02. O estranho do jardim

O calor da tarde repousava sobre a Fazenda Boa Esperança como um véu denso, tornando o ar preguiçoso e morno, mesmo com as janelas escancaradas da casa grande. Lá fora, os vastos cafezais se estendiam como um manto verde, ondulando sob a luz dourada do sol. Era uma paisagem bonita, quase poética, mas para Cecília Monteiro de Alcântara, tudo parecia opaco diante do que se aproximava: o dia em que conheceria o homem escolhido por seu pai para ser seu futuro marido.

Sentada diante da penteadeira, ela observava seu reflexo no espelho antigo, enquanto as criadas ajeitavam cuidadosamente o vestido lavanda e os cachos castanhos que emolduravam seu rosto. A maquiagem era discreta, mas realçava sua beleza serena. Por fora, tudo nela era impecável. Por dentro, no entanto, o coração batia em um compasso acelerado, dominado por uma ansiedade silenciosa.

— Está linda, senhorita Cecília — disse uma das criadas, ajeitando um fio solto atrás da orelha dela.

Cecília sorriu com delicadeza, mas a expressão logo se dissipou. Linda. Gentil. Perfeita. Eram adjetivos que ela escutava desde criança. A filha exemplar. A que não fazia escândalos. A que aceitava as regras impostas. Diferente da irmã Amélia, que gostava de contrariar a mãe, e de Álvaro, o irmão libertino, cuja sede por aventura causava discussões quase diárias. Ela, por outro lado, era o porto seguro. A promessa de estabilidade. E agora, sua recompensa seria um casamento arranjado.

“Eduardo Vieira de Sá.” O nome ecoava em sua mente como um lembrete de que seu destino já havia sido decidido.

O som seco dos sapatos da mãe no assoalho encerrou seus devaneios. Dona Constança, sempre imponente, surgira à porta como uma figura de autoridade silenciosa. O vestido de seda azul-marinho realçava ainda mais sua postura nobre, e o coque puxado não deixava margem para imperfeições.

— Está na hora — anunciou, com a voz firme.

Cecília assentiu, levantando-se com graça. Caminhou ao lado da mãe pelos longos corredores da casa, respirando fundo para conter a angústia. Mas ao cruzar o saguão principal, sentiu um súbito impulso de escapar. Apenas por um momento. Apenas para respirar.

Desviando discretamente, saiu para os jardins laterais, onde as magnólias floridas exalavam um perfume doce e reconfortante. O canto distante dos pássaros a envolvia como um abraço silencioso. Era ali que ela se sentia mais viva — entre flores, longe de protocolos.

Foi então que virou uma curva no jardim... e bateu em algo — ou melhor, em alguém. Um corpo firme, sólido.

— Perdão! — exclamou, cambaleando para trás.

Uma mão rápida a segurou pela cintura, impedindo sua queda.

— Cuidado, flor. Pode se machucar assim — disse uma voz masculina, rouca e cheia de malícia.

Cecília ergueu os olhos, ofegante. Diante dela, estava um homem alto, de ombros largos, vestindo um terno escuro de linho. Os cabelos castanhos caíam em ondas levemente desarrumadas sobre a testa, e o sorriso… ah, o sorriso era algo entre o deboche e o desafio.

— Eu… não o vi — murmurou, tentando recuperar a compostura.

— É uma pena — respondeu ele, com um olhar que passeava pelo rosto dela. — Eu, por outro lado, notei você imediatamente. Está fugindo de alguém?

— Claro que não! — respondeu, erguendo o queixo com orgulho. — Apenas... precisava de ar fresco.

— Uma decisão sábia. O ambiente está mesmo abafado demais para uma flor delicada como você.

— Não sou delicada — disse ela, sentindo o sangue subir ao rosto pela ousadia do comentário.

— Não? — Ele se inclinou levemente, analisando-a com um olhar de quem decifra enigmas. — Então, o que é?

Ela hesitou. Por um instante, não soube quem era, nem o que responder. Aquela presença a desestabilizava.

—Eu sou... Cecília — respondeu, enfim.

— Um nome bonito — disse ele, como se saboreasse seu nome em sua boca. — Para uma moça ainda mais bonita.

Antes que pudesse retrucar, ouviu seu nome ser chamado do outro lado do jardim.

— Cecília! — Era a voz severa do pai.

Ela se virou, o coração acelerado. Quando voltou a olhar para o estranho, ele ainda estava ali, sorrindo como se soubesse de todos os segredos do mundo.

— Até logo, flor — sussurrou, afastando-se com a confiança de um homem que conhecia o próprio poder.

O toque dele ainda parecia presente em sua pele quando ela entrou no salão principal. Seu pai estava à espera, acompanhado de um homem jovem, elegante, de postura impecável.

— Senhorita Cecília — disse o rapaz, com um sorriso polido —, é um prazer finalmente conhecê-la. Sou Eduardo Vieira de Sá.

Ela respondeu com educação, tentando ignorar a estranha sensação que crescia em seu peito. Mas antes que pudesse se acalmar, seus olhos se fixaram em alguém parado à direita de Eduardo.

O estranho do jardim.

Estava ali, encostado com insolência contra a parede, observando-a com um olhar divertido.

— Este é meu irmão mais velho, Maximiliano — disse Eduardo, inocente quanto ao que se passava.

Cecília sentiu o mundo girar.

Maximiliano.

Max.

O homem que a segurara pela cintura, que lhe chamara de flor… era o irmão do seu noivo.

Maximiliano Vieira de Sá não acreditava em coincidências. Mas ali estava ele, cruzando novamente o caminho da jovem mais encantadora — e mais proibida — que já vira. Cecília.

Reclinado contra a parede, com o ar de quem se divertia com a própria existência, ele observava cada gesto dela, cada rubor. Sentia ainda o perfume doce que ficara em sua memória, talvez jasmim ou algo ainda mais envolvente. Pequena, elegante, cheia de pudor — e ao mesmo tempo provocante sem querer.

Ela o evitava com os olhos, mas ele via a hesitação. O leve tremor nos dedos. O desvio rápido do olhar. E aquilo só aumentava o prazer do jogo.

— Estava pensando que você tem muita sorte — disse ele a Eduardo, com ironia.

O irmão não percebeu o tom. Max sabia que Eduardo era cego para nuances. Desde criança, um exemplo de responsabilidade. Sempre o herdeiro, o escolhido. E agora, o noivo de Cecília.

— Não estrague isso, Max — advertiu Eduardo, em voz baixa.

Max sorriu, como se a ideia sequer fizesse sentido. Ele era o problema. Sempre fora. Mas não prometera nada a ninguém.

Cecília, do outro lado do salão, parecia sufocada. Eduardo falava com o pai dela, animado com negócios e propriedades. E a jovem sorria como se tudo estivesse bem — mas Max sabia que não estava.

E então, Eduardo ofereceu o braço para uma caminhada pelo jardim.

— Gostaria de caminhar um pouco?

Ela hesitou. E antes que pudesse responder, Max se aproximou com um sorriso preguiçoso.

— Cuidado, Senhorita Cecília. O calor lá fora pode ser… perigoso.

Ela o encarou por um breve segundo, o olhar cheio de mensagens não ditas.

E foi assim que o jogo começou.

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