08. Max era um perigo

A casa-grande pulsava com uma energia rara, como se pressentisse um acontecimento fora do comum. Criados iam e vinham em um ritmo quase coreografado, ajeitando arranjos florais, polindo talheres e finalizando a preparação de um jantar que exalava riqueza. O ar era tomado por aromas sedutores — carne assada, frutas frescas, pão recém-saído do forno — tudo misturado ao perfume doce das flores de laranjeira, recém-colhidas para enfeitar os salões.

Cecília observava o movimento do alto da escadaria, com um aperto no estômago que insistia em não passar. O vestido azul celeste que usava, escolhido pela mãe, realçava sua figura esguia e o tom de sua pele clara, mas ela se sentia como uma boneca vestida para encenação. Havia algo naquele dia — algo que não sabia nomear — que lhe dava a sensação de que sua vida estava prestes a mudar.

— Parece que vão receber o imperador e eu não fui avisada — murmurou, ajeitando uma mecha solta atrás da orelha.

Helena e Amélia sumiram no meio dos preparativos, cada uma ocupada com algum detalhe que Constança julgava indispensável. Joaquim, seu pai, estava trancado no escritório da fazenda, resolvendo questões que, segundo ele, “não podiam esperar”. Restava a ela, Cecília, o incômodo de não saber ao certo por que tanto alarde para um simples jantar.

— Com essa cara, menina, vai acabar azedando o leite das vacas.

A voz inconfundível de dona Ivone, a cozinheira-chefe, a arrancou dos pensamentos. Era uma mulher de pele escura, olhos astutos e mãos que carregavam os calos de quem viveu para cuidar. E, nos últimos tempos, sua presença tinha sido mais acolhedora do que a da própria mãe.

— Eu só não entendo tanto alvoroço, dona Ivone.

— Não entende? Pois devia. Sua mãe tá mais animada que cachorro em dia de feira.

O riso de Cecília foi interrompido pelo som dos cascos no cascalho da entrada. Uma carruagem. Seu coração acelerou num compasso desigual.

— Quem chegou?

Ivone ajeitou o lenço no cabelo e soltou um suspiro conhecedor.

— Os Vieira de Sá, é claro.

Cecília sentiu o mundo girar por um instante. Apertou o tecido da saia com força, tentando conter a ansiedade.

— Eles… chegaram?

Ivone a olhou de lado, com aquele olhar que atravessava qualquer disfarce.

— Eu sei o que passa nessa cabecinha. Não se aflija. Noivado arranjado não é sentença de morte.

Mas as palavras da cozinheira fizeram mais peso que consolo. "Noivado." A simples ideia dessa união arranjada já sufocava Cecília desde o primeiro momento em que a mãe a mencionara.

E então, como se sua presença tivesse sido invocada pelo próprio destino, ele apareceu.

Encostado preguiçosamente no batente da porta, Maximiliano Vieira de Sá a observava com um meio sorriso debochado. O olhar dele era cortante, carregado de algo que a deixava desconfortável — e perigosamente atraída. Seu cabelo escuro estava desalinhado pela viagem, a camisa aberta no colarinho denunciava um desdém pelas regras e etiqueta que guiavam aquele mundo.

— Bela recepção, senhorita Monteiro de Alcântara — disse ele, a voz arrastada, quase melódica. — Quase parece que sentiu minha falta.

— Não sabia que você viria hoje — respondeu, tentando manter a compostura. — Achei que apenas seu irmão viria...

— Surpresa, então? — Ele deu um passo à frente. O olhar dele percorreu o corpo dela com descaramento. — Espero que tenha sido uma boa, pelo menos.

Cecília apertou o maxilar. Eduardo, o irmão de Max, era o prometido. Um homem educado, gentil, tudo o que se esperava de um noivo ideal. Já Max… era o oposto. Insolente. Indecifrável. E, justamente por isso, perigoso.

— Imagino que esteja exausto da viagem. Talvez devesse… descansar — disse ela, em um tom mais frio, na tentativa de manter distância.

— Ah, estou exausto, sim… mas não do tipo que o descanso resolve.

Ela corou, odiando o rubor que denunciava o efeito que aquelas palavras tinham sobre ela.

— Insolente — murmurou.

— Essa boquinha linda consegue ser afiada? — Max se inclinou, reduzindo o espaço entre eles.

— Você nem imagina, senhor Vieira de Sá.

A risada dele foi baixa, carregada de uma malícia controlada. Antes que Cecília pudesse se afastar, uma mão firme segurou seu braço.

— Venha, menina. Preciso de ajuda na cozinha — disse Ivone, com sua voz firme, lançando um olhar duro para Max. — E o senhor, vá procurar seu irmão. Esse alvoroço é por causa dele, não do senhor.

Cecília sentiu-se salva, por um instante. Mas, quando começou a se afastar, a voz de Max a alcançou mais uma vez.

— Foi um prazer revê-la, Bela flor. Um grande prazer.

Mesmo longe, aquelas palavras ainda queimavam em sua pele.

**

Mais tarde, o jantar teve início sob o brilho suave dos candelabros de prata. A mesa, digna de qualquer salão da Corte, estava posta com faisões assados, tortas ricamente decoradas, frutas cristalizadas e cristais que cintilavam sob a luz. O burburinho das conversas parecia agradável, mas Cecília mal ouvia o que era dito. Sentia o calor do olhar de Max sobre ela mesmo sem levantar os olhos.

Eduardo, sempre educado e cordial, estava ao seu lado, tentando conduzir uma conversa. Tocou sua mão sobre a mesa, gesto que deveria ser reconfortante — e, no entanto, não causou nela nenhum arrepio. Só havia uma presença ali que mexia com seus sentidos. E não era a do noivo.

— Está distraída, Cecília? — Eduardo perguntou.

Ela piscou, forçando um sorriso.

— Perdoe-me. O calor… talvez esteja um pouco sonolenta.

Vicente, o mais velho dos Vieira de Sá, interveio:

— Desde que voltamos da Corte, tudo parece abafado por aqui.

— Ainda assim, há algo revigorante no ar do campo — completou Eduardo, pousando a mão sobre a dela com gentileza. — E mais ainda na sua companhia.

Ela queria sorrir, agradecer, corresponder. Mas sentia a pele arder sob o olhar de Max, que parecia estudá-la como quem desvenda um segredo.

— E você, Max? — a voz grave de Joaquim cortou o ambiente. — Pretende ficar conosco por muito tempo ou logo volta à Corte?

Max inclinou-se, com um ar despreocupado.

— Quem sabe? A vida no Rio tem seus encantos… mas há prazeres no interior difíceis de resistir.

As palavras pareciam simples. Mas o jeito como ele as disse… Cecília prendeu a respiração.

— Certamente há coisas que não se encontram na Corte — provocou Álvaro, o mais jovem dos irmãos, com um sorriso malicioso. — Mas duvido que Max aprecie tanto as simplicidades assim.

— Talvez eu esteja aprendendo a vê-las com outros olhos — devolveu Max, o olhar fixo nela, a voz carregada de significado oculto.

Cecília sentiu o sangue latejar. Aquilo era mais que provocação. Era um jogo. E ela já estava presa nele.

Constança, elegante como sempre, interrompeu com um tom cortante:

— Não nos distraiamos com frivolidades. Há muito o que discutir.

O ambiente mudou. Conversas sobre a política, o fim do Império, as ameaças de reforma agrária tomaram conta da mesa. Mas Cecília mal ouvia. Cada palavra de Max, cada olhar trocado, parecia moldar um novo destino diante dela.

E, naquele momento, ela soube com clareza: Maximiliano Vieira de Sá era um perigo real. Um que ela não saberia — ou não queria — evitar.

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