A luz dourada do entardecer tingia as ruas da cidade com um brilho quente e decadente. Para Maximiliano Vieira de Sá, aquilo era apenas o prenúncio de mais uma noite de excessos – e ele pretendia aproveitá-la em todos os sentidos.
No salão reservado do Clube do Progresso, um reduto exclusivo para homens ricos e poderosos, o som das risadas roucas se misturava ao tilintar de taças de cristal. O ambiente cheirava a tabaco caro, conhaque envelhecido e promessas ilícitas. Um lugar perfeito para um homem como Max. Recostado em uma poltrona de couro, ele observava a movimentação com aquele seu sorriso ladino e confiante. Era um homem que chamava atenção sem precisar se esforçar para isso. O cabelo castanho levemente desalinhado, o maxilar firme sempre coberto por uma sombra de barba, e os olhos castanhos-escuros que pareciam brilhar com um convite silencioso para o pecado. — Você perdeu, Max. — Antônio, seu primo e cúmplice de muitas aventuras, jogou as cartas sobre a mesa, revelando um jogo vencedor. — Eu avisei que sua sorte não duraria para sempre. — Sorte nunca foi o que me sustentou, . — Antônio riu, inclinado na cadeira com a descontração de quem nunca se preocupou com nada na vida. — E você sabe bem disso. Ele levantou a taça de conhaque aos lábios, o calor do álcool descendo pela garganta em um prazer conhecido. Mas seu verdadeiro interesse naquela noite estava no canto do salão. A mulher mais bonita do recinto o observava com a ousadia de quem sabia exatamente o que queria. Morena, pele dourada, lábios carnudos pintados de um vermelho provocante. Ela usava um vestido de veludo verde, justo o bastante para sugerir cada curva voluptuosa que seu corpo tinha a oferecer. — Maximiliano Vieira de Sá. — A voz dela chegou aos ouvidos dele como uma carícia. — Sempre ouvi dizer que você era um homem de muitos talentos. Será que eles são tão impressionantes quanto dizem? Max sorriu devagar, deixando os olhos percorrerem cada centímetro daquela visão tentadora. Ele sabia como aquele jogo funcionava. E jogava como ninguém. — Só há uma forma de descobrir, querida. — Sua voz saiu baixa, arrastada, carregada de intenções nada inocentes. Com um movimento fluido, ele se levantou, deslizando a mão para pegar a dela, roçando os dedos com uma intimidade calculada. A eletricidade no toque fez os lábios dela se curvarem em um sorriso malicioso. — Não me decepcione — sussurrou ela, puxando-o com firmeza para fora do salão, como se fosse ele quem estivesse sendo conduzido. E Max adorava quando uma mulher tinha coragem de enfrentá-lo. No corredor pouco iluminado, ele a prensou contra a parede sem cerimônias, seu corpo quente e firme pressionando o dela. — Seu nome — murmurou contra sua pele enquanto seus lábios deslizavam pelo pescoço delicadamente exposto. — Clara. — A respiração dela já estava entrecortada, os dedos cravando nos ombros dele. — Clara… — Max repetiu o nome como se saboreasse cada sílaba, antes de deslizar a mão pela curva generosa da cintura dela. — Espero que não seja tão pura quanto o nome sugere. Ela riu, a cabeça tombando para trás em um gesto de rendição provocativa. — E eu espero que você seja tão pecador quanto sua fama diz. Max respondeu com um beijo voraz, sem pressa, mas também sem delicadeza. Ele sabia o efeito que tinha nas mulheres – e usava isso ao seu favor sem a menor vergonha. Suas mãos firmes exploravam cada curva, arrancando dela suspiros que ecoavam pelo corredor vazio. Quando se afastou o suficiente para encará-la, seus olhos brilhavam de puro desejo. — Eu poderia levá-la para o meu apartamento, Clara… mas gosto mais da ideia de fazer você perder o fôlego aqui mesmo. Ela arfou quando Max deslizou a mão por baixo do vestido, seus toques habilidosos a levando a um estado de perdição em questão de minutos. E ele aproveitava cada reação com um prazer quase cruel. Era assim que ele vivia. Mulheres belas. Noites longas. Nenhuma promessa de amanhã. Max não acreditava em amor. Não depois de ter confiado na mulher errada — e quase ter perdido a própria vida por isso. Ele se envolveu com a amante de um poderoso contrabandista, sem saber quem ela realmente era. Durante meses, foi enredado pelas mentiras habilidosas dela, que o usava para encobrir os negócios ilícitos do amante. Quando a farsa foi descoberta, Max se viu no centro de uma vingança violenta. Por pouco não terminou com uma bala no peito em um beco escuro. Sobreviveu, mas não sem cicatrizes. Desde então, aprendeu a lição: mulheres eram belas armadilhas, e o amor? Apenas um risco que ele não estava disposto a correr novamente. Mais tarde, quando deixou Clara adormecida na cama, Max se vestiu sem pressa, voltando ao clube para terminar a noite com mais uma rodada de conhaque. — Outra conquista? — Antônio perguntou com uma risada seca ao vê-lo se aproximar. — Mais uma — Max deu de ombros, como se fosse algo banal. E para ele, era. Mas quando seu olhar vagou pelo salão, um flash inesperado cruzou sua mente: os olhos claros de Cecília Monteiro de Alcântara. Ele xingou baixo, irritado com a própria lembrança. Cecília não era como as outras mulheres. Havia algo nela… algo que ele não deveria desejar. Mas o desejo já estava ali. Quente. Insistente. E se Maximiliano Vieira de Sá sabia de uma coisa, era que ele não era homem de resistir à tentação por muito tempo. Principalmente quando a tentação tinha um nome, um noivo… e um gosto por perigo que ainda não descobrira.Cecília andava pelo terraço da casa grande, observando os campos de café que se estendiam até onde seus olhos podiam alcançar. A brisa morna do fim da tarde fazia balançar os fios soltos de seu penteado, e o aroma adocicado das flores do jardim se misturava ao cheiro terroso da lavoura recém-colhida. A fazenda Monteiro de Alcântara era um verdadeiro império, fruto de gerações de trabalho e de decisões calculadas. Seu pai, Joaquim, orgulhava-se de ser um dos poucos cafeicultores que, desde antes da abolição, optara por abandonar o uso da mão de obra escravizada, o que lhe rendera tanto admiração quanto desconfiança por parte dos outros proprietários. Agora, ele se gabava da organização eficiente de seus trabalhadores assalariados, um sistema que, segundo ele, moldaria o futuro do país. Mas, para Cecília, aquele lugar sempre seria, antes de tudo, seu lar. — Pensativa outra vez, Cecília? — A voz firme e controlada de Vicente interrompeu seu devaneio. Ela se virou para encará-lo, o ir
O relógio da imponente residência dos Vieira de Sá já marcava mais de duas horas da madrugada quando Max atravessou a porta principal, arrastando os passos preguiçosos pelo saguão silencioso. O cheiro amadeirado do charuto ainda pairava em suas roupas, misturado ao aroma doce de perfume feminino. A gravata estava frouxa, o colarinho aberto, e o cabelo negro desgrenhado, como se mãos delicadas tivessem acabado de se perder nele. Ele cambaleou ligeiramente ao subir os primeiros degraus da escadaria, murmurando para si mesmo um palavrão baixinho quando o mundo girou por um instante. Mas não estava tão embriagado assim. Apenas o suficiente para não se importar com o fato de que, mais uma vez, voltava para casa sozinho. — Finalmente — a voz firme de Eduardo o deteve antes que alcançasse seu quarto. Max ergueu os olhos, piscando ao vê-lo sentado em uma poltrona no corredor, os cotovelos apoiados nos joelhos e um olhar severo no rosto sempre impecável. — Ora, ora… Ficou com saudades, irm
A casa grande estava em um alvoroço incomum. Os criados corriam de um lado para o outro, ajustando os últimos detalhes de uma refeição suntuosa, enquanto os salões eram perfumados com flores recém-colhidas. Cecília observava tudo com um nó apertado no estômago. Não entendia por que sua mãe insistira em tanta pompa para um simples jantar. — Parece que vão receber o imperador, e eu não fui avisada — murmurou para si mesma, alisando as saias do vestido azul que Constança escolhera para ela. Helena e Amélia tinham desaparecido em meio aos preparativos, e seu pai, Joaquim, estava ocupado com os negócios da fazenda. Cecília sentia-se inquieta, e aquela sensação a acompanhava desde a manhã. Como se algo estivesse para acontecer. Algo que mudaria tudo. — Menina, com essa cara, vai azedar o leite das vacas! A voz firme e afetuosa de dona Ivone, a cozinheira-chefe da casa, trouxe um breve sorriso ao rosto de Cecília. A mulher de pele retinta, olhar perspicaz e mãos calejadas tinha sido
Do lado de fora, as luzes amareladas das lamparinas tremeluziam, projetando sombras suaves nas paredes de taipa da imponente casa-grande. O perfume das flores de laranjeira pairava no ar, misturado ao aroma tentador que escapava da cozinha, onde Dona Ivone supervisionava cada detalhe do banquete com mãos firmes e experientes. Dentro do salão de jantar, o brilho dos candelabros de prata refletia nas porcelanas finas e nos cristais lapidados, enquanto as vozes se misturavam em um burburinho agradável. Os Monteiro de Alcântara sabiam como receber. A mesa, longa e farta, ostentava faisões assados, tortas delicadas, pães frescos e frutas cristalizadas, um espetáculo digno das mais refinadas casas da Corte. Cecília, no entanto, mal sentia o gosto do caldo fumegante em seu prato. O coração batia descompassado desde o momento em que vira Max Vieira de Sá cruzar a soleira da porta. Não esperava vê-lo tão cedo — e, definitivamente, não naquele jantar. A surpresa deixara seu corpo tenso, e a
A copa estava mais fresca do que o salão principal, com o aroma doce de canela e baunilha pairando no ar. A luz das lamparinas era mais suave ali, lançando sombras quentes nas prateleiras repletas de louças e potes de compotas caseiras. Cecília inspirou fundo, tentando acalmar os nervos enquanto Dona Ivone organizava pratos para a sobremesa. A cozinheira-chefe, uma mulher robusta e de feições gentis, observou-a de soslaio antes de se aproximar. — Menina, você está mais pálida do que um fantasma — murmurou em tom baixo, pegando a sua mão com delicadeza. — O que foi? Cecília hesitou. Não sabia como colocar em palavras aquele tumulto de emoções. A presença de Max a desestabilizava de um jeito que ela não queria — não podia — admitir. — Estou bem — mentiu, desviando o olhar para o avental imaculado de Dona Ivone. — Apenas cansada. — Ah, não me engana, Cecília. Conheço você desde que usava laços no cabelo. Tem algo lhe incomodando, e não é só cansaço. O calor subiu ao seu rosto
A noite avançava, e a música suave de um quarteto de cordas preenchia o ar, enquanto casais deslizavam pela pista de dança improvisada. O vinho continuava a ser servido, afrouxando a rigidez habitual dos Monteiro de Alcântara e a formalidade calculada dos Vieira de Sá. Cecília permanecia ao lado de Eduardo, recebendo cumprimentos e elogios pela união iminente. Sorria, agradecia, mantinha a postura irrepreensível que lhe haviam ensinado desde menina – mas, por dentro, estava em chamas. Cada vez que olhava para Max, a tensão em seu corpo aumentava como um fio prestes a se partir. — Está se divertindo? — Eduardo perguntou, puxando-a para a pista de dança assim que os músicos começaram uma valsa mais lenta. — Sim — ela mentiu, permitindo que ele a guiasse. Eduardo dançava com precisão. Seus passos eram calculados, impecáveis, exatamente como a vida que planejava ao lado dela. Cecília tentou se concentrar no rosto dele – nas linhas simétricas, na segurança tranquila que oferecia –,
A boca de Max continuava explorando a dela com um desespero contido, como se ele estivesse tentando provar um ponto – ou talvez apenas se perder nela. As mãos dele deslizavam por suas costas, pressionando-a ainda mais contra seu corpo quente e sólido, e Cecília sentiu o mundo girar ao redor deles. — Você não deveria… — Ela tentou protestar entre os beijos, mas sua própria voz soava fraca, quase um gemido. — Eu nunca faço o que deveria, bela Cecília — Max respondeu contra seus lábios, o tom rouco e carregado de desejo. Os dedos dele subiram lentamente pelo corpete delicado de seu vestido, traçando um caminho torturante pela curva de sua cintura até a linha de suas costelas. O toque era firme, possessivo – e, ainda assim, parecia que ele estava se segurando para não ir além. Cecília estava em chamas. Cada parte de seu corpo parecia viva sob o toque dele, e a forma como Max a beijava – profunda, intensa, como se não houvesse mais nada no mundo – a fazia esquecer do noivado, das o
E ela ficou ali, imóvel, com os lábios ainda latejando pelo beijo roubado e as pernas fracas como se não suportassem seu próprio peso. O ar ao seu redor parecia denso, carregado da presença de Max, mesmo que ele já tivesse se afastado. Ela tentou respirar fundo, mas seu peito subia e descia de forma irregular, traindo o tumulto que sentia por dentro. “Mentirosa.” A palavra dele ecoava em sua mente como uma maldição. Porque ele tinha razão – e isso a apavorava mais do que qualquer coisa. Com as mãos trêmulas, ela ajeitou as alças do vestido, tentando recuperar a compostura. O que acabara de acontecer… aquilo era inaceitável. Imoral. Um pecado grave demais para ser ignorado. “Você é a mulher do meu irmão.” A lembrança dessas palavras queimou como fogo em sua consciência. Ela precisava se afastar dele. Precisava enterrá-lo em algum canto obscuro da memória e jamais permitir que aquele desejo proibido voltasse a vir à tona. Mas como esquecer? Como apagar o calor do toque dele em