— Ainda não acredito que Angeline foi capaz de fazer isso! — Karyn exclamou, andando de um lado para outro, a voz carregada de uma raiva vibrante que parecia encher a sala.Passou as mãos pelos cabelos soltos e embaraçados, os olhos fixos no bilhete amassado sobre a bancada, como se aquele pedaço de papel fosse a raiz de toda a sua frustração. As poucas palavras deixadas por Angeline haviam sido suficientes para abalar o controle que ela mantivera por tantos anos. Algo dentro de si borbulhava, difícil de conter e prestes a transbordar.— Você sabia que esse dia iria chegar. — disse Lester, com uma calma quase irritante enquanto colocava a xícara de volta no pires. — Angeline precisa do próprio espaço. Você não pode prendê-la em casa pelo resto da vida.Karyn se virou para ele, a impaciência evidente em cada movimento.— Estou ciente de tudo isso. — respondeu, a voz incisiva com a agitação que ele parecia ignorar deliberadamente. — Mas ela não pode simplesmente crescer e achar que pode
O CHEIRO DE MAR misturado com a brisa salgada fazia com que eu me sentisse viva, como se a baía estivesse me acolhendo de volta a cada respiração. As ondas quebravam suavemente na praia, criando um som constante e agradável aos meus ouvidos. Nate e Liam se movimentavam pela areia, jogando vôlei. Cada salto e grito animado pareciam vibrar no ar, mas minha atenção estava no mar à frente. Nunca tinha visto o mar de perto, e a visão era ainda mais impressionante do que eu imaginava. A imensidão das águas azuis e as ondas que vinham e iam a um ritmo constante pareciam me envolver, como se a paisagem tivesse vida própria. Eu não conseguia tirar os olhos da linha do horizonte, onde o céu e o mar se encontravam de forma tão serena. Eve estava ao meu lado, de óculos de sol e com um semblante tranquilo, observando os meninos jogarem. Seu rosto estava levemente brilhante por conta do protetor solar recém-aplicado. Ela parecia tão à vontade, como se pertencesse completamente àquele cenário, como
O TRIO ESTAVA estacionado em uma pequena clareira fora do campo de visão do galpão, que se erguia à frente deles. Diferente do que esperavam, o lugar estava em ótimas condições. O portão principal, de ferro preto, era alto e sem sinais de ferrugem. Havia câmeras instaladas nos cantos do muro, e o gramado ao redor estava bem aparado, evidenciando que o local era regularmente mantido. Apesar disso, não havia qualquer sinal de movimento visível ou barulho vindo de dentro. O fim de tarde lançava uma luz difusa sobre o cenário, dando ao ambiente uma aparência quase surreal. As nuvens pesadas no céu criavam sombras longas no chão, aumentando a sensação de tensão.Karyn estava agachada perto de Lester, conferindo o conteúdo de uma pequena mochila com equipamentos enquanto Clarke mantinha o olhar fixo no galpão, seus olhos analisando cada detalhe com um binóculo.— Não parece abandonado, isso é certo. — comentou ela, abaixando o binóculo, as mãos firmes cobertas com luvas táticas. — Mas també
EVE MOVEU SUA última peça no tabuleiro de xadrez com um sorriso triunfante.— Xeque-mate, de novo! — ela exclamou, erguendo os braços em comemoração, vencendo Nate pela segunda vez.Nate deixou escapar um suspiro exagerado, encostando-se no sofá com um ar dramático.— Isso tem que ser sorte...Ela riu, inclinando-se para frente enquanto apoiava o queixo nas mãos.— Não é sorte. É puro talento. — disse com um sorriso triunfante. — Talvez você devesse considerar umas aulas comigo. Cobro caro, mas prometo resultados.Liam, sentado ao meu lado, deu uma risada curta.— Talvez você só precise aceitar que ela é melhor, Nate. Faz parte do jogo.Eu não consegui segurar o riso ao ver Nate balançar a cabeça, fingindo indignação.— Dizem que a terceira vez é a da sorte. Por que não tenta?— Ah, não, obrigado. Duas humilhações em uma noite já são suficientes. — ele respondeu e apontou para o tabuleiro. — Mas da próxima vez, vou virar o jogo. Você vai ver. — Estarei esperando ansiosamente. — Eve d
EU ME SENTIA submersa em um lago escuro e congelado. Incapaz de respirar, como se cada molécula de ar tivesse sido sugada para longe. Era uma sensação esmagadora, como se o peso do mundo estivesse sobre mim. Esperava, quase ansiava, que meu fim estivesse próximo. Que esse buraco no meu peito, aberto pela dor de perder Nate, fosse finalmente preenchido, mesmo que fosse por algo ainda mais insuportável.Meus olhos estavam fixos no corpo dele, caído de forma desajeitada na poça de sangue que só crescia. O líquido vermelho parecia se espalhar com uma calma cruel, enquanto os olhos opacos de Nate encaravam o vazio, sem vida, sem alma. Era como se o mundo inteiro tivesse parado naquele momento, preso em um silêncio aterrador.Eu o chamei até perder o fôlego, até que minha garganta queimasse e o som morresse nos meus lábios. As lágrimas vieram sem controle, cada uma carregando um pedaço de mim, até que restasse apenas o vazio.― O que fazemos com outra garota? ― a voz de Dwayne cortou o silê
EU NÃO CONSEGUIA reagir naquele momento. As palavras simplesmente não vinham, nem os sentimentos. Estava entorpecida, incapaz de processar o que estava acontecendo, como se estivesse em um redemoinho onde a lógica não fazia mais sentido. Cada segundo parecia me afundar ainda mais em um mundo distorcido, onde as pessoas que eu conhecia por toda minha vida agora eram completas estranhas.Descrença, desespero e raiva tornavam-se meus companheiros silenciosos.― A filha da Agnes... ― disse tio Lester, lentamente, como se apreciasse as palavras. Um sorriso discreto ameaçou curvar o canto de seus lábios pela descoberta. ― Então isso quer dizer que você não foi transferida para Londres.― Provavelmente esse seria o meu destino. ― Eve respondeu sombriamente, sua voz quase inaudível. ― Mas houve uma mudança de planos.Minha irmã e tio Lester trocaram olhares carregados de significado, como se um entendimento silencioso passasse entre eles. E eu estava ali, dividida, sem saber se deveria ficar
A PEDRA VERMELHA cintilava através do reflexo no espelho engordurado acima da pia, que há muito deixara de ser branca. Meus olhos estavam presos no pequeno pingente hexagonal pendurado em meu pescoço. O tom rubro e brilhante me lembrava de cada sangue derramado, de todas as vidas ceifadas por minha causa.Foi tudo o que me restou de uma vida que ficou para trás.Uma vida que, no fundo, nunca pertencera à verdadeira Angeline Collins, destinada a transformar tudo de bom em cinzas e destruição por causa dessa marca em seu braço. Agora, mais do que nunca eu a carregaria como se tivesse gravada em minha própria alma. Em um lembrete cruel de que havia sangue em minhas mãos.Eu os faria pagar.Não choraria mais, não agiria mais como uma garotinha amedrontada, escondida nas sombras da culpa e da fragilidade. Mas, para que isso acontecesse, eu precisava me recompor primeiro. Recuperar minha energia física e minha saúde mental era indispensável se eu quisesse enfrentar o que ainda estava por vi
☪PARTE III - ABISMO CHAMA ABISMO Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você." ― Friedrich Nietzsche ☪ RECOBREI A CONSCIÊNCIA com uma pontada afiada que disparou no canto da minha testa. Um chiado escapou da minha garganta seca, e eu forcei meus olhos a se abrirem. O primeiro detalhe que meus olhos captaram foi o teto de pedra acima de mim, gelado e áspero. Uma sensação de pavor se espalhou por meu peito, como se algo horrível estivesse prestes a acontecer. O medo se instalou em mim com uma intensidade aterradora, como se uma premonição sombria tivesse se apoderado do meu ser. Eu não sabia onde estava, mas sabia que não era bom. Tentei me apoiar em algo para me levantar, mas meu corpo foi recusado com um grito silencioso de dor, e eu caí de volta, sentindo o chão frio e liso contra a minha pele. Meu corpo protestou em cada movimento, como se cada fibra estivesse a