Na memória de Orson Harris, Zara Garcia sempre fora uma mulher de personalidade apagada, rígida e sem graça. Durante todo o casamento, ele a via como alguém previsível, quase invisível em sua monotonia. Apenas depois do divórcio, Orson começou a perceber nuances que antes ignorava. Sua ex-mulher, outrora tão discreta, agora parecia brilhar de uma forma que ele nunca havia notado. Era delicada, encantadora, cheia de graça e mistério. Aquilo o corroía. Cada gesto dela, cada sorriso, fazia algo dentro dele se revirar. E quando finalmente cedeu à inquietação e tentou se aproximar novamente, Zara, com um sorriso que era ao mesmo tempo doce e cruel, respondeu com leveza: — Orson, você já está fora do jogo!
Ler maisOrson sabia exatamente de quem eles estavam falando quando usavam aquela palavra ofensiva. Foi a primeira vez que ele ordenou diretamente à segurança do hospital que expulsasse os dois idosos. Os dois, que aparentavam ser frágeis, foram arrastados para fora enquanto gritavam com uma força surpreendente, prometendo chamar a imprensa e contar ao mundo que o filho deles havia sido destruído pela família Harris. Naquele momento, Orson respondeu com frieza: — Podem procurar quem quiserem. A atitude dele, tão calma e arrogante, era de gelar qualquer um. Mas Orson sequer olhou para eles novamente. Pouco tempo depois, Michel chegou ao hospital e informou que os pertences do apartamento Zara tinham sido transportados para o Condomínio Oásis. Orson respondeu apenas com um breve: — Hum. Michel hesitou, mas continuou: — Hoje vi a Sra. Harris… Ah, desculpe, quero dizer, a Sra. Zara. Ela parecia indisposta, talvez esteja doente. Orson permaneceu em silêncio. Michel respirou fundo e
Ao tocar seus lábios, a acidez parecia infinita, ainda pior do que o primeiro gole. Ele não conseguiu evitar franzir a testa.Foi então que ele viu aquela figura branca.De onde estava, no alto do prédio, tudo no andar térreo não passava de pontos desfocados e indistintos. Mas, mesmo assim, Orson a reconheceu de imediato. Ele a viu claramente ao lado de uma lixeira, jogando algo dentro dela.Os dedos de Orson apertaram com força a taça de vinho. Somente após alguns segundos ele conseguiu relaxar novamente.Orson sabia que nunca fora alguém de grandes emoções, uma característica que vinha da criação rígida de sua mãe. Ao se lembrar dela, a primeira coisa que lhe vinha à mente era sua voz tranquila e um sorriso que parecia nunca ultrapassar a superfície.Orson sempre acreditou que não sentia nada por sua mãe.Foi apenas no momento em que ela sofreu o acidente que ele percebeu o quanto ela era, de todas as pessoas no mundo, aquela com quem ele tinha o laço mais profundo. Ele já havia habi
As palavras de Orson deixaram Zara em um silêncio prolongado. A porta atrás dela ainda estava aberta, permitindo que o vento frio entrasse e contrastasse com o calor acolhedor do ambiente interno. Zara não conseguia distinguir se o que sentia naquele momento era frio ou calor. Apenas sabia que sua mente estava completamente vazia. Demorou alguns instantes até que ela finalmente encontrasse sua voz. — Então, você nem quer ouvir minha explicação? — Ela perguntou, com a voz fraca, mas firme. Orson a olhou com indiferença e respondeu: — Zara, neste mundo, muitas coisas só dependem do resultado. Ao ouvir isso, Zara abaixou a cabeça e soltou uma risada curta e amarga. Resultado? O que era o resultado? O resultado era que a mãe dele estava agora em um hospital, inconsciente. O resultado era que aquela carta de despedida havia passado pelas mãos dela antes de chegar às mãos dele. O resultado era que ele acabara de dizer que não havia mais razão para se verem, nem mesmo se d
Zara ligou para Orson, mas ele estava em outra ligação o tempo todo. Sem alternativa, ela decidiu entrar em contato com Michel. — O Sr. Orson ainda está em reunião, mas hoje ele provavelmente não terá tempo para vê-la. Talvez… — Michel tentou soar delicado, mas Zara entendeu de imediato o que ele queria dizer. Como assim Orson não tinha tempo para vê-la? Zara se lembrou de como ele costumava estar ocupado semanas atrás, mas, mesmo assim, sempre encontrava tempo para vê-la. Não importava o quão atarefado estivesse, ele dava um jeito. Havia vezes em que, mesmo depois de um longo voo de madrugada, ele ia direto para o apartamento dela. Agora, porém, nem mesmo um telefonema parecia ser possível. Pensamentos confusos agitavam-se na mente de Zara, mas ela decidiu não confrontar Michel. Apenas respondeu: — Entendi. Depois de desligar, ela se virou para sair. No entanto, quando o motorista do táxi perguntou o endereço, ela mudou de ideia. — Condomínio Oásis. Já fazia muito te
Fiona encontrou Zara quando ela acabava de voltar do supermercado. Zara carregava sacolas nas mãos e, ao ver Fiona, seus dedos se apertaram instintivamente nas alças. Fiona estava parada nos degraus da entrada, com um sorriso tranquilo no rosto. — Mana. — Fiona cumprimentou casualmente. Zara não respondeu. Ela apenas manteve o olhar fixo nela, em silêncio. Fiona sorriu novamente, como se se divertisse com a reação dela. — Está surpresa em me ver? — Perguntou Fiona, inclinando levemente a cabeça. — Só passei para ver como você está. — Fiona continuou, piscando de forma despreocupada. — Orson andou tão ocupado ultimamente que, com certeza, não tem tempo para você. Como sua irmã, achei que deveria checar como anda essa sua vidinha sem graça por aqui. — Então agora você pode ir. — Zara respondeu, sem alterar o tom de voz, enquanto passava por Fiona e seguia seu caminho. Se fosse em outra época, Fiona certamente teria perdido a paciência diante da atitude fria de Zara. Mas,
O assistente de Orson se aproximou logo em seguida, com uma expressão séria, e disse algo em voz baixa. Orson manteve o rosto completamente impassível e não deu nenhuma resposta imediata. — Sr. Orson, se as coisas se espalharem amanhã e a situação piorar… — Contate alguém para abafar isso. E entre em contato com a família de Ian. — A voz de Orson era fria e controlada, como se estivesse lidando com algo banal, apenas mais um problema para resolver. — Eu mesmo falarei com minha avó. — Ele disse, enquanto já se virava para sair. No entanto, ao passar por Zara, ele pareceu se lembrar de algo e parou por um instante. — Vou te levar para casa primeiro. — Acho melhor eu ficar no hospital essa noite. — Zara sugeriu, hesitante. Ela sabia que Marta estava na UTI e que sua presença ali não faria diferença, mas, naquele momento, ela temia ainda mais a ideia de ficar sozinha com Orson. As palavras de Fiona ainda ecoavam em sua mente, e ela não tinha como argumentar contra elas. Z
O hospital durante a madrugada sempre tinha um ar particularmente sombrio. A luz forte da sala de emergência, no final do corredor, parecia tingida de sangue, apertando o coração de quem a observava. Para surpresa de Zara, além do assistente de Orson, também estava ali Fiona, sentada diante da porta da sala de emergência. Havia manchas de sangue na roupa dela, e seu rosto estava pálido. Assim que viu Orson, Fiona se levantou de repente e correu em sua direção. — Orson! — Ela gritou, com a voz trêmula. Era como se toda a tensão que ela segurava tivesse se rompido naquele instante. As lágrimas começaram a escorrer imediatamente. — Você finalmente chegou! O que vamos fazer? A Sra. Marta está muito ferida! Você acha que ela vai… Orson lançou um olhar breve para Fiona, mas logo desviou para o seu assistente, com a expressão carregada. — O acidente ainda está sendo investigado. — O assistente começou, hesitante. — Mas, de acordo com as pessoas no local… Não havia outros veículo
Naquele momento, Zara sentiu que aquele envelope era como um objeto em chamas. Parecia que, não importava onde o colocasse, ele nunca estaria seguro. Por fim, ela decidiu tirá-lo da gaveta e colocá-lo junto à pilha de livros em sua mesa. Estava bem visível, mas, naquela noite, quando Orson voltou para casa, ele não percebeu nada. Ele parecia estar de ótimo humor ultimamente. Depois de tomar banho, ele caminhou até Zara, fechou o laptop dela e, sem aviso, a pegou no colo. Como Zara continuava se recusando a se mudar daquele apartamento, e Orson não queria mais conter seus desejos, ele havia decidido alugar o apartamento ao lado. Assim, pelo menos, ninguém reclamaria do barulho. Naquela tarde, Cidade N havia recebido a primeira neve do inverno. Zara não tinha nenhuma ligação especial com neve, mas Orson parecia adorar. Tanto que ele a pressionou contra a janela por um longo tempo enquanto admirava a paisagem, deixando-a sem forças. Quando Zara já não conseguia mais se manter
Zara reencontrou Marta dois dias depois. Foi Marta quem tomou a iniciativa de ligar para ela, marcando um encontro em uma cafeteria. Zara não sabia qual era o propósito daquele encontro, mas também não recusou. — Decidi deixar Cidade N. — Marta foi direta assim que chegaram à cafeteria. As palavras dela fizeram os olhos de Zara se arregalarem imediatamente. — Como assim? — Ela perguntou, surpresa. — O que eu disse. Literalmente. — Marta respondeu, com um tom calmo. — É por causa do que aconteceu da última vez? A senhora está chateada com o Orson... — Não. — Marta interrompeu rapidamente. — E posso te dizer o motivo: estou indo porque ele passou no teste que Orson colocou para ele. Zara sentiu os olhos se apertarem levemente ao ouvir aquilo. Ela respirou fundo e perguntou: — Então a senhora quer dizer que... — Que há muitas pessoas que nos conhecem em Cidade N. — Marta explicou, enquanto cruzava as mãos sobre a mesa. — Por muitos anos, minha posição social me sufocou