"Aprendi que adolescência é uma aventura divertida tanto quanto perigosa. Dela coletamos cicatrizes e marcamos o tempo com coisas que variam de boas à ruins, dependendo do nível de inconsequência que nos guia. Entretanto, dela aprendi que não existe sorte ou azar, destino ou acaso. São só desculpas que as pessoas inventam para fugir do verdadeiro motivo das coisas acontecerem: as escolhas.Quando se dá pulos no tempo, se tropeça em armadilhas por detrás de encantos da mocidade e por vezes se cai em desencantos devastadores, mas o destino sempre faz nascer maturidade das inconsequências."
Ler maisCheguei à casa exausta e confusa, fui para meu quarto rezando para que não fosse interceptada por ninguém. Aquela noite trazia promessas chuvosas e me deixava mais vulnerável ao choro, queria desabar completamente para nunca mais fazê-lo.Entrei no meu quarto e vi que minha mãe dormia na minha cama. Estava de barriga para cima e com as mãos cruzadas por cima do seu abdômen. Embora estivesse a ver que respirava, senti uma necessidade de acordá-la só para ter certeza que estava tudo bem.— Mãe! — entrei no quarto com passos de ballerina, oque não fazia o menor sentido. — Mãe!Deixei minha pasta de costas dentro do guarda-roupa e me virei para ver minha mãe abrir seus olhos como se fosse a primeira vez. Olhou para mim por um tempo e arrastou seu corpo até estar sentada.— Já voltei. — disse enquanto desabotuava minha camisa de uniforme.— Tudo bem? — sua voz saiu rouca, acompanhada de um bocejo.
— Quantos quilômetros quadrados tem essa casa? — Não sei dizer. — riu.— Quem está aqui? — perguntei passando pela sala e seguindo seus passos.— Ninguém. Minha mãe foi trabalhar, meu pai viajou e a empregada tem saído cedo, ultimamente.— Ah, estámos sozinhos. — tentei transmitir uma calma que estava à milhas de existir.— Vem, vamos conhecer meu quarto. — parou e estendeu sua mão para mim.— Você também não conhece? — ri e peguei na sua mão meio contrariada. — Espera, conhecer teu quarto?— Não é oque estás a pensar.— Não é oque está a pensar que eu estou a pensar. Você não queria que eu conhecesse teu quarto, porquê isso agora? Sem responder nada, Weben me puxou pelas escadas à cima e entramos no seu quarto. Não era tão grande quanto eu julguei que fosse, era bem pequeno e recheado de uma cama, cabec
— Olá, mais uma vez. — disse sem esperar que eu me sentasse no banco de passageiro.— Oi, oque quer falar comigo? — perguntei assim que me acomodei.— Não aqui. — olhou para mim como se tivesse falado algo tão óbvio.— Aonde, então?— Para onde quer ir?Ofereci meu olhar mais intenso. Buscava detectar qualquer vestígio de brincadeira em si, mas não havia, então decidi colocar o cinto de segurança e me pronunciar.— Eu, particularmente, estou com fome. — dito isso, me virei para a janela para esconder meu sorriso.— Podemos ir para minha casa?Me virei bruscamente e o homem me olhava.— Eu tenho que chegar cedo, então não. — Pedi permissão a tua mãe para te levar para sair e depois para casa.— O que? Com que permissão você pediu permissão para minha mãe? Não, espera...você pediu permis
Passaram-se dias que iam na mesma lentidão com a qual minhas feridas sarravam. Não me importava mais com o passado, mas sim com o futuro. Me cansei tanto de lembrar e reviver, que tinha decidido brincar de adivinhas com o tempo. Cada dia era um dia, me encolhia no embalo do acontecer e me permitia crescer e cicatrizar, por mais que várias coisas tivessem mudado.Quase no fim da manhã, olhava para meu reflexo banhado de desânimo. Era oque mais via no meu reflexo, todas as noites e todos os dias.Minha expressão estava indecisa, não sabia se ficava empolgada ou irritada por ter que voltar para escola. Minha calcinha cobria minha indecência, o resto era exposto como se já não me coubesse nem interessasse esconder. Alguns raios solares aqueciam-me a pele de forma fraca, parecia que choviam grãos de poeira, tendo os raios como holofotes para seu espetáculo slow. Estava tudo em câmera lenta, que parecia a forma mais sensata que Deus arranjou para t
Passei a ter uma nova definição de fim do mundo: eu, Weben, meus pais e sua mãe na mesma sala, prestes a resolver um assunto que, sinceramente, teve o desfecho que teve e devia ser o suficiente.Minha casa deixou de me parecer o lugar mais seguro, principalmente quando meu pai estava nela. Foi assim por três dias e algumas horas até sábado à tarde. Naquele momento, eu estava de frente para todos, sob o olhar extremamente zangado de meu pai, com o corpo tenso e lágrimas traçando trilhos gordos pelo rosto. Meu olhar ia de meu pai ao chão quando todo o funcionamento do meu corpo era baseado no medo que passei a sentir, pois o homem na minha frente era exactamente o oposto do que esperava quando estava no hospital.Parecia que o diabo fazia piruetas pela sala enquanto atirava flocos de tensão para o ar, talvez fosse por isso que ele pesava tanto.Meu pai gritava como nunca gritou comigo. Não quis prestar atenção no que dizi
- Posso falar contigo? - Weben decidiu finalmente quebrar o silêncio.Me observou arrumar minhas coisas durante muito tempo e não falou nada. Não que fosse necessário-se bem que não me apetecia conversar, naquele momento-,mas seu silêncio começava a me incomodar.- Pode. - me virei de frente para ele sem deixar de dobrar as poucas peças de roupa que tinha.- Posso te perguntar algo?- Pode. - assenti e deixei de fazer oque fazia para cruzar os braços.- Você queria ter aquele bebé? Não quero soar irritante, só quero saber.Olhei para seus olhos que transmitiam sinceridade e me aproximei lentamente da maca na qual me sentei e respirei fundo antes de falar.- Sinceramente? - assentiu e parou de frente para mim- Sim e não.- Porquê?- Porque eu tinha começado a gostar de gestar, posso dizer que já senti oque é quere
Entrei na sala da Dra. com passos difíceis de dar. Estava frio, não...continuava frio, só que, daquela vez, o frio não era só da alma. O que era para ser "horas até amanhecer", segundo a Dra., virou dias. Me enrolaram por quase uma semana com a desculpa de eu precisar me recuperar. Minha mãe me acompanhava inquieta e aparentemente exausta. Ao seu lado, varri meu olhar exausto pela sala e a única coisa que me satisfez foi uma bandeja plástica que estava recheada por coisas que eu desejei comer por horas.— Bom dia! — soltei motivada pelo cansaço que toda aquela situação me fazia sentie.— Bom di, Evie! — respondeu a Dra. antes de respirar fundo e se endireitar em sua cadeira. — Podem se sentar. — tirou os óculos e acariciou uma de suas têmporas.Não esperei pelo segundo convite e me sentei de frente para a bandeja. Me doía o estômago por tanta fome e tanto medo, tudo junto e em excesso.— Como desc
O teto branco era a única coisa para a qual eu sentia vontade de olhar. Ignorava a fome que sentia como se nada fosse e passava meus dentes pela camada seca que cobria meu lábio inferior. Não me importava em mover qualquer que fosse o músculo do meu corpo, pois passei a me sentir morta.O medidor de tensão fazia o fundo para a minha expressão de sentimentos: o puro e mais denso dos silêncios.Ouvi a porta ser aberta e não me preocupei em saber quem era, apenas engoli um gole azedo e adesivo de saliva quando meu pai limpou sua garganta.— Boa noite, como estás? — me virei e encarei o dono da voz, já com lágrimas nos olhos.Abri a boca e fechei várias vezes, não sabia onde achar coragem para ter aquela conversa com meu pai. Sabia que ele estava decepcionado comigo, mas também sabia que ele estava igualmente preocupado.— Estou péssima. — puxei o ar como se minha fala fosse recarregada pelo ato e direcionei meu olhar enverg
Fui ganhando a consciência na mesma lentidão com a qual respirava. Me custava abrir os olhos e um distante conflito vocal soava, antes mesmo que pudesse abrir os olhos, uma pontada no estômago se fez sentir de leve e foi acompanhada por uma dor intensa no mesmíssimo lugar de antes.Eu alternava a atenção da dor ao misto de vozes no lugar que não exigiu muito para além de minha visão para perceber que estavamos no carro da minha mãe.— Com quanto tempo ela está? — não soube identificar de quem era a voz.— Isso não importa, agora. O sangue não para de sair e a única coisa que me preocupa é a saúde da minha filha e do seu bebé. — minha mãe me acariciava a cabeça enquanto pressionava uma toalha contra minha testa.Parecia exausta e preocupada ao mesmo tempo, seus gestos eram desesperados como se me quisesse livrar da dor com oque fazia. A dor era imensa que me impossibilitava de abrir os olhos como devia, as pontas dos meus dedos