O sol quente e intenso espalhava seus tons dourados sobre a Fazenda Boa Esperança, iluminando os vastos cafezais que se estendiam até onde a vista alcançava. Cecília caminhava lentamente pelo jardim, com o braço delicadamente entrelaçado ao de Eduardo Vieira de Sá. Era um momento cuidadosamente arquitetado por sua mãe, Constança, que acreditava que a proximidade traria um laço mais firme entre eles. E Cecília, como a boa filha que sempre fora, estava disposta a tentar.
— A fazenda de sua família é realmente impressionante — comentou Eduardo, sua voz firme e controlada. — Meu pai sempre falou com admiração do seu patriarca. Cecília sorriu de maneira polida. Eduardo era um homem atraente, com traços bem definidos e modos irrepreensíveis. Havia algo reconfortante em sua presença, uma estabilidade que qualquer jovem em idade de casamento deveria desejar. — Meu pai é um homem de princípios — disse ela, ajustando a saia do vestido, cujos detalhes delicados ressaltavam sua feminilidade. — Tenho certeza de que ele aprecia o respeito de sua família. Eles pararam próximo a um caramanchão coberto de trepadeiras floridas, e Eduardo, sempre atento, afastou um galho que ameaçava tocar o rosto dela. Um gesto simples, mas educado. Impecável. Perfeito demais, pensou Cecília, sem entender por que algo dentro dela desejava um pouco mais de imperfeição. — E você, Cecília? — perguntou ele, voltando a fitá-la com um olhar tranquilo. — O que espera do futuro? A pergunta a surpreendeu. Homens como Eduardo raramente se preocupavam com os sonhos femininos além do casamento e da família. — Espero… ser uma boa esposa e honrar minha família — respondeu ela, quase automaticamente, mas o modo como Eduardo a olhou a fez hesitar. — E talvez… viajar. Sempre quis conhecer Paris. O canto da boca dele se curvou em um sorriso leve. — Paris, hein? Minha mãe vivia dizendo que as vitrines de lá são um espetáculo à parte. Tenho certeza de que, um dia, você as verá com seus próprios olhos. O tom gentil dele a confortava. Cecília tentou imaginar uma vida ao lado de Eduardo: tranquila, respeitável, sem sobressaltos. Era tudo o que se esperava dela. — E você? — arriscou, buscando conhecê-lo melhor. — É um homem tão correto… nunca se permitiu um deslize? Ele soltou uma risada discreta. — Ah, Cecília… cada família tem sua ovelha negra. Eu, definitivamente, não sou a nossa. A menção não intencional fez o pensamento dela voar, sem permissão, para Max. Aquele cujos olhos a despiram em um breve instante no salão de visitas. Eduardo continuou a falar sobre suas ambições — expandir os negócios da família, consolidar alianças políticas —, mas Cecília se pegou distraída, seu coração batendo em um ritmo irregular enquanto tentava afastar o pensamento do outro irmão Vieira de Sá. *** A mesa de jantar da Fazenda Boa Esperança era um espetáculo à parte. A prataria reluzia sob a luz natural, refletida pelas janelas amplas. Os criados circulavam silenciosamente, servindo pratos generosos. Constança presidia o almoço com sua graça habitual, enquanto Joaquim, o patriarca, discutia acaloradamente com Eduardo sobre a situação do Brasil após a Proclamação da República. — Esse governo provisório não passa de um caos organizado — Joaquim bradou, batendo o punho na mesa. — Um bando de militares pensando que podem governar como se estivessem em campo de batalha. — Ainda assim, o Império estava fadado ao colapso, senhor Monteiro de Alcântara — rebateu Eduardo com diplomacia. — O progresso exige mudanças, mesmo que causem desconforto. Max, reclinado de forma displicente na cadeira, revirou os olhos com tédio. — Fascinante — murmurou. — Nada mais estimulante para um almoço do que debater o destino da pátria. Cecília sentiu o olhar dele pousar nela. Seu coração tropeçou em um batimento. Ele estava do outro lado da mesa, mas ainda assim parecia próximo demais. — Há algo mais interessante em que prefere pensar, senhor Vieira de Sá? — perguntou Amélia, sempre afiada. Max sorriu, preguiçoso e desafiador. — Certamente. O olhar dele pousou de novo em Cecília, demorando um pouco mais em sua clavícula exposta. Ela baixou os olhos para o prato, as bochechas corando. — Ora, senhor Vieira de Sá — interveio Joaquim, já impaciente. — Tente ao menos disfarçar seu desinteresse por questões que afetam a todos nós. — Eu prefiro assuntos mais… pessoais — respondeu Max, em tom velado, que só Cecília pareceu captar. — Espero que esteja confortável entre nós, senhor Eduardo Vieira de Sá — disse Constança, retomando o controle da conversa com elegância. — Mais do que confortável, senhora — respondeu ele com cortesia. — É uma honra partilhar a mesa com uma família de tamanha importância para nossa província. Vicente assentiu em aprovação. O primogênito Monteiro de Alcântara raramente sorria, mas parecia satisfeito. — A importância vem do trabalho árduo — disse ele. — Meu pai sempre defendeu que os verdadeiros pilares de uma nação são a ordem e o dever. — Mais um discurso sobre ordem e progresso — murmurou Max, com sarcasmo. — Quem diria que o Império caiu a alguns anos e ainda estamos discutindo isso. Vicente lançou-lhe um olhar duro. — Apenas aqueles que não se importam com o futuro da nação ignoram os rumos da República, Max. — E aqueles que se importam demais esquecem de viver o presente — retrucou Max, girando o vinho com indolência. — Mas, por favor, prossiga. Estou morrendo aos poucos durante a conversa. Cecília abafou um sorriso, embora tentasse manter o foco em Eduardo, que parecia alheio à disputa velada. — O futuro da nação não depende apenas de palavras bonitas — Vicente insistiu. — As decisões políticas em curso vão moldar as próximas décadas. — E como os Vieira de Sá veem essa nova República? — perguntou Constança. — Meu pai acreditava que as elites têm o dever de conduzir o Brasil a tempos mais estáveis — disse Eduardo. — Penso igual. Não há espaço para desordem ou sentimentalismos. — Sentimentalismo é perigoso, de fato — interveio Max. — Leva a decisões impulsivas, não acha, Cecília? O nome dela em sua boca soou íntimo. Cecília quase derramou o vinho ao sentir os olhares sobre si. — Eu… não sei o que pensar — disse ela. — Mas imagino que um pouco de sentimento seja necessário em qualquer aspecto da vida. — Muito sensato — Eduardo elogiou, sorrindo gentilmente, alheio ao jogo do irmão. Max não recuou. — Às vezes, um toque de imprudência torna a vida… mais interessante. A tensão pairou no ar, até que Vicente cortou a carne com precisão. — Se depender de você e Max, a República cairá antes de se firmar — disse ele, seco. — E se depender de você, viveremos em um quartel — retrucou Max. — O Brasil não pode ser conduzido com frivolidades — Vicente rebateu. — Mas compreendo que a responsabilidade nunca foi sua preocupação. Max se recostou na cadeira. — Alguém precisa trazer leveza a este mundo cinzento que você tanto aprecia, senhor Monteiro de Alcântara. — Leveza ou devassidão? — Vicente retrucou. — Depende de quem pergunta — Max respondeu, olhando para Cecília com um brilho provocador. Ela corou. Eduardo, para seu alívio, parecia alheio. — E você, Cecília? — perguntou Eduardo, retomando o tom leve. — Gosta do estilo de vida agitado ou da calmaria? — Nunca conheci nada além da Fazenda Boa Esperança — respondeu. — Mas acredito que há um certo charme no desconhecido. Max arqueou uma sobrancelha, divertido. — O desconhecido sempre reserva surpresas. — Cecília sempre teve o bom senso de saber o que esperar do futuro — interveio Constança. — Um lar sólido exige disciplina e respeito. Não aventuras passageiras. Max ergueu a taça em um brinde silencioso, com um sorriso zombeteiro. — Naturalmente, mãe — disse Helena. — É por isso que Eduardo parece o pretendente perfeito. — Sem dúvida — reforçou Vicente, em tom definitivo. Max nada disse, mas seus olhos continuaram procurando os de Cecília até o fim do almoço. Enquanto os outros seguiam discutindo política, ela tentava convencer a si mesma de que Eduardo era a escolha certa. Seguro. Respeitável. Tudo o que uma jovem em sua posição deveria desejar.Após o longo e cerimonioso almoço, a família Monteiro de Alcântara se reuniu no pátio coberto para a despedida dos irmãos Vieira de Sá. Sorrisos cordiais e despedidas educadas mascaravam a tensão no ar — ao menos para Cecília. Ela apertava as mãos uma contra a outra, tentando manter a compostura diante da presença dos dois irmãos, mas seu olhar insistia em recair sobre o mais novo. — Foi um prazer recebê-los — disse Constança, com elegância e aquele olhar clínico que analisava cada detalhe. Seus olhos pousaram demoradamente em Eduardo, aprovando sua postura irrepreensível. — Esperamos vê-los novamente em breve. — O prazer foi nosso, senhora Monteiro de Alcântara — respondeu Eduardo, com uma leve curvatura de cabeça, a voz firme, respeitosa. Ao lado dele, Maximiliano permaneceu em silêncio, o corpo relaxado e a expressão divertida. Seus olhos, no entanto, procuravam discretamente por Cecília. Era quase imperceptível, não fosse o fato de ela sentir cada olhar como um toque não autoriz
Os dias que se seguiram à visita dos Vieira de Sá trouxeram a Cecília Monteiro de Alcântara uma inquietação difícil de silenciar. Embora tentasse dedicar-se às obrigações domésticas e aos preparativos para o noivado, sua mente voltava sempre àquele encontro — e, sobretudo, aos dois irmãos que haviam cruzado seu caminho de forma tão distinta. Eduardo era, sem dúvida, o noivo ideal. Educado, gentil, passou a enviar-lhe cartas formais, com palavras escolhidas com cuidado. Cecília respondia com igual cortesia, ainda que percebesse nelas uma ausência sutil — como se tudo fosse correto demais, previsível demais. Maximiliano, em contraste, lhe despertava sentimentos que preferia não nomear. Havia nele algo indomável, quase impróprio. Pensar em seu sorriso arrogante era um pecado silencioso que a acompanhava mesmo nas missas de domingo. E havia a flor. Simples, colhida sabe-se lá onde, entregue com um sorriso travesso e sem explicações durante a breve despedida. Cecília guardara-a entre as
A luz dourada do entardecer tingia as ruas com um brilho decadente, como se a cidade inteira ardesse em desejo. Para Max, era apenas o prenúncio de mais uma noite de excessos. E ele pretendia se perder nela até o último gole, até o último corpo, até o último pecado. No salão reservado do Clube do Progresso — um templo do luxo exclusivo para homens poderosos — o tilintar de taças e as risadas roucas criavam uma sinfonia de decadência. O cheiro de tabaco cubano, conhaque envelhecido e promessas ilícitas pairava no ar como uma cortina invisível de permissividade. Era um ambiente feito sob medida para homens como Max. Ele estava recostado em uma poltrona de couro, com as pernas relaxadas, o olhar afiado percorrendo o salão como um predador entediado. Seus cabelos castanhos estavam levemente desalinhados, o maxilar coberto por uma barba por fazer, e os olhos, escuros como pecado, brilhavam com uma confiança perigosa. Max era o tipo de homem que exalava charme sem precisar tentar — e ele s
O relógio da imponente residência dos Vieira de Sá já marcava mais de duas horas da madrugada quando Max atravessou a porta principal, arrastando os passos preguiçosos pelo saguão silencioso. O cheiro amadeirado do charuto ainda pairava em suas roupas, misturado ao aroma doce de perfume feminino. A gravata estava frouxa, o colarinho aberto, e o cabelo negro desgrenhado, como se mãos delicadas tivessem acabado de se perder nele. Ele cambaleou ligeiramente ao subir os primeiros degraus da escadaria, murmurando para si mesmo um palavrão baixinho quando o mundo girou por um instante. Mas não estava tão embriagado assim. Apenas o suficiente para não se importar com o fato de que, mais uma vez, voltava para casa sozinho. — Finalmente — a voz firme de Eduardo o deteve antes que alcançasse seu quarto. Max ergueu os olhos, piscando ao vê-lo sentado em uma poltrona no corredor, os cotovelos apoiados nos joelhos e um olhar severo no rosto sempre impecável. — Ora, ora… Ficou com saudades,
A casa-grande pulsava com uma energia rara, como se pressentisse um acontecimento fora do comum. Criados iam e vinham em um ritmo quase coreografado, ajeitando arranjos florais, polindo talheres e finalizando a preparação de um jantar que exalava riqueza. O ar era tomado por aromas sedutores — carne assada, frutas frescas, pão recém-saído do forno — tudo misturado ao perfume doce das flores de laranjeira, recém-colhidas para enfeitar os salões. Cecília observava o movimento do alto da escadaria, com um aperto no estômago que insistia em não passar. O vestido azul celeste que usava, escolhido pela mãe, realçava sua figura esguia e o tom de sua pele clara, mas ela se sentia como uma boneca vestida para encenação. Havia algo naquele dia — algo que não sabia nomear — que lhe dava a sensação de que sua vida estava prestes a mudar. — Parece que vão receber o imperador e eu não fui avisada — murmurou, ajeitando uma mecha solta atrás da orelha. Helena e Amélia sumiram no meio dos preparativ
A copa estava mais fresca do que o salão principal, com o aroma doce de canela e baunilha pairando no ar. A luz das lamparinas era mais suave ali, lançando sombras quentes nas prateleiras repletas de louças e potes de compotas caseiras. Cecília inspirou fundo, tentando acalmar os nervos enquanto Dona Ivone organizava pratos para a sobremesa. A cozinheira-chefe, uma mulher robusta e de feições gentis, observou-a de soslaio antes de se aproximar. — Menina, você está mais pálida do que um fantasma — murmurou em tom baixo, pegando a sua mão com delicadeza. — O que foi? Cecília hesitou. Não sabia como colocar em palavras aquele tumulto de emoções. A presença de Max a desestabilizava de um jeito que ela não queria — não podia — admitir. — Estou bem — mentiu, desviando o olhar para o avental imaculado de Dona Ivone. — Apenas cansada. — Ah, não me engana, Cecília. Conheço você desde que usava laços no cabelo. Tem algo lhe incomodando, e não é só cansaço. O calor subiu ao seu rosto.
A noite avançava, e a música suave de um quarteto de cordas preenchia o ar, enquanto casais deslizavam pela pista de dança improvisada. O vinho continuava a ser servido, afrouxando a rigidez habitual dos Monteiro de Alcântara e a formalidade calculada dos Vieira de Sá. Cecília permanecia ao lado de Eduardo, recebendo cumprimentos e elogios pela união iminente. Sorria, agradecia, mantinha a postura irrepreensível que lhe haviam ensinado desde menina – mas, por dentro, estava em chamas. Cada vez que olhava para Max, a tensão em seu corpo aumentava como um fio prestes a se partir. — Está se divertindo? — Eduardo perguntou, puxando-a para a pista de dança assim que os músicos começaram uma valsa mais lenta. — Sim — ela mentiu, permitindo que ele a guiasse. Eduardo dançava com precisão. Seus passos eram calculados, impecáveis, exatamente como a vida que planejava ao lado dela. Cecília tentou se concentrar no rosto dele – nas linhas simétricas, na segurança tranquila que oferecia –, mas
A boca de Max continuava explorando a dela com um desespero contido, como se ele estivesse tentando provar um ponto – ou talvez apenas se perder nela. As mãos dele deslizavam por suas costas, pressionando-a ainda mais contra seu corpo quente e sólido, e Cecília sentiu o mundo girar ao redor deles. — Você não deveria… — Ela tentou protestar entre os beijos, mas sua própria voz soava fraca, quase um gemido. — Eu nunca faço o que deveria, bela Cecília — Max respondeu contra seus lábios, o tom rouco e carregado de desejo. Os dedos dele subiram lentamente pelo corpete delicado de seu vestido, traçando um caminho torturante pela curva de sua cintura até a linha de suas costelas. O toque era firme, possessivo – e, ainda assim, parecia que ele estava se segurando para não ir além. Cecília estava em chamas. Cada parte de seu corpo parecia viva sob o toque dele, e a forma como Max a beijava – profunda, intensa, como se não houvesse mais nada no mundo – a fazia esquecer do noivado, das ob