O COLÉGIO FICAVA praticamente vazio aos domingos, como se tivesse sido deixado às pressas. A maioria dos alunos estavam em casa, aproveitando o último dia do fim de semana antes de retornarem ao confinamento e os corredores frios. Eve tinha mencionado algo sobre jantar com o pai, enquanto Nate e Liam estavam nos últimos detalhes para os preparativos da nossa viagem à casa de veraneio. Eu, no entanto, não tive escolha senão retornar. Karyn, com sua disciplina impecável, começaria mais cedo no trabalho e, como sempre, planejava sair tarde. Seu cuidado exagerado não permitia que eu ficasse sozinha em casa até o dia seguinte. Desta vez, não discuti nem tentei me opor à sua decisão, era como se os muros do colégio fossem os únicos capazes de me abrigar do caos que minha vida tinha se tornado depois da noite passada, quando ouvi... fale..i com aquele... fantasma? Espírito? Eu não sabia o que chamar. Desde então, era como se tudo à minha volta tivesse mudado, como se o mundo fosse um véu fino
O CORREDOR ESTAVA parcialmente vazio, mas ainda assim parecia opressor. Eu seguia na direção oposta aos grupos de alunos que chegavam, rindo e conversando com uma despreocupação que parecia tão distante de mim naquele momento. Eles passavam apressados, indo direto para o refeitório, suas vozes ecoando pelo espaço, misturadas ao som de risadas arrastadas e vozes que vinham dos celulares de tempos em tempos. Eu mantinha os olhos baixos, ajustando a alça da minha mochila no ombro, tentando passar despercebida. Não queria encarar ninguém. Cada rosto sorridente parecia aumentar o peso que eu sentia no peito. Era como se eu estivesse nadando contra uma correnteza invisível, lutando para me manter firme enquanto tudo ao meu redor fluía em outra direção, com uma leveza que me escapava. Minhas mãos ainda tremiam um pouco, e meu estômago parecia dar voltas. Eu precisava sair dali, chegar ao alojamento, onde poderia respirar e tentar entender o que estava acontecendo comigo. Mas, a cada passo,
— O Nate ainda não está falando com você? — Eve perguntou, enquanto segurava uma camiseta cinza grafite contra o corpo e avaliava no espelho.Soltei um suspiro, sentando na beirada da minha cama enquanto dobrava meu uniforme.— Ah, ele fala... naquelas... — respondi, torcendo o canto dos lábios com um suspiro. — Ainda está irritado por causa da briga com a Maureen, e todo mundo espalhando que foi por causa do Daniel.Eve soltou um risinho, virando-se para mim com um olhar cheio de provocação.— Dona Angeline e seus dois maridos. — brincou, balançando a cabeça com um sorriso de canto.Eu joguei uma almofada nela, sem muita força, mas o suficiente para fazê-la recuar rindo.— Não teve a menor graça. — rebati, cruzando os braços, mas com um pequeno sorriso escapando.— Ei, não sou só eu quem está dizendo. — Eve ergueu as mãos em uma falsa defesa, ainda com aquele sorriso divertido que ela adorava usar para provocar. — É o assunto da semana, goste você ou não, minha amiga. A atenção está
O MACAÇÃO AZUL parecia enorme em mim, quase cômico. Precisei dobrar as barras duas vezes para que não arrastassem pelo chão, e as mangas curtas deixavam um espaço excessivo, fazendo meus braços parecerem ainda mais magros. As botas pretas eram tão grandes que meus pés praticamente nadavam dentro delas, e as luvas emborrachadas, embora fosse o único item que servia, soltavam um resíduo incômodo que deixava meus dedos escorregadios.Meus cabelos estavam presos em um coque apertado, firme o suficiente para me causar uma dor de cabeça crescente, mas eu sabia que não poderia soltá-lo até terminar o serviço. Do outro lado da sala, Maureen usava as mesmas roupas e limpava as janelas com movimentos cuidadosos, borrifando um líquido espumante e depois passando uma flanela seca. O trabalho, já demorado por natureza, parecia ainda mais lento devido à limitação de sua única mão disponível.Limpar a sala de informática não parecia uma punição tão severa à primeira vista, mas essa impressão mudou r
Parte II"Ás vezes, o diabólico adota a aparência do bem, ou até mesmo se personifica completamente."― Franz Kafka☪☪☪Angeline... O sussurro pairava no ar como uma cantiga hipnótica, e eu o seguia, sem resistir. O som dos meus pés descalços, abafados contra o chão inundado por águas rasas e escuras, encobria minha presença. As paredes rochosas e escorregadias, emanavam um frio intenso que penetrava meu vestido branco e invadia meu corpo gelado como o de um cadáver.Angeline...Hipnotizada pela suavidade do som do meu nome, meus pés se arrastaram hesitantes à frente. Meu tronco balançava, como uma árvore fragilizada pelo vento primaveril. Minha mente estava anestesiada, incapaz de conectar um pensamento ao outro, de recuperar a consciência.Angeline...Procurei ao redor, na imensidão daquele espaço sombrio, jamais tocado pelo sol. Uma luz fraca acendeu-se de repente, iluminando um candelabro corroído pela ferrugem, pendendo de um pilar castigado pelo tempo e pela umidade. Ao fundo,
— Ainda não acredito que Angeline foi capaz de fazer isso! — Karyn exclamou, andando de um lado para outro, a voz carregada de uma raiva vibrante que parecia encher a sala.Passou as mãos pelos cabelos soltos e embaraçados, os olhos fixos no bilhete amassado sobre a bancada, como se aquele pedaço de papel fosse a raiz de toda a sua frustração. As poucas palavras deixadas por Angeline haviam sido suficientes para abalar o controle que ela mantivera por tantos anos. Algo dentro de si borbulhava, difícil de conter e prestes a transbordar.— Você sabia que esse dia iria chegar. — disse Lester, com uma calma quase irritante enquanto colocava a xícara de volta no pires. — Angeline precisa do próprio espaço. Você não pode prendê-la em casa pelo resto da vida.Karyn se virou para ele, a impaciência evidente em cada movimento.— Estou ciente de tudo isso. — respondeu, a voz incisiva com a agitação que ele parecia ignorar deliberadamente. — Mas ela não pode simplesmente crescer e achar que pode
O CHEIRO DE MAR misturado com a brisa salgada fazia com que eu me sentisse viva, como se a baía estivesse me acolhendo de volta a cada respiração. As ondas quebravam suavemente na praia, criando um som constante e agradável aos meus ouvidos. Nate e Liam se movimentavam pela areia, jogando vôlei. Cada salto e grito animado pareciam vibrar no ar, mas minha atenção estava no mar à frente. Nunca tinha visto o mar de perto, e a visão era ainda mais impressionante do que eu imaginava. A imensidão das águas azuis e as ondas que vinham e iam a um ritmo constante pareciam me envolver, como se a paisagem tivesse vida própria. Eu não conseguia tirar os olhos da linha do horizonte, onde o céu e o mar se encontravam de forma tão serena. Eve estava ao meu lado, de óculos de sol e com um semblante tranquilo, observando os meninos jogarem. Seu rosto estava levemente brilhante por conta do protetor solar recém-aplicado. Ela parecia tão à vontade, como se pertencesse completamente àquele cenário, como
O TRIO ESTAVA estacionado em uma pequena clareira fora do campo de visão do galpão, que se erguia à frente deles. Diferente do que esperavam, o lugar estava em ótimas condições. O portão principal, de ferro preto, era alto e sem sinais de ferrugem. Havia câmeras instaladas nos cantos do muro, e o gramado ao redor estava bem aparado, evidenciando que o local era regularmente mantido. Apesar disso, não havia qualquer sinal de movimento visível ou barulho vindo de dentro. O fim de tarde lançava uma luz difusa sobre o cenário, dando ao ambiente uma aparência quase surreal. As nuvens pesadas no céu criavam sombras longas no chão, aumentando a sensação de tensão.Karyn estava agachada perto de Lester, conferindo o conteúdo de uma pequena mochila com equipamentos enquanto Clarke mantinha o olhar fixo no galpão, seus olhos analisando cada detalhe com um binóculo.— Não parece abandonado, isso é certo. — comentou ela, abaixando o binóculo, as mãos firmes cobertas com luvas táticas. — Mas també