03. Laços e tensões

O sol quente e intenso espalhava seus tons dourados sobre a Fazenda Boa Esperança, iluminando os vastos cafezais que se estendiam até onde a vista alcançava. Cecília caminhava lentamente pelo jardim, com o braço delicadamente entrelaçado ao de Eduardo Vieira de Sá. Era um momento cuidadosamente arquitetado por sua mãe, Constança, que acreditava que a proximidade traria um laço mais firme entre eles. E Cecília, como a boa filha que sempre fora, estava disposta a tentar.

— A fazenda de sua família é realmente impressionante — comentou Eduardo, sua voz firme e controlada. — Meu pai sempre falou com admiração do seu patriarca.

Cecília sorriu de maneira polida. Eduardo era um homem atraente, com traços bem definidos e modos irrepreensíveis. Havia algo reconfortante em sua presença, uma estabilidade que qualquer jovem em idade de casamento deveria desejar.

— Meu pai é um homem de princípios — disse ela, ajustando a saia do vestido, cujos detalhes delicados ressaltavam sua feminilidade. — Tenho certeza de que ele aprecia o respeito de sua família.

Eles pararam próximo a um caramanchão coberto de trepadeiras floridas, e Eduardo, sempre atento, afastou um galho que ameaçava tocar o rosto dela. Um gesto simples, mas educado. Impecável. Perfeito demais, pensou Cecília, sem entender por que algo dentro dela desejava um pouco mais de imperfeição.

— E você, Cecília? — perguntou ele, voltando a fitá-la com um olhar tranquilo. — O que espera do futuro?

A pergunta a surpreendeu. Homens como Eduardo raramente se preocupavam com os sonhos femininos além do casamento e da família.

— Espero… ser uma boa esposa e honrar minha família — respondeu ela, quase automaticamente, mas o modo como Eduardo a olhou a fez hesitar. — E talvez… viajar. Sempre quis conhecer Paris.

O canto da boca dele se curvou em um sorriso leve.

— Paris, hein? Minha mãe vivia dizendo que as vitrines de lá são um espetáculo à parte. Tenho certeza de que, um dia, você as verá com seus próprios olhos.

O tom gentil dele a confortava. Cecília tentou imaginar uma vida ao lado de Eduardo: tranquila, respeitável, sem sobressaltos. Era tudo o que se esperava dela.

— E você? — arriscou, buscando conhecê-lo melhor. — É um homem tão correto… nunca se permitiu um deslize?

Ele soltou uma risada discreta.

— Ah, Cecília… cada família tem sua ovelha negra. Eu, definitivamente, não sou a nossa.

A menção não intencional fez o pensamento dela voar, sem permissão, para Max. Aquele cujos olhos a despiram em um breve instante no salão de visitas.

Eduardo continuou a falar sobre suas ambições — expandir os negócios da família, consolidar alianças políticas —, mas Cecília se pegou distraída, seu coração batendo em um ritmo irregular enquanto tentava afastar o pensamento do outro irmão Vieira de Sá.

***

A mesa de jantar da Fazenda Boa Esperança era um espetáculo à parte. A prataria reluzia sob a luz natural, refletida pelas janelas amplas. Os criados circulavam silenciosamente, servindo pratos generosos.

Constança presidia o almoço com sua graça habitual, enquanto Joaquim, o patriarca, discutia acaloradamente com Eduardo sobre a situação do Brasil após a Proclamação da República.

— Esse governo provisório não passa de um caos organizado — Joaquim bradou, batendo o punho na mesa. — Um bando de militares pensando que podem governar como se estivessem em campo de batalha.

— Ainda assim, o Império estava fadado ao colapso, senhor Monteiro de Alcântara — rebateu Eduardo com diplomacia. — O progresso exige mudanças, mesmo que causem desconforto.

Max, reclinado de forma displicente na cadeira, revirou os olhos com tédio.

— Fascinante — murmurou. — Nada mais estimulante para um almoço do que debater o destino da pátria.

Cecília sentiu o olhar dele pousar nela. Seu coração tropeçou em um batimento. Ele estava do outro lado da mesa, mas ainda assim parecia próximo demais.

— Há algo mais interessante em que prefere pensar, senhor Vieira de Sá? — perguntou Amélia, sempre afiada.

Max sorriu, preguiçoso e desafiador.

— Certamente.

O olhar dele pousou de novo em Cecília, demorando um pouco mais em sua clavícula exposta. Ela baixou os olhos para o prato, as bochechas corando.

— Ora, senhor Vieira de Sá — interveio Joaquim, já impaciente. — Tente ao menos disfarçar seu desinteresse por questões que afetam a todos nós.

— Eu prefiro assuntos mais… pessoais — respondeu Max, em tom velado, que só Cecília pareceu captar.

— Espero que esteja confortável entre nós, senhor Eduardo Vieira de Sá — disse Constança, retomando o controle da conversa com elegância.

— Mais do que confortável, senhora — respondeu ele com cortesia. — É uma honra partilhar a mesa com uma família de tamanha importância para nossa província.

Vicente assentiu em aprovação. O primogênito Monteiro de Alcântara raramente sorria, mas parecia satisfeito.

— A importância vem do trabalho árduo — disse ele. — Meu pai sempre defendeu que os verdadeiros pilares de uma nação são a ordem e o dever.

— Mais um discurso sobre ordem e progresso — murmurou Max, com sarcasmo. — Quem diria que o Império caiu a alguns anos e ainda estamos discutindo isso.

Vicente lançou-lhe um olhar duro.

— Apenas aqueles que não se importam com o futuro da nação ignoram os rumos da República, Max.

— E aqueles que se importam demais esquecem de viver o presente — retrucou Max, girando o vinho com indolência. — Mas, por favor, prossiga. Estou morrendo aos poucos durante a conversa.

Cecília abafou um sorriso, embora tentasse manter o foco em Eduardo, que parecia alheio à disputa velada.

— O futuro da nação não depende apenas de palavras bonitas — Vicente insistiu. — As decisões políticas em curso vão moldar as próximas décadas.

— E como os Vieira de Sá veem essa nova República? — perguntou Constança.

— Meu pai acreditava que as elites têm o dever de conduzir o Brasil a tempos mais estáveis — disse Eduardo. — Penso igual. Não há espaço para desordem ou sentimentalismos.

— Sentimentalismo é perigoso, de fato — interveio Max. — Leva a decisões impulsivas, não acha, Cecília?

O nome dela em sua boca soou íntimo. Cecília quase derramou o vinho ao sentir os olhares sobre si.

— Eu… não sei o que pensar — disse ela. — Mas imagino que um pouco de sentimento seja necessário em qualquer aspecto da vida.

— Muito sensato — Eduardo elogiou, sorrindo gentilmente, alheio ao jogo do irmão.

Max não recuou.

— Às vezes, um toque de imprudência torna a vida… mais interessante.

A tensão pairou no ar, até que Vicente cortou a carne com precisão.

— Se depender de você e Max, a República cairá antes de se firmar — disse ele, seco.

— E se depender de você, viveremos em um quartel — retrucou Max.

— O Brasil não pode ser conduzido com frivolidades — Vicente rebateu. — Mas compreendo que a responsabilidade nunca foi sua preocupação.

Max se recostou na cadeira.

— Alguém precisa trazer leveza a este mundo cinzento que você tanto aprecia, senhor Monteiro de Alcântara.

— Leveza ou devassidão? — Vicente retrucou.

— Depende de quem pergunta — Max respondeu, olhando para Cecília com um brilho provocador.

Ela corou. Eduardo, para seu alívio, parecia alheio.

— E você, Cecília? — perguntou Eduardo, retomando o tom leve. — Gosta do estilo de vida agitado ou da calmaria?

— Nunca conheci nada além da Fazenda Boa Esperança — respondeu. — Mas acredito que há um certo charme no desconhecido.

Max arqueou uma sobrancelha, divertido.

— O desconhecido sempre reserva surpresas.

— Cecília sempre teve o bom senso de saber o que esperar do futuro — interveio Constança. — Um lar sólido exige disciplina e respeito. Não aventuras passageiras.

Max ergueu a taça em um brinde silencioso, com um sorriso zombeteiro.

— Naturalmente, mãe — disse Helena. — É por isso que Eduardo parece o pretendente perfeito.

— Sem dúvida — reforçou Vicente, em tom definitivo.

Max nada disse, mas seus olhos continuaram procurando os de Cecília até o fim do almoço.

Enquanto os outros seguiam discutindo política, ela tentava convencer a si mesma de que Eduardo era a escolha certa.

Seguro. Respeitável. Tudo o que uma jovem em sua posição deveria desejar.

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