Após o longo e cerimonioso almoço, a família Monteiro de Alcântara reuniu-se no pátio coberto para se despedir dos irmãos Vieira de Sá. Era um momento formal, mas os sorrisos cordiais e os murmúrios educados não disfarçavam a tensão que pairava no ar – ao menos para Cecília.
— Foi um prazer recebê-los — disse Constança, com sua habitual elegância. Seus olhos escuros pousaram em Eduardo com aprovação. — Esperamos vê-los novamente em breve. — O prazer foi nosso, senhora Monteiro de Alcântara — Eduardo respondeu com um leve sorriso, inclinando-se em um gesto respeitoso. Maximiliano, ao lado do irmão, manteve-se em silêncio, mas seu olhar vagava sutilmente até Cecília, como se aguardasse uma última oportunidade de provocá-la. Cecília tentou ignorar o desconforto que lhe apertava o estômago. Desde o breve encontro no jardim, cada vez que cruzava os olhos com Max, sentia-se inquieta. É Eduardo quem importa, lembrou a si mesma. Vicente, sempre correto, dirigiu-se ao mais velho dos irmãos: — Espero que tenha encontrado nossa propriedade satisfatória, senhor Vieira de Sá. — Com certeza, senhor Monteiro de Alcântara. — Eduardo fez um aceno discreto. — Foi uma honra conhecer sua família. — Certamente. — Vicente estendeu a mão, firme e cordial. — Estou certo de que teremos muitas conversas produtivas no futuro. Atrás deles, Álvaro deu um meio sorriso preguiçoso, claramente entediado com a formalidade do momento, Cecília também notou que Max permanecia impassível, as mãos cruzadas atrás das costas em uma postura deliberadamente relaxada. Quando Eduardo voltou sua atenção para ela, Cecília sorriu com delicadeza, forçando-se a ignorar a presença do irmão mais novo. — Foi um prazer conhecê-la, senhorita Cecília. Um grande prazer! — ele disse, com um calor discreto no tom. — O prazer foi meu — respondeu, com uma leve inclinação de cabeça. — Espero que sua viagem de volta seja tranquila. — Creio que será — Eduardo respondeu, e por um instante, ela viu algo suave e genuíno em seu olhar. Era o suficiente, deveria ser o suficiente. Quando Max finalmente se despediu, seu sorriso ladeado por uma expressão que mesclava charme e desafio, Cecília sentiu o rosto aquecer. — Até breve, senhorita Monteiro de Alcântara — disse ele, as palavras escorrendo com aquela audácia fácil. — Tenho a sensação de que ainda nos veremos muitas vezes. Apenas quando os cavalos partiram, levando os irmãos Vieira de Sá para longe, Cecília soltou o ar que nem percebera estar prendendo. *** Na estrada para a Fazenda dos Vieira de Sá Maximiliano guiava seu cavalo com a habilidade despreocupada de alguém que nascera sobre uma sela, o corpo relaxado apesar do calor sufocante da tarde. A paisagem ao redor, com seus campos verdes e extensas plantações, passava quase despercebida enquanto sua mente se fixava em um único ponto: Cecília Monteiro de Alcântara. — Não vai dizer nada? — A voz de Eduardo quebrou o silêncio. Max arqueou uma sobrancelha, fingindo desinteresse. — Sobre o quê? — Sobre Cecília — respondeu Eduardo, sem desviar os olhos da trilha à frente. — Achei que você teria uma opinião. — Ah, então você quer a minha opinião. — Max riu baixinho, o som carregado de sarcasmo. — E o que exatamente deseja ouvir? Que ela é uma dama adorável, bem-educada e perfeitamente adequada para um homem de sua estatura? Eduardo lançou-lhe um olhar de advertência. — Não brinque com isso, Max. Estou falando sério. Max girou as rédeas do cavalo com leveza, seu sorriso diminuindo um pouco. — Tudo bem. — Suspirou, como se lhe custasse admitir. — Ela é bonita. Tem aquele tipo de delicadeza que agrada os homens que gostam de donzelas inocentes. — E você não gosta? — Eduardo perguntou, com uma nota de curiosidade na voz. Max se inclinou um pouco na sela, rindo com deboche. — Eu gosto de mulheres que sabem o que querem, irmão. E Cecília Monteiro de Alcântara… — Ele pausou, deixando as palavras pairarem no ar quente — …ela ainda não descobriu isso. Eduardo não respondeu imediatamente. O silêncio se estendeu entre eles por um momento, até que ele falou em um tom mais baixo: — Eu gosto dela. Max parou o cavalo abruptamente, virando-se para encarar o irmão mais velho. — Não me diga que já está apaixonado. — Claro que não — Eduardo rebateu, irritado. — Mas eu a considero adequada. Seria um bom casamento para nossas famílias. Max o observou por um instante, algo sombrio passando por seu olhar. Eduardo sempre fora o homem perfeito – o herdeiro ideal, o filho em quem seu pai depositava todas as expectativas. E, como sempre, Max era a sombra que ficava para trás. — Você quer a verdade? — perguntou, em um tom mais áspero do que pretendia. — Quero. — Então aqui está: Cecília merece mais do que uma aliança de conveniência. E, francamente, eu não acho que você seja capaz de dar a ela o que realmente precisa. Eduardo puxou as rédeas, seu rosto endurecendo. — E o que, segundo você, ela precisa? Max sorriu – um sorriso lento, preguiçoso e repleto de insinuações. — Alguém que a faça perder o fôlego. E, por Deus, ele sabia que poderia ser esse homem. Se não fosse pelo fato de que ela estava prometida ao seu irmão.Por um instante, o som dos cavalos avançando pela estrada de terra foi a única coisa que se ouviu. Eduardo manteve o rosto impassível, mas seus dedos apertaram as rédeas com um pouco mais de força antes de responder: — Eu acho que posso ser esse alguém. Creio que causei uma boa impressão. A convicção em sua voz fez Max erguer uma sobrancelha, surpreso e levemente divertido. — Ah, irmão… Sempre tão confiante. — Sua risada soou baixa e cheia de sarcasmo. — Talvez ela tenha ficado encantada com sua postura impecável e seu discurso sobre investimentos no Vale do Paraíba. — Não subestime minha capacidade de impressionar uma mulher, Max — Eduardo rebateu, a paciência se esgotando. — Nem todas são atraídas por fanfarrões sem rumo. Max inclinou a cabeça em uma falsa reverência. — Touche, meu querido irmão. Mas aqui vai um conselho: se quer conquistar uma mulher como Cecília, precisará de muito mais do que boas maneiras e conversas sobre política e administração. — E você se julg
Os dias que se seguiram à visita dos Vieira de Sá trouxeram consigo uma mistura inquietante de expectativa e reflexão para Cecília Monteiro de Alcântara. Embora tentasse concentrar-se em suas obrigações domésticas e nos preparativos para o futuro, sua mente frequentemente vagava para aquele encontro marcante — e, em especial, para os dois irmãos que, de maneiras tão distintas, haviam atravessado seu caminho. Eduardo era, sem dúvida, o noivo ideal aos olhos da sociedade. Seu comportamento era exemplar, e após seu primeiro encontro o nobre rapaz passara a lhe enviar correspondências. As suas cartas, embora formais, demonstravam um interesse genuíno em conhecê-la melhor. Cecília se esforçava para retribuir com palavras igualmente polidas e cuidadosas, ainda que, em seu íntimo, sentisse que algo lhe escapava — um certo calor, uma centelha que fizesse seu coração disparar. Maximiliano, por outro lado… Pensar nele era um exercício perigoso, e Cecília se censurava toda vez que a memóri
A manhã na Fazenda Boa Esperança dos Monteiro de Alcântara começava antes mesmo do sol alcançar o céu em tons dourados. O aroma do café recém-passado se espalhava pela casa, enquanto os empregados já se movimentavam pelos corredores de madeira escura, preparando o dia para a ilustre família. No salão principal, Cecília e suas irmãs compartilhavam o desjejum sob a supervisão atenta de Constança, que, como sempre, mantinha a postura ereta e o semblante sereno. Mesmo entre paredes cobertas por tapeçarias francesas e porcelanas importadas, a mãe fazia questão de lembrar a todas as filhas da importância de seu comportamento. — As mulheres de nossa posição devem ser exemplos de graça e discrição — dizia ela, mexendo delicadamente o chá com a colher de prata. — Lembrem-se disso. Sempre. — Claro, mamãe — Helena respondeu, com a voz polida, mas com os olhos baixos, escondendo o leve sorriso de quem já tinha seus próprios planos. Amélia, por outro lado, revirou os olhos de forma quase imper
A luz dourada do entardecer tingia as ruas da cidade com um brilho quente e decadente. Para Maximiliano Vieira de Sá, aquilo era apenas o prenúncio de mais uma noite de excessos – e ele pretendia aproveitá-la em todos os sentidos. No salão reservado do Clube do Progresso, um reduto exclusivo para homens ricos e poderosos, o som das risadas roucas se misturava ao tilintar de taças de cristal. O ambiente cheirava a tabaco caro, conhaque envelhecido e promessas ilícitas. Um lugar perfeito para um homem como Max. Recostado em uma poltrona de couro, ele observava a movimentação com aquele seu sorriso ladino e confiante. Era um homem que chamava atenção sem precisar se esforçar para isso. O cabelo castanho levemente desalinhado, o maxilar firme sempre coberto por uma sombra de barba, e os olhos castanhos-escuros que pareciam brilhar com um convite silencioso para o pecado. — Você perdeu, Max. — Antônio, seu primo e cúmplice de muitas aventuras, jogou as cartas sobre a mesa, revelando
Cecília andava pelo terraço da casa grande, observando os campos de café que se estendiam até onde seus olhos podiam alcançar. A brisa morna do fim da tarde fazia balançar os fios soltos de seu penteado, e o aroma adocicado das flores do jardim se misturava ao cheiro terroso da lavoura recém-colhida. A fazenda Monteiro de Alcântara era um verdadeiro império, fruto de gerações de trabalho e de decisões calculadas. Seu pai, Joaquim, orgulhava-se de ser um dos poucos cafeicultores que, desde antes da abolição, optara por abandonar o uso da mão de obra escravizada, o que lhe rendera tanto admiração quanto desconfiança por parte dos outros proprietários. Agora, ele se gabava da organização eficiente de seus trabalhadores assalariados, um sistema que, segundo ele, moldaria o futuro do país. Mas, para Cecília, aquele lugar sempre seria, antes de tudo, seu lar. — Pensativa outra vez, Cecília? — A voz firme e controlada de Vicente interrompeu seu devaneio. Ela se virou para encará-lo, o ir
O relógio da imponente residência dos Vieira de Sá já marcava mais de duas horas da madrugada quando Max atravessou a porta principal, arrastando os passos preguiçosos pelo saguão silencioso. O cheiro amadeirado do charuto ainda pairava em suas roupas, misturado ao aroma doce de perfume feminino. A gravata estava frouxa, o colarinho aberto, e o cabelo negro desgrenhado, como se mãos delicadas tivessem acabado de se perder nele. Ele cambaleou ligeiramente ao subir os primeiros degraus da escadaria, murmurando para si mesmo um palavrão baixinho quando o mundo girou por um instante. Mas não estava tão embriagado assim. Apenas o suficiente para não se importar com o fato de que, mais uma vez, voltava para casa sozinho. — Finalmente — a voz firme de Eduardo o deteve antes que alcançasse seu quarto. Max ergueu os olhos, piscando ao vê-lo sentado em uma poltrona no corredor, os cotovelos apoiados nos joelhos e um olhar severo no rosto sempre impecável. — Ora, ora… Ficou com saudades, irm
A casa grande estava em um alvoroço incomum. Os criados corriam de um lado para o outro, ajustando os últimos detalhes de uma refeição suntuosa, enquanto os salões eram perfumados com flores recém-colhidas. Cecília observava tudo com um nó apertado no estômago. Não entendia por que sua mãe insistira em tanta pompa para um simples jantar. — Parece que vão receber o imperador, e eu não fui avisada — murmurou para si mesma, alisando as saias do vestido azul que Constança escolhera para ela. Helena e Amélia tinham desaparecido em meio aos preparativos, e seu pai, Joaquim, estava ocupado com os negócios da fazenda. Cecília sentia-se inquieta, e aquela sensação a acompanhava desde a manhã. Como se algo estivesse para acontecer. Algo que mudaria tudo. — Menina, com essa cara, vai azedar o leite das vacas! A voz firme e afetuosa de dona Ivone, a cozinheira-chefe da casa, trouxe um breve sorriso ao rosto de Cecília. A mulher de pele retinta, olhar perspicaz e mãos calejadas tinha sido
Do lado de fora, as luzes amareladas das lamparinas tremeluziam, projetando sombras suaves nas paredes de taipa da imponente casa-grande. O perfume das flores de laranjeira pairava no ar, misturado ao aroma tentador que escapava da cozinha, onde Dona Ivone supervisionava cada detalhe do banquete com mãos firmes e experientes. Dentro do salão de jantar, o brilho dos candelabros de prata refletia nas porcelanas finas e nos cristais lapidados, enquanto as vozes se misturavam em um burburinho agradável. Os Monteiro de Alcântara sabiam como receber. A mesa, longa e farta, ostentava faisões assados, tortas delicadas, pães frescos e frutas cristalizadas, um espetáculo digno das mais refinadas casas da Corte. Cecília, no entanto, mal sentia o gosto do caldo fumegante em seu prato. O coração batia descompassado desde o momento em que vira Max Vieira de Sá cruzar a soleira da porta. Não esperava vê-lo tão cedo — e, definitivamente, não naquele jantar. A surpresa deixara seu corpo tenso, e a