Quatro meses se passaram desde aquele acidente, e desde a noite com Falcão. Minha vida parecia estar, de certa forma, se ajeitando, mesmo que o vazio que a perda dos meus pais tivesse deixado nunca fosse completamente preenchido. O tempo ajudava a acalmar, mas a dor ainda estava ali, pulsando em algum lugar dentro de mim, como uma cicatriz invisível.
Mas a rotina tinha um novo ritmo agora. A loja, as risadas com as meninas e o calor da favela de Rosinha se tornaram minha realidade. Mas havia algo estranho acontecendo comigo. Nos últimos dias, comecei a sentir uns enjôos. Não era nada demais, mas o fato de sentir tontura a cada movimento me incomodava. A barriga estava meio enjoada, e eu não conseguia entender o que estava acontecendo. Até que, ao conferir a menstruação, percebi que estava atrasada. Meu coração acelerou, e a primeira coisa que me veio à cabeça foi o momento com Falcão. Eu sabia que ele não era qualquer um, mas não imaginava que eu fosse acabar nessa situação. Eu não tinha certeza de nada, mas precisava conversar. E, por sorte, tinha as minhas amigas. Aquelas três me conheciam melhor que ninguém. Ju, Lívia e Fê eram meu apoio, minha base. No fim do expediente, nos encontramos na praça, como sempre. O sol estava se pondo, e o calor da cidade parecia ter diminuído um pouco. Sentei no banco, olhando para elas, e respirei fundo antes de abrir a boca. — Gente... eu não sei o que fazer, eu tô com medo — comecei a dizer, sentindo o peso das palavras. Ju, que sempre foi mais direta, levantou a sobrancelha, dando aquele olhar de quem sabia que eu ia contar alguma coisa pesada. — O que aconteceu, Lara? Fala logo, tá me deixando ansiosa. Eu olhei para o chão, tentando reunir coragem. — Eu preciso contar uma coisa. Eu... eu me envolvi com um homem. Ele se chama Falcão. Quando cheguei aqui, tava meio desorientada por conta da morte dos meus pais, acabei indo no baile e me envolvi com ele — falei, de uma vez. As palavras saíram meio baixas, mas pesadas o suficiente para me fazer tremer. As meninas ficaram em silêncio por um momento. Fê, a mais tranquila, foi a primeira a falar, mas não foi por muito tempo. — Como assim, envolveu com o Falcão? — Fê perguntou, com uma expressão confusa, ainda tentando entender. Eu não sabia como explicar direito, então continuei. — Eu... sei que ele não é qualquer pessoa. Não sou boba. Mas, naquela noite, não pensei direito. Ele... ele me fez sentir uma coisa que eu nunca imaginei que sentiria. E, depois de tudo, a gente acabou transando — disse, com a voz mais baixa. Senti o peso daquilo, como se estivesse contando algo que não podia ser falado em voz alta. Lívia arregalou os olhos, como se tivesse acabado de ouvir a maior bomba da vida dela. Ela não esperava isso. — Mas você não sabe com quem estava se metendo, Lara! — Lívia exclamou, ainda sem acreditar no que eu estava dizendo. Eu a olhei, confusa. — Do que você está falando, Lívia? Ela me olhou com seriedade, como se estivesse tentando juntar todas as peças. — O Falcão, Lara... ele é o dono do morro! Você não sabia disso? Meu estômago virou. Falcão... o homem com quem eu tinha me entregado sem saber quem ele realmente era. Aquelas palavras ficaram ecoando na minha cabeça. "Dono do morro". Isso explicava muita coisa. A maneira como ele me olhava, o jeito que ele parecia controlar tudo ao redor dele, a intensidade daquela noite... eu estava em choque. — Como você não sabia disso, Lara? — Ju perguntou, agora preocupada. — O Falcão é perigoso, ele tem uma vida cheia de coisas que você nem imagina. Eu senti meu coração disparar. Aquele homem, aquele que parecia ser tão intenso e único, era exatamente aquilo que eu temia. O que eu tinha feito? Como eu não vi? Aquela conversa, que deveria ser sobre algo simples, agora me deixou com um turbilhão de emoções. Eu não sabia o que fazer, nem o que pensar. Tudo estava fora do meu controle. Eu olhei para minhas amigas, pedindo ajuda com os olhos. — O que eu faço agora? — perguntei, desesperada. Fê, que sempre foi a mais calma, me deu um sorriso fraco e colocou a mão no meu ombro. — Calma, Lara. A gente vai te ajudar. Não se preocupa, a gente vai achar uma solução para isso. Mas, na verdade, eu sabia que nada seria fácil. Eu estava metida em algo muito maior do que imaginava, e agora precisava decidir qual caminho seguir. E, mais importante ainda, como enfrentaria Falcão. Eu respirei fundo e falei, com a voz trêmula. — E tem mais... eu acho que... eu tô grávida. Eu senti os sintomas. Enjôos, tontura, e a menstruação... tá atrasada. As meninas ficaram em silêncio, agora digerindo tudo o que eu tinha contado. O peso da minha revelação estava no ar, e eu só esperava que elas soubessem o que fazer. Porque eu, sinceramente, não sabia nem por onde começar.O silêncio que tomou conta do grupo naquela tarde era pesado, mas eu não queria mais ficar ali, apavorada e cheia de incertezas. Fê foi a primeira a reagir, pegando a minha mão e dizendo, com firmeza:— Lara, vamos resolver isso. Vamos no posto de saúde agora mesmo. Vai que é só um susto. Melhor fazer o teste de sangue pra ter certeza.Eu respirei fundo, tentando me convencer de que estava tudo bem, de que não era nada. Mas, no fundo, eu sabia. Eu sabia que algo estava acontecendo dentro de mim, e que isso não ia ser tão fácil quanto queria acreditar.Lívia, que não falava muito desde a minha revelação, colocou a mão no meu ombro e falou com um tom mais suave, mas ainda com preocupação:— A gente vai ficar com você, amiga. Vamos fazer esse teste e, se der positivo, a gente resolve tudo junto. Não precisa ter medo, não.Ju, a mais impaciente de todas, já estava dando as ordens, como sempre.— Vamos logo, Lara. Não tem tempo a perder, não. Se você tá grávida, é melhor saber logo e tomar
O silêncio no carro era pesado enquanto voltávamos para casa. Eu não conseguia parar de pensar no teste. Estava grávida. A palavra soava como um eco na minha cabeça, sem fazer muito sentido, mas ao mesmo tempo, parecia tão real quanto a sensação de dor que estava se instalando no meu peito. As meninas tentavam me animar, mas eu sabia que nada mudaria a verdade que eu acabara de descobrir.Fê foi a primeira a quebrar o silêncio, tentando me puxar para a realidade.— Lara, você precisa pensar em tudo, calma. Não adianta ficar pirando, agora a gente tem que ver o que fazer. O que você quer, no fundo? Você tem um futuro pela frente, tem que se decidir.Eu estava tão confusa que nem sabia o que responder. Como decidir alguma coisa com uma bomba dessas caindo sobre a minha vida? Eu só queria que o mundo parasse de girar por um momento, para eu conseguir respirar.— Eu não sei… Eu realmente não sei o que fazer. Não me vejo cuidando de uma criança sozinha, mas também não sei se consigo tirar
As meninas estavam decididas. Se eu tinha que enfrentar Falcão, elas estariam comigo, não importa o que acontecesse. Elas sabiam muito mais sobre ele do que eu, e esse era o ponto que me fazia sentir que, talvez, eu ainda tivesse alguma chance de controlar a situação.Fê parecia a mais otimista.— Vai dar tudo certo, Lara. A gente tem que estar na frente dele, sem mostrar medo. Você vai ver, ele vai entender que você não é qualquer uma, que você não vai ser controlada por ele, não importa quem ele seja.Ju, por outro lado, era mais cautelosa. Ela já havia tido algumas experiências com caras problemáticos no passado, e seu instinto de proteção estava à flor da pele.— Só não vá achando que ele vai te dar mole, hein? Falcão é perigoso, a gente sabe disso. Não dá para ser mole com ele. Ele não vai te dar a mínima se você se mostrar fraca.Eu sabia o que Ju estava tentando dizer. Mas, ao mesmo tempo, eu me sentia perdida. Eu mal sabia o que fazer da minha vida depois do acidente, e agora,
FalcãoAs mulheres, essas, sempre cheias de truque. Chegaram no morro, e eu nem dei muita atenção no começo. Mas quando vi ela, Lara, o papo mudou. Garota diferente, pensava que ia causar algum impacto, que ia chegar e todo mundo ia se curvar pra ela. No fundo, até admito, ela tem uma coragem. Mas coragem aqui não vale de nada quando a gente vive de respeito e medo, e não de promessas vazias.Eu tava ali, no meu canto, falando com os meus homens. Nada demais. Nada que me tirasse o foco. Até que ela, com aquele jeito inocente, pediu pra conversar comigo. Achou que eu ia dar bola pra essa história, né? Pensa que sou qualquer idiota.— Falcão, podemos conversar a sós? — A voz dela tava tremendo um pouco, mas não sei se era de nervoso ou se tava tentando ser convencente. Toda mulher acha que vai me pegar com essas frescuras.Levantei uma sobrancelha, olhei pros caras em volta e dei a permissão com um gesto seco. Ninguém ia mexer com a conversa dela e eu. Era o meu momento.Ela veio mais p
FalcãoAquela garota não sabia com quem estava lidando. Pensou que ia me enganar com essa história de gravidez? Me poupe. Eu não sou qualquer otário que cai em golpe de barriga. Ela queria me fazer de palhaço, mas não ia rolar. Eu não ia assumir essa criança, não importa o que ela dissesse. Ela que se virasse.Ela ficou ali, parada, esperando uma reação minha. Eu a encarei com desdém, sem dar a mínima para o que ela estava tentando me convencer. Não ia cair nessa. Eu já vi esse filme antes, e o final sempre é o mesmo: a mulher tentando me manipular, achando que pode me controlar. Mas comigo não tem essa. Eu sou o Falcão, o dono do morro, e ninguém me engana. Ela tentou falar, mas eu a interrompi com um gesto brusco. — Não adianta, garota. Eu não vou cair nessa. Vai procurar outro otário para enganar. Eu não sou seu babaca. Ela tentou argumentar, mas eu não estava disposto a ouvir. Já estava cansado dessas tentativas de manipulação. Eu sabia o que ela queria, e não ia dar a ela o
Falcão Eu não acredito nisso. Como é que aquela vagabunda vem me dizendo que está grávida? Não tem a mínima condição de ser meu filho. Eu não sou um desses idiotas que se deixa manipular por mulher. Já conheço o jogo delas. E ela estava tentando, de todas as formas, fazer eu cair nesse papo de "grávida do Falcão" só pra virar fiel. Eu sabia muito bem o que ela queria, mas não seria eu quem cairia nessa.Aquela mina parecia tão confiante com o papo de gravidez, mas eu não ia cair. Fui direto ao ponto. Se esse filho for meu, ela vai morar comigo, nem que seja à força. E se não for? Eu ia deixar ela na rua, simples assim. Não tenho paciência pra esse tipo de mulher, que tenta jogar o golpe da barriga achando que vai me prender. Se não for meu, a história termina ali, e ela vai aprender a não mexer com Falcão.Eu fico observando a situação, esperando a reação dela, e a única coisa que passa pela minha cabeça é: se esse filho for meu, ela vai ter que se submeter às minhas regras. Não vai
LaraAssim que atravessei a porta de casa, senti o peso de tudo desabar sobre mim. Minhas pernas estavam bambas, a cabeça rodava, e a raiva misturada com mágoa ainda queimava no meu peito. Eu não conseguia acreditar na forma como Falcão me tratou. Frio, cruel e arrogante, como se eu fosse apenas mais uma qualquer tentando tirar proveito dele.Minha avó estava sentada no sofá, assistindo televisão, mas assim que me viu entrar daquele jeito, franziu a testa e abaixou o volume.- O que aconteceu, menina? - O tom dela era preocupado.Minha garganta secou. Eu precisava contar. Ela merecia saber a verdade. Respirei fundo e sentei ao lado dela.- Vó... eu preciso te contar uma coisa.Ela me olhou de cima a baixo, percebendo minha hesitação.- Fala logo, Lara. O que foi?Fechei os olhos por um segundo, tentando reunir forças.- Eu tô grávida.O silêncio na sala foi ensurdecedor. Minha avó me encarou, e, por um momento, achei que ela não tinha entendido. Mas então, ela suspirou fundo e passou
Nos dias seguintes, eu fiquei inquieta. O ódio de Falcão ainda queimava dentro de mim, mas eu também sentia um cansaço absurdo, como se toda aquela situação estivesse drenando minhas forças. Minha vó tentava me acalmar, mas eu sabia que ela estava preocupada.Eu queria resolver aquilo de uma vez. Fazer o teste de paternidade e esfregar na cara de Falcão que ele era o pai do meu filho. Mas, mais do que isso, eu queria seguir minha vida sem que ele tivesse qualquer influência nela.Na tarde seguinte, fui encontrar Ju, Lívia e Fê. Precisava desabafar. Elas me esperavam na praça, sentadas em um banco de concreto debaixo de uma árvore. Assim que me viram, Lívia foi a primeira a falar:— E aí? Como foi com a sua avó?Sentei ao lado dela, soltando um suspiro pesado.— Ela ficou assustada quando soube que era o Falcão. Disse que ele é perigoso e que eu não devia me envolver com ele de jeito nenhum.Lívia revirou os olhos.— Até sua avó sabe que esse cara não vale nada.— Mas pelo menos ela me