✥
Na manhã seguinte, fui despertada com batidas insistentes na porta do meu quarto e com uma Kathryn impaciente resmungando que iria atrasá-la para o trabalho. Fui obrigada a descer de qualquer jeito. Bem, na verdade, meu cabelo era a única coisa em mim que precisava de fato ser ajeitado. O volume das mechas onduladas estava decididamente inclinados em não me obedecer, tanto que decidi deixar como estavam, caindo em longas cascatas em meus ombros e costas.
O café da manhã já estava posto à mesa e em silêncio fiz minha refeição. Cereal com leite na tigela, um pedaço de torta de maçã e uma xícara de café era o que eu poderia chamar de café da manhã aborrecido. Minha irmã
liaintencionalmente o jornal no sof✥ O livro em cima cama parecia me observar de uma forma indireta, com um poder intimidador e invisível, me deixando acuada e sob pressão. Eu me sentia vítima de uma piada de mau gosto do universo. Ficar andando de um lado para outro pensando na hipótese de pisar na biblioteca para devolvê-lo se tornou a tarefa mais difícil do meu dia. Havia uma briga absurda dentro de mim que não fazia sentido algum. A parte racional do meu cérebro insistia que não tinha razões para tal comoção e que tudo estava como costumava ser, com a calmaria habitual alinhada as normas de conduta e de exigências do colégio. Porém, toda vez que eu decidia dar ouvidos a essa parte racional e deixava a infantilidade de lado. Um medo crescente tomava espaço em meu ser, os pelos do meu corpo eriçavam friamente e um novo nó voltava a se formar em meu estômago com a voz horrenda disparando dentro da minha cabeça de que eu jamais despertaria. Em meu último ato de coragem sai do quarto sem pestanejar, rumando em direção
✥ Eve retornou pouco tempo depois de anoitecer e resumiu em poucas palavras o assunto que a levou até a casa de seu pai. Homem a quem ela intitulava como seu tutor, sempre se referindo a ele como sr. Desmond, um alguém que exercia o papel da paternidade apenas pelo dever moral perante o status social. Eu não conhecia muito sobre o passado dela e não é como se ela gostasse de dividir os detalhes mais conflitantes de sua infância. Tudo o que me permitia saber era que o homem, cujo um dia havia sido seu pai, enterrou a paternidade junto com a esposa e se tornou um carrasco amargurado dependente de altas doses de brandy e charuto caros. Casando-se anos mais tarde com a sócia e afastando de vez qualquer possibilidade afetiva de pai e filha. — Não acredito que ele te intimou a escolher uma faculdade. Quero dizer... — meu cenho se franziu. — Ainda falta um ano e meio para você terminar o colégio. Por que a pressa? Estava sentada no meio da minha cama com as pernas em posição de yoga, pent
✥Cada partícula do meu corpo parecia reagir pela necessidade de ver Nate. Minhas mãos formigavam, meu estômago se agitava como se borboletas estivessem voando dentro e meu coração batia forte. Serpenteando pela trilha de arbustos floríferos podados, vou adentrando cada vez mais para dentro do jardim e deixando o enorme edifício para trás. O céu estava escuro e a lua muito branca e redonda em volta das centenas de estrelas, observava silenciosamente o meu caminho. A vontade de ficar nos braços de Nate consumia meus pensamentos e me faziam esquecer os últimos acontecimentos. Eu poderia estar ficando maluca por ignorar o que tinha acontecido do refeitório e talvez, inconscientemente essa fosse a minha vontade. Eu quero estar livre de qualquer preocupação e aproveitar a chance de estar ao lado dele. Mesmo que para isso, tenha que passar por cima de uma das regras disciplinares. O jardim do colégio é gigantesco, a grama em todo lugar é bem aparada e sempre verde. Postes coloniais ilumina
Inverness, Escócia - 1852Uma terrível tempestade caía desde o fim da tarde. Nuvens densas, da cor do carvão, cobriam o céu na hora mais escura da noite, envolvendo-o como uma mortalha. O brilho das estrelas e a iluminação precária do luar foram apagados. O vento forte uivava em fúria, rumo ao norte, enquanto relâmpagos intensos retumbavam, criando uma dança espetacular de clarões brancos. Lindos de se ver, mas completamente letais.Os habitantes de um vilarejo escondido nas montanhas eram reféns não apenas da fúria devastadora da mãe natureza, mas também de um terror inominável que os assombrava como uma maldição.Pés descalços desciam uma escadaria pedregosa, esculpida secretamente nas profundezas de uma das montanhas de Krane. Cada degrau, interminável, levava a um refúgio que, apesar de distante, era o mais seguro. Descer novamente aquela escadaria profunda era como voltar ao passado na esperança de alterar o futuro.― Aguentem... um pouco... mais... ― disse uma voz entrecortada, d
Parte I - Segredos Revelados"Nada há de oculto que não se torne manifesto, e nada em segredo que seja conhecido e venha a luz do dia.— Evangelho de Lucas 8,17✥Adeus.Indicação de despedida; sinal, palavra, gesto ou acontecimento que assinala a partida de alguém.Uma palavra que carrega um significado tão profundo quanto o amor, a morte e o perdão. Há momentos em que nos preparamos para a partida iminente de alguém, mas e quando a morte nos pega de surpresa? Quando chega sem aviso e nos obriga a aceitá-la, levando aqueles que, por mais mortais que sejam, deveriam ser eternos? Como saber quando estamos finalmente prontos para dizer adeus e retirar a atadura que cobre a ferida em nossos corações? O tempo não cura; ele apenas ameniza a dor, tornando as lembranças mais suaves, embora a tristeza persista, apertando nosso peito até nos sufocar. As lágrimas, então, caem, e a dor se torna mais visível.Já se passaram sete anos desde que comecei a conviver com essa dor profunda e a passar a
A noite estava agradavelmente fresca após um dia de calor intenso. O céu, salpicado de estrelas prateadas e iluminado pela lua crescente posicionada no centro, conferia um brilho pálido ao colégio, cuja arquitetura vitoriana lembrava um castelo dos filmes de Drácula — visão que sempre me fascinava.Pouco depois da partida de Karyn, Edgar, o segurança, liberou minha passagem pelo portão de ferro. O letreiro "Jardim Prata", forjado em arco no alto das lâminas que coroavam o portão, tornava a instituição ainda mais imponente.Ao longe, pude ver alunos dispersos pelo campus, aproveitando o frescor noturno antes do toque de recolher. Eu sabia que Evelyn estaria entre eles, pois nunca perdia a chance de sentir a liberdade efêmera além das paredes imponentes do colégio.Como esperado, encontrei-a sob a luz amarelada de um poste colonial, sentada de frente para o jardim e de costas para o edifício que nos aprisionava diariamente. Aquele era nosso refúgio favorito, onde podíamos contemplar a be
Meu corpo saltou da cama em um espasmo. O ar voltou aos meus pulmões de forma brusca e dolorida, enquanto meu peito arfava, tentando lidar com a batida frenética do meu coração. A adrenalina pulsava em minhas veias.— Foi só um pesadelo... — pensei, ainda com a mente turva. — Um sonho ruim e assustador...Respirei fundo, tentando acalmar o tremor nas mãos. Meus olhos correram pelo quarto, reconhecendo aos poucos os objetos familiares que pareciam, de alguma forma, distantes. O abajur apagado, a janela aberta pela metade, as cortinas afastadas, deixando os raios de sol dourados banharem o ambiente com uma claridade morna. Peguei o celular virado para baixo sobre o criado-mudo e toquei na tela. Oito e quinze da manhã.Um novo dia começava, mas algo ali estava errado.Olhei ao redor do quarto, a desconfiança crescendo como um pressentimento ruim. Minha mente se forçava a entender como e quando eu havia voltado para casa e me deitado ali. Era como tentar ver através de uma neblina espessa