A copa estava mais fresca do que o salão principal, com o aroma doce de canela e baunilha pairando no ar. A luz das lamparinas era mais suave ali, lançando sombras quentes nas prateleiras repletas de louças e potes de compotas caseiras. Cecília inspirou fundo, tentando acalmar os nervos enquanto Dona Ivone organizava pratos para a sobremesa.
A cozinheira-chefe, uma mulher robusta e de feições gentis, observou-a de soslaio antes de se aproximar. — Menina, você está mais pálida do que um fantasma — murmurou em tom baixo, pegando a sua mão com delicadeza. — O que foi? Cecília hesitou. Não sabia como colocar em palavras aquele tumulto de emoções. A presença de Max a desestabilizava de um jeito que ela não queria — não podia — admitir. — Estou bem — mentiu, desviando o olhar para o avental imaculado de Dona Ivone. — Apenas cansada. — Ah, não me engana, Cecília. Conheço você desde que usava laços no cabelo. Tem algo lhe incomodando, e não é só cansaço. O calor subiu ao seu rosto. Cecília mordeu o lábio inferior, em um gesto que traía seu nervosismo. — É o senhor Max, não é? — Dona Ivone arqueou uma sobrancelha, astuta como sempre. — Vi como ele te olha. O coração de Cecília bateu forte. — Ele… Ele é provocador demais. — E você, impressionável demais — retrucou a cozinheira, balançando a cabeça. — Homens como ele são fogo, menina. Bonito, sim, mas queimam quem chega muito perto. Cecília apertou as mãos em punhos, sentindo uma mistura de frustração e desejo. — Eu sei — admitiu em um sussurro. Dona Ivone suspirou, seu olhar suavizando-se. — Sei que sua cabeça está cheia de responsabilidades. Mas cuidado para não se perder, Cecília. Certos caminhos não têm volta. Antes que Cecília pudesse responder, a porta da copa rangeu. Por um instante, seu coração congelou, temendo que fosse Max. Mas era Eduardo. — Aqui está você — disse ele, com um sorriso leve ao vê-la. Cecília forçou um sorriso, tentando varrer as emoções conflitantes do rosto. — Dona Ivone pediu ajuda com a sobremesa. Eduardo se aproximou, pousando uma mão gentil em sua cintura. — Sempre atenciosa. — Ele inclinou-se para beijar sua têmpora. — Venha, todos estão ansiosos para o brinde. Ela assentiu, permitindo que ele a conduzisse de volta ao salão. Tentava se concentrar no toque seguro de Eduardo, no futuro que haviam traçado juntos — mas, em algum lugar sombrio de sua mente, ainda sentia o peso do olhar de Max queimando em sua pele. Ao retornarem, o ambiente parecia ainda mais animado. O vinho fluía livremente, as conversas se entrelaçavam em risadas baixas e comentários elegantes. Cecília ocupou seu lugar ao lado de Eduardo, mas seus olhos, traidores, procuraram Max no outro extremo da mesa. Ele conversava com Álvaro, mas o canto de seus lábios trazia aquele sorriso malicioso — como se soubesse exatamente em que parte da mesa os pensamentos dela estavam ancorados. — Está feliz? — Eduardo perguntou, sua voz baixa e terna ao inclinar-se para ela. Cecília virou o rosto para encará-lo. Havia algo reconfortante na gentileza dele, no modo como parecia se preocupar genuinamente com seu bem-estar. — Claro que sim — respondeu, forçando um sorriso. — Por que não estaria? Os olhos de Eduardo brilharam. — Porque quero que você saiba que farei tudo para torná-la feliz. — A sinceridade em suas palavras pesou no coração de Cecília, trazendo uma culpa silenciosa que a sufocava. — Eu sei — murmurou, repousando a mão sobre a dele. Joaquim ergueu-se em seu lugar, silenciando a mesa com um único gesto. — Esta noite — começou ele, sua voz firme e solene —, não celebramos apenas a união de duas grandes famílias, mas também o compromisso entre dois jovens que, tenho certeza, honrarão nosso nome com dignidade e respeito. Um murmúrio de aprovação percorreu a mesa, e Eduardo sorriu, apertando a mão de Cecília com mais força. — Ao casal! — Vicente ergueu sua taça, e os demais seguiram o gesto. — Ao casal! — ecoou a mesa, em um brinde caloroso. Cecília ergueu a taça com um sorriso cuidadosamente controlado, mas quando seus olhos pousaram em Max, encontrou-o observando-a de um jeito que fez sua garganta secar. O olhar dele não era de um homem que brindava um compromisso — era o olhar de alguém que desafiava cada regra silenciosa em torno deles. Ela tentou desviar o olhar, mas Max inclinou ligeiramente a cabeça, como se pudesse ouvir cada batida frenética de seu coração. E, naquele instante, Cecília soube: aquilo não acabaria ali. Por mais que tentasse lutar, o desejo que Max despertava nela já a puxava para um abismo do qual talvez nunca conseguisse escapar.A noite avançava, e a música suave de um quarteto de cordas preenchia o ar, enquanto casais deslizavam pela pista de dança improvisada. O vinho continuava a ser servido, afrouxando a rigidez habitual dos Monteiro de Alcântara e a formalidade calculada dos Vieira de Sá. Cecília permanecia ao lado de Eduardo, recebendo cumprimentos e elogios pela união iminente. Sorria, agradecia, mantinha a postura irrepreensível que lhe haviam ensinado desde menina – mas, por dentro, estava em chamas. Cada vez que olhava para Max, a tensão em seu corpo aumentava como um fio prestes a se partir. — Está se divertindo? — Eduardo perguntou, puxando-a para a pista de dança assim que os músicos começaram uma valsa mais lenta. — Sim — ela mentiu, permitindo que ele a guiasse. Eduardo dançava com precisão. Seus passos eram calculados, impecáveis, exatamente como a vida que planejava ao lado dela. Cecília tentou se concentrar no rosto dele – nas linhas simétricas, na segurança tranquila que oferecia –, mas
A boca de Max continuava explorando a dela com um desespero contido, como se ele estivesse tentando provar um ponto – ou talvez apenas se perder nela. As mãos dele deslizavam por suas costas, pressionando-a ainda mais contra seu corpo quente e sólido, e Cecília sentiu o mundo girar ao redor deles. — Você não deveria… — Ela tentou protestar entre os beijos, mas sua própria voz soava fraca, quase um gemido. — Eu nunca faço o que deveria, bela Cecília — Max respondeu contra seus lábios, o tom rouco e carregado de desejo. Os dedos dele subiram lentamente pelo corpete delicado de seu vestido, traçando um caminho torturante pela curva de sua cintura até a linha de suas costelas. O toque era firme, possessivo – e, ainda assim, parecia que ele estava se segurando para não ir além. Cecília estava em chamas. Cada parte de seu corpo parecia viva sob o toque dele, e a forma como Max a beijava – profunda, intensa, como se não houvesse mais nada no mundo – a fazia esquecer do noivado, das ob
Max encostou-se preguiçosamente ao arco da porta, a taça de vinho pendendo entre os dedos longos. Para qualquer observador desatento, ele parecia relaxado – quase entediado com a comoção ao redor. Mas, por dentro, cada músculo do seu corpo estava tenso, como uma corda prestes a se partir. Seus olhos não deixavam Cecília. Não conseguiam. Ele ainda sentia o gosto dela nos lábios – doce, quente, proibido. Sentia a pressão delicada do corpo dela contra o seu, o tremor leve de seus dedos quando, por um instante, ela correspondeu ao beijo. E, mesmo agora, enquanto Eduardo se ajoelhava diante dela com aquele maldito anel, Max podia jurar que o desejo ainda queimava em sua pele como um pecado que não podia – não queria – esquecer. A plateia suspirava em uníssono, alguns convidados murmuravam entre si sobre como eles formavam um casal perfeito. Um casal perfeito. Max quase riu – um riso amargo que ficou preso em sua garganta. Porque ele sabia a verdade. Sabia que, minutos antes, Cecíl
Álvaro girava o copo de uísque entre os dedos, a mente vagando enquanto o som abafado da música e das risadas ecoava pelos corredores. Ele não gostava de festas como essa – formais demais, previsíveis demais – mas, em uma família como a sua, recusar um evento social era um luxo que nem mesmo ele podia se permitir. Mas ele felizmente já estava de saída. Afinal, Cecília tinha pedido. Não com palavras diretas, é claro. Sua irmã era boa demais para pedir algo tão… mesquinho. Mas Álvaro a conhecia melhor do que ninguém. Percebera a tensão em seu sorriso quando lhe perguntou, mais cedo, se poderia “manter Max muito bem entretido e longe de problemas”. Problemas. Ele quase riu. Cecília nunca usava palavras casuais por acaso. E a julgar pelo modo como Max saíra do salão – rígido, sombrio e com a expressão de um homem à beira do limite – Álvaro tinha uma boa ideia de que tipo de problema sua irmã queria evitar. Foi fácil encontrá-lo. Homens como Max não se afastavam muito quando est
A música suave dos violinos ecoava pelo salão iluminado, enquanto casais rodopiavam em vestidos de seda e casacas bem cortadas. Cecília sorria, mantendo a postura impecável que a mãe tanto cobrava, mas, por dentro, sentia o coração inquieto – uma agitação que nada tinha a ver com o pedido de casamento que havia acabado de aceitar. Desde que Eduardo colocara o anel em seu dedo, o peso daquela joia parecia maior do que deveria. Um lembrete cintilante de tudo que estava em jogo — e de quem ela deveria esquecer. Mas Max… Ele estava ali. Ela podia senti-lo. Por um instante, cedeu ao impulso de procurá-lo no salão. Seus olhos se moveram com cautela até encontrá-lo perto da varanda. A luz dourada do lustre acariciava os traços afiados de seu rosto. Ele estava inclinado para mais perto de Álvaro, que ria de algo que apenas os dois partilhavam. Mas, ao contrário do irmão de Eduardo, que parecia se divertir, Max mantinha aquele sorriso preguiçoso que, de tão insolente, fazia algo perigoso
Cecília deixou a sala de desjejum com passos controlados, mas assim que virou o corredor e se afastou dos olhares vigilantes, seu corpo relaxou ligeiramente. Ainda assim, sua mente não encontrava repouso. Cada vez que fechava os olhos, a lembrança do toque de Max voltava com força devastadora – e agora ele estava longe, na companhia do homem mais libertino que ela conhecia. Ao chegar à sala de costura, encontrou sua mãe supervisionando as criadas que organizavam rolos de tecidos e amostras de renda. Dona Constança Monteiro de Alcântara era a personificação do controle e da elegância. Seus cabelos, sempre bem arranjados em um coque elaborado, e o vestido de seda lilás reforçavam a imagem de uma mulher que sabia seu lugar – e o da filha também. — Cecília, querida, finalmente. — A voz dela tinha um tom apressado, mas carregado de expectativa. — Precisamos decidir os detalhes do vestido de noiva. Afinal, seu casamento com Eduardo será o evento do ano. Cecília se aproximou, forçando u
Enquanto a conversa na sala de costura se dispersava, Cecília afastou-se sob o pretexto de buscar um livro na biblioteca. Mas, na verdade, ela precisava respirar — e, talvez, escapar da pressão sufocante das expectativas familiares. As janelas do casarão se abriam para um cenário deslumbrante: o Vale do Paraíba, com suas colinas cobertas de plantações de café que se estendiam até onde a vista alcançava. Os Vieira de Sá e os Monteiro de Alcântara estavam entre as famílias mais influentes da região, cujas fortunas haviam sido erguidas pelo ouro negro, como muitos chamavam o café. O Brasil, naquela época, era uma terra de contrastes fascinantes. Enquanto as elites rurais viviam em casarões majestosos como o seu, o Rio de Janeiro florescia como a capital do Império — uma cidade vibrante, onde o luxo dos salões aristocráticos convivia com o burburinho dos mercados e o cheiro salgado que vinha do porto. Navios chegavam e partiam carregados de café, açúcar e outras riquezas que sustentava
O sol começava a descer lentamente no horizonte, tingindo o céu do Rio de Janeiro com tons de âmbar e escarlate. A tarde quente e abafada parecia deixar tudo mais lento – menos os pensamentos de Max. Eles giravam, incessantes, em torno de uma mulher que ele não podia – não deveria – desejar. Max recostou-se na cadeira de madeira gasta do botequim, os ombros rígidos sob a camisa amassada. Álvaro, por outro lado, estava à vontade como sempre, os olhos brilhando com um prazer malicioso enquanto acendia um charuto cubano, o gesto calculado e quase insolente. — O que você realmente quer com tudo isso, Monteiro de Alcântara? — Max perguntou, deixando o cansaço transparecer na voz. — Já disse, quero ajudar um futuro membro da família a… aliviar as tensões. — Álvaro riu, soltando uma baforada preguiçosa de fumaça doce. — Mas se está perguntando o que eu ganho com isso… Bem, confesso que há algo de fascinante em observar um homem tentando fugir de algo que já o consumiu inteiro. O olhar