia convencido disso.Dei um passo para trás, depois outro. A biblioteca continuava ali, imóvel, inofensiva. E, ainda assim, não consegui atra
EVE VOLTOU POUCO depois do anoitecer e, em poucas palavras, resumiu a visita ao pai. Um homem a quem chamava apenas de Sr. Willians, um tutor de fachada, cuja paternidade ela descrevia mais como um dever social do que um laço genuíno. Era um assunto que ela raramente discutia, como se deixasse os traumas da infância trancados a sete chaves. Tudo que eu sabia é que ele havia enterrado a paternidade junto com a esposa, trocando-a pelo Bourbon e os charutos caros, até se casar anos depois com sua sócia, firmando de vez uma barreira afetiva entre ele e Eve.— Ele te obrigou a escolher uma faculdade? — observei, surpresa. — Mas... ainda falta um ano e meio para você terminar o colégio.Eu estava sentada ao centro da cama, pernas cruzadas e cabelo úmido, enquanto esperava Eve terminar de se arrumar para irmos ao refeitório. A brisa noturna soprava pela janela aberta, trazendo um frescor sutil ao quarto.— É a maneira dele de garantir que vai continuar mandando na minha vida — ela respondeu,
O CORREDOR ESTAVA lotado, como sempre. Alunos passavam apressados, tropeçando uns nos outros, livros escorregando de braços distraídos, risadas e conversas enchendo o espaço como um zumbido constante. Eu seguia em silêncio ao lado da Eve, tentando ignorar o peso crescente nos meus ombros, como se a noite passada ainda estivesse me puxando para trás.— Você não dormiu nada, né? — a voz de Eve cortou o barulho, descontraída, mas cheia de intenção. — Tá estampado na sua cara.Pisquei algumas vezes, como se isso pudesse mascarar o cansaço.— Só não consegui relaxar. — minha voz soou baixa, quase abafada pelo movimento ao nosso redor.Ela parou por um momento para ajustar a alça da mochila e me olhou de canto de olho.— Não conseguiu relaxar ou tem alguma coisa te incomodando? — perguntou, insistindo com aquele jeito típico dela. — Ontem você tava tão estranha, até com a mensagem do Nate.Tentei rir, mas o som saiu estranho. Eu sabia que não conseguiria enganar Eve por muito tempo. Ela semp
O RESTANTE DO DIA passou arrastado, como se o tempo estivesse conspirando contra nós. As aulas seguiram uma atrás da outra, drenando nossas energias como vampiros invisíveis sugando qualquer resquício de disposição. Quando finalmente o sinal tocou, anunciando o fim das aulas, eu só queria fugir o alojamento, mas o trabalho da professora Jia nos mantinha presas ali. Agora estávamos na biblioteca, espalhadas em uma mesa no canto mais silencioso. Eu, Eve, Liz e Sammy, tentando colocar alguma ordem na desordem que chamávamos de planejamento. O ambiente ao nosso redor parecia um santuário de conhecimento, com estantes altas que subiam até o teto, abarrotadas de livros que exalavam um cheiro familiar de papel antigo e madeira polida. O som ocasional de passos no chão encerado ou o farfalhar de páginas viradas era tudo que quebrava o silêncio quase reverente. A luz do fim de tarde atravessava as grandes janelas de vidro, criando padrões dançantes nas mesas de estudo. Maggie observava todo
O SOL JÁ ESTAVA começando a se esconder atrás das colinas, tingindo o céu de tons dourados e alaranjados. O vento, suave e fresco, soprava de vez em quando, fazendo as folhas da Acácia Mimosa balançar lentamente. Estava sentada na grama, recostada no tronco da árvore, sentindo o cheiro da terra misturado com o aroma doce das flores amarelas que caíam ao meu redor. O ambiente estava perfeito, tranquilo, como se o tempo tivesse desacelerado para nos deixar aproveitar aquele momento. Ao meu lado, Eve parecia perdida em seus próprios pensamentos, os olhos fixos no horizonte. Seus cabelos escuros estavam soltos, e o vento brincava com eles, o que me fez sorrir. Liam, como sempre, estava tentando animar todo mundo com suas piadas sobre o fim de semana, mas até mesmo ele parecia mais calmo hoje, como se o clima do lugar tivesse tocado a todos nós de alguma forma. Nate, sempre despreocupado, estava esticado na grama, com os braços para trás, apoiado nas mãos, observando as flores amarelas fl
― Angeline... ― uma voz ecoou no fundo da minha mente, arranhando minha consciência. Não! Não! Não! Não! ― ANGELINE! ― chamou-me novamente, mais alto desta vez. Meu corpo balançou como se o chão estivesse se movendo sob meus pés. ― ACORDA! O grito foi como um rompante, e despertei ofegante, como se tivesse sido sugada para fora de outra dimensão. Já era dia. ― Até que enfim. ― Eve exclamou em um sopro de voz, sua expressão um misto de alívio e exasperação. ― Que horas são? ― perguntei, me sentando na cama. Meu coração martelava no peito, enquanto um peso sufocante parecia apertar meus pulmões. ― Com quem você estava sonhando? Freddy Krueger? ― Eve ignorou minha pergunta, sentando-se de frente para mim na cama. Mas meus pensamentos permaneciam enevoados demais para responder. ― Você estava chorando e parecia apavorada. ― ela acrescentou, o tom cauteloso ao notar meu desconforto. ― Foi um pesadelo. ― sussurrei, tentando processar o que acabara de acontecer. Minha voz parecia dist
HAVIA UMA DORMÊNCIA no fundo dos meus olhos. Minhas pálpebras pesavam, teimando em não se abrir, como se fossem as portas de um cofre trancadas por dentro. O som das vozes ao meu redor era abafado, como se viesse de outro cômodo, mas, aos poucos, a nitidez surgia, trazendo palavras entrecortadas à tona. — Eu já disse que passei aqui antes de ir pra sala de aula. — insistia uma voz feminina, impregnada de impaciência. — E mandei ela me esperar no quarto. Não fazia ideia de que ela iria decidir vagar pelo colégio. A segunda voz era mais grave, cortante, como uma lâmina de aço. — Só estou dizendo que era mais fácil tê-la trazido logo, já que ela não estava se sentindo bem. Eu reconhecia os tons familiares, mas a dor surda na cabeça mantinha meu raciocínio arrastado, como uma marcha lenta sobre areia. Meus dedos se mexeram involuntariamente, um sinal do retorno à superfície. — Me compre algumas algemas e eu prometo amarrá-la ao pé da cama. Devolveu a voz feminina, desta vez car
18 de Maio de 2012Estamos, mais uma vez, começando de novo. As caixas estão empilhadas, os rostos de sempre carregando um cansaço familiar, mas também uma determinação silenciosa. O peso de cada mudança tem sido imenso, como se estivéssemos carregando o passado conosco a cada passo. Samuel, meu querido Samuel, tem se esforçado mais do que nunca para proteger a nossa família. Eu vejo isso em cada um dos seus gestos, nas noites sem dormir, tentando encontrar um jeito de nos manter seguros. Eu sei que ele está cansado. Cansado de continuar vivendo uma vida sem raízes. Ele abriu mão de sua vida antiga para estar aqui, para ficar comigo e com as meninas. Ele tem se sacrificado de uma forma que às vezes me parece demais, e me sinto culpada por não poder aliviar esse peso. Mas ele nunca reclama. Ele nunca nos deixa ver a fragilidade que carrega. Em vez disso, ele tem sido nossa rocha, nosso protetor. E eu o amo por isso, amo o olhar que ele me dirige quando estamos sozinhos, como se ele me