O quarto estava mergulhado em penumbra, iluminado apenas pela luz fraca de um lampião esquecido em um canto. O cheiro amadeirado do álcool misturava-se ao perfume doce da pele de Cecília, um lembrete torturante do que ele acabara de fazer. Max estava deitado ao lado dela, o corpo ainda quente, mas a mente já tomada por uma maré sufocante de culpa. Você é um desgraçado, Max. Um libertino sem honra. Ele fechou os olhos com força, tentando apagar a imagem dela — os lábios entreabertos, o corpo tremendo sob o dele, a inocência que ele tomou sem hesitar. Cecília não pertencia àquele lugar. Não pertencia a ele. E, ainda assim, ele a quis. A cada toque, a cada gemido entrecortado, ela se entregou como se fosse feita para ele. Como se, por um breve instante, o mundo lá fora não existisse. Mas agora, na quietude cruel que veio depois, tudo o que restava era a consciência pesada e amarga. A jovem ao seu lado, com os cabelos escuros espalhados como um véu no travesseiro áspero, par
Cecília entrou na mansão com passos hesitantes, sentindo o coração bater dolorosamente contra o peito. O peso do silêncio na casa, normalmente acolhedor, agora parecia sufocante. A cada passo pelo piso de mármore, a lembrança do toque de Max ainda queimava em sua pele. Ela sentia os lábios inchados, os músculos doloridos por sensações que nunca experimentara antes – sensações que ainda a consumiam, mesmo quando sabia que não deveria. A barra do vestido arrastava-se pelo chão enquanto ela subia as escadas em direção aos corredores privados, mas, ao passar pela entrada da cozinha, uma luz tênue e o som distante de panelas a fizeram parar. Um soluço contido escapou de seus lábios. O desespero que vinha lutando para reprimir transbordou em ondas que ela não conseguia mais controlar. — Senhorita Cecília? — A voz firme, mas gentil, de dona Ivone, a cozinheira-chefe, ecoou no ambiente silencioso. Cecília hesitou, tentando engolir as lágrimas, mas seus ombros tremiam. Quando a mulher de
A garrafa de uísque já passava da metade, o líquido âmbar queimando sua garganta enquanto Max afundava no sofá de couro escuro do apartamento que alugara na capital. A penumbra da sala parecia sufocante, mas não mais do que os pensamentos que giravam em sua cabeça, em um turbilhão que não o deixava em paz. Os bilhetes anônimos continuavam a chegar – sempre curtos, sempre enigmáticos. O último, encontrado sob a porta naquela manhã, parecia um aviso sombrio: "Os pecados cobram seu preço. Cuidado com o que deseja." Ele bufou, levando a garrafa à boca mais uma vez. Que preço maior poderia pagar do que a culpa que já corroía cada centímetro de seu ser? Por Deus, ele transara com Cecília. A doce, inocente e proibida Cecília. Fechou os olhos, mas em vez de escuridão, tudo o que viu foi o brilho dourado dos cabelos dela espalhados sobre seus lençóis amarrotados. Sentiu de novo o gosto de sua pele, o calor apertado de seu corpo envolvendo o dele. Ela ainda estava em sua pele, em sua bo
Os Monteiro de Alcântara não eram apenas uma família — eram uma instituição. Dos salões elegantes do Rio de Janeiro aos campos dourados das fazendas de café no Vale do Paraíba, o nome Monteiro de Alcântara inspirava respeito, temor e, em muitos casos, inveja. Donos de vastas terras, aliados a políticos influentes e com raízes profundas no ciclo do café, a fortuna da família não era apenas antiga — era quase indestrutível. Joaquim Monteiro de Alcântara, o patriarca, fizera questão de reforçar isso em cada aspecto de sua vida. Rígido, inabalável e com uma visão clara do dever, ele carregava nas costas o peso do nome que herdara e que, um dia, passaria para seu primogênito. Não havia espaço para fraquezas, e certamente não havia espaço para escândalos. Era por isso que, naquela tarde abafada de janeiro, a Fazenda Boa Esperança estava em alvoroço. O salão principal, com suas paredes adornadas por tapeçarias europeias, ecoava com o som abafado de criados em movimento, preparando-se p
O calor da tarde pairava sobre a Fazenda Boa Esperança, denso e preguiçoso. Mesmo com as amplas janelas abertas, o ar morno se espalhava pelos corredores de mármore polido. Do lado de fora, os campos de café ondulavam sob o sol dourado, estendendo-se até onde os olhos alcançavam — um lembrete constante da riqueza dos Monteiro de Alcântara. No entanto, dentro da casa grande, nem mesmo a grandiosidade das tapeçarias importava para Cecília naquele momento. Sentada à penteadeira do quarto, ela encarava seu próprio reflexo, o coração batendo mais rápido do que deveria. As criadas trabalhavam a seu redor, ajeitando os últimos detalhes do penteado e do vestido de linho em um delicado tom de lavanda. Por fora, tudo parecia perfeito — mas dentro dela, uma inquietação crescia. Hoje, ela conheceria o homem que, segundo a vontade do pai, seria seu marido. "Eduardo Vieira de Sá." O nome ecoava em sua mente como um destino já traçado. — Está linda, senhorita Cecília — elogiou uma das cria
Maximiliano Vieira de Sá não acreditava em coincidências. Mas ali estava ele, recostado preguiçosamente contra a parede do salão principal da Fazenda Boa Esperança, observando a jovem que, minutos antes, quase desabara em seus braços — a mesma jovem que, agora, sorria delicadamente para seu irmão mais novo. Cecília. Ah, bela Cecília! O nome combinava perfeitamente com ela: suave, inocente… e irritantemente tentadora. Max deslizou a língua pelo canto da boca, ainda sentindo um vestígio do perfume floral que a envolvera quando seus corpos se tocaram. Jasmim, talvez. Ou algo ainda mais doce. O suficiente para provocar um homem acostumado a prazeres mais carnais — e nada inocentes. O decote do vestido lilás subia e descia sutilmente enquanto ela respirava, e ele não pôde deixar de notar a curva generosa dos seios empinados. Pequena, mas perfeitamente moldada. Feita para ser tocada. E, céus, ele tinha tocado. — O que está pensando, Max? — A voz de Eduardo interrompeu seu deva
O sol quente e intenso espalhava em tons dourados sobre a Fazenda Boa Esperança, iluminando os vastos cafezais que se estendiam até onde a vista alcançava. Cecília caminhava lentamente pelo jardim, com o braço delicadamente entrelaçado ao de Eduardo Vieira de Sá. Era um momento cuidadosamente arquitetado por sua mãe, Constança, que acreditava que a proximidade traria um laço mais firme entre eles. E Cecília, como a boa filha que sempre fora, estava disposta a tentar. — A fazenda de sua família é realmente impressionante — comentou Eduardo, sua voz firme e controlada. — Meu pai sempre falava com admiração do seu patriarca. Cecília sorriu de maneira polida. Eduardo era um homem atraente, com traços bem definidos e modos irrepreensíveis. Havia algo reconfortante em sua presença, uma estabilidade que qualquer jovem em idade de casamento deveria desejar. — Meu pai é um homem de princípios — disse ela, ajustando a saia do vestido azul-claro, cujos detalhes delicados ressaltavam sua fe
— Espero que esteja confortável entre nós, senhor Eduardo Vieira de Sá — a voz de Constança rompeu o breve momento de tensão, com a doçura calculada que usava ao avaliar qualquer possível aliado. — Mais do que confortável, senhora — Eduardo respondeu com cortesia impecável. — É uma honra partilhar a mesa com uma família de tamanha importância para nossa província. Vicente assentiu em aprovação. O primogênito Monteiro de Alcântara raramente sorria, mas parecia satisfeito com a resposta. — A importância vem do trabalho árduo — disse ele, ajustando a manga do paletó. — Meu pai sempre defendeu que os verdadeiros pilares de uma nação são a ordem e o dever. — Mais um discurso sobre ordem e progresso — murmurou Álvaro, o tom preguiçoso carregado de deboche. — Quem diria que o Império caiu há mais de uma década e ainda estamos discutindo isso. Vicente lançou-lhe um olhar duro. — Apenas aqueles que não se importam com o futuro da nação ignoram os rumos da República, irmão. — E aq