Os Monteiro de Alcântara não eram apenas uma família — eram uma instituição.
Dos salões elegantes do Rio de Janeiro aos campos dourados das fazendas de café no Vale do Paraíba, o nome Monteiro de Alcântara inspirava respeito, temor e, em muitos casos, inveja. Donos de vastas terras, aliados a políticos influentes e com raízes profundas no ciclo do café, a fortuna da família não era apenas antiga — era quase indestrutível. Joaquim Monteiro de Alcântara, o patriarca, fizera questão de reforçar isso em cada aspecto de sua vida. Rígido, inabalável e com uma visão clara do dever, ele carregava nas costas o peso do nome que herdara e que, um dia, passaria para seu primogênito. Não havia espaço para fraquezas, e certamente não havia espaço para escândalos. Era por isso que, naquela tarde abafada de janeiro, a Fazenda Boa Esperança estava em alvoroço. O salão principal, com suas paredes adornadas por tapeçarias europeias, ecoava com o som abafado de criados em movimento, preparando-se para a chegada de convidados ilustres. Os janelões abertos deixavam a brisa morna balançar as cortinas de linho, mas nem mesmo o ar pesado do verão diminuía a tensão no ambiente. Joaquim aguardava algo mais importante do que uma simples visita: esperava selar alianças. Porque, em sua visão de mundo, casamentos não eram sobre amor — eram sobre poder. Seus seis filhos estavam em idades apropriadas para o matrimônio, e cada um deles era uma peça em seu tabuleiro cuidadosamente planejado. No centro de tudo, estava Vicente, o mais velho. Sério, discreto e com um senso de dever quase sufocante, ele já vinha assumindo os negócios da família. Para Joaquim, Vicente era o reflexo do que um herdeiro deveria ser: obediente, eficiente e sem fraquezas aparentes. Já Amélia, a segunda filha, era um desafio constante. Bela, inteligente e impetuosa demais para os padrões da sociedade, a jovem fazia questão de desafiar as expectativas. Enquanto outras damas bordavam ou tocavam piano, Amélia discutia política e lia os jornais republicanos que Joaquim desprezava. Se não fosse por seu sobrenome, já teria sido excluída dos melhores salões. O terceiro filho, Álvaro, era uma preocupação ainda maior. Com um sorriso fácil e um charme perigoso, ele transitava pelas festas do Rio de Janeiro como se a vida fosse um jogo. Um jogo que, até então, ele vinha perdendo. As dívidas que acumulava em clubes de cavalheiros e o rumor de um filho ilegítimo não escapavam dos ouvidos atentos do patriarca. Cecília, a quarta filha, era um alívio em meio ao caos. Doce, gentil e de temperamento brando, era a filha perfeita para um bom casamento. Joaquim já havia escolhido seu noivo: Eduardo Vieira de Sá, herdeiro de uma família tradicional e promissora. Um jovem honrado, estável, o tipo de homem que não traria problemas. Ao menos, era o que ele pensava. Helena, a mais nova, observava tudo com olhos atentos. À sombra dos irmãos mais velhos, era frequentemente subestimada — e usava isso a seu favor. Joaquim já tinha planos para ela também, embora a jovem fosse mais difícil de dobrar do que ele imaginava. E, por fim, havia Gabriel. O filho que nunca se encaixou. Joaquim não dizia em voz alta, mas todos sabiam que havia algo diferente em Gabriel. Talvez fosse a maneira como ele nunca parecia se sentir pertencente, como se carregasse um segredo que ninguém mais compartilhava. Naquele momento, porém, Joaquim não pensava em nada disso. Tudo o que importava era o futuro. — Eles estão chegando. — Anunciou um criado, rompendo o silêncio solene do escritório. Joaquim assentiu, ajustando os punhos da camisa de linho. Com a precisão de um homem acostumado a comandar, atravessou o corredor e desceu as escadas de mármore, onde sua esposa, Dona Constança, já aguardava com um sorriso discreto. A matriarca dos Monteiro de Alcântara raramente elevava a voz, mas sua presença preenchia qualquer cômodo. Embora Joaquim governasse a casa com mão de ferro, era Beatriz quem conhecia os corações de seus filhos — os sonhos que escondiam e os segredos que temiam. Do lado de fora, uma carruagem suntuosa cruzava os portões de ferro. Eduardo Vieira de Sá havia chegado. E com ele, seu irmão mais novo: Maximiliano. Se Joaquim soubesse que, naquele instante, estava abrindo as portas para o maior escândalo que sua família enfrentaria, talvez tivesse mandado trancá-las. Mas era tarde demais para isso. Porque onde há poder, há desejo. E onde há desejo, sempre haverá perigo.O calor da tarde repousava sobre a Fazenda Boa Esperança como um véu denso, tornando o ar preguiçoso e morno, mesmo com as janelas escancaradas da casa grande. Lá fora, os vastos cafezais se estendiam como um manto verde, ondulando sob a luz dourada do sol. Era uma paisagem bonita, quase poética, mas para Cecília Monteiro de Alcântara, tudo parecia opaco diante do que se aproximava: o dia em que conheceria o homem escolhido por seu pai para ser seu futuro marido. Sentada diante da penteadeira, ela observava seu reflexo no espelho antigo, enquanto as criadas ajeitavam cuidadosamente o vestido lavanda e os cachos castanhos que emolduravam seu rosto. A maquiagem era discreta, mas realçava sua beleza serena. Por fora, tudo nela era impecável. Por dentro, no entanto, o coração batia em um compasso acelerado, dominado por uma ansiedade silenciosa. — Está linda, senhorita Cecília — disse uma das criadas, ajeitando um fio solto atrás da orelha dela. Cecília sorriu com delicadeza, mas a e
O sol quente e intenso espalhava seus tons dourados sobre a Fazenda Boa Esperança, iluminando os vastos cafezais que se estendiam até onde a vista alcançava. Cecília caminhava lentamente pelo jardim, com o braço delicadamente entrelaçado ao de Eduardo Vieira de Sá. Era um momento cuidadosamente arquitetado por sua mãe, Constança, que acreditava que a proximidade traria um laço mais firme entre eles. E Cecília, como a boa filha que sempre fora, estava disposta a tentar. — A fazenda de sua família é realmente impressionante — comentou Eduardo, sua voz firme e controlada. — Meu pai sempre falou com admiração do seu patriarca. Cecília sorriu de maneira polida. Eduardo era um homem atraente, com traços bem definidos e modos irrepreensíveis. Havia algo reconfortante em sua presença, uma estabilidade que qualquer jovem em idade de casamento deveria desejar. — Meu pai é um homem de princípios — disse ela, ajustando a saia do vestido, cujos detalhes delicados ressaltavam sua feminilidade. —
Após o longo e cerimonioso almoço, a família Monteiro de Alcântara se reuniu no pátio coberto para a despedida dos irmãos Vieira de Sá. Sorrisos cordiais e despedidas educadas mascaravam a tensão no ar — ao menos para Cecília. Ela apertava as mãos uma contra a outra, tentando manter a compostura diante da presença dos dois irmãos, mas seu olhar insistia em recair sobre o mais novo. — Foi um prazer recebê-los — disse Constança, com elegância e aquele olhar clínico que analisava cada detalhe. Seus olhos pousaram demoradamente em Eduardo, aprovando sua postura irrepreensível. — Esperamos vê-los novamente em breve. — O prazer foi nosso, senhora Monteiro de Alcântara — respondeu Eduardo, com uma leve curvatura de cabeça, a voz firme, respeitosa. Ao lado dele, Maximiliano permaneceu em silêncio, o corpo relaxado e a expressão divertida. Seus olhos, no entanto, procuravam discretamente por Cecília. Era quase imperceptível, não fosse o fato de ela sentir cada olhar como um toque não autoriz
Os dias que se seguiram à visita dos Vieira de Sá trouxeram a Cecília Monteiro de Alcântara uma inquietação difícil de silenciar. Embora tentasse dedicar-se às obrigações domésticas e aos preparativos para o noivado, sua mente voltava sempre àquele encontro — e, sobretudo, aos dois irmãos que haviam cruzado seu caminho de forma tão distinta. Eduardo era, sem dúvida, o noivo ideal. Educado, gentil, passou a enviar-lhe cartas formais, com palavras escolhidas com cuidado. Cecília respondia com igual cortesia, ainda que percebesse nelas uma ausência sutil — como se tudo fosse correto demais, previsível demais. Maximiliano, em contraste, lhe despertava sentimentos que preferia não nomear. Havia nele algo indomável, quase impróprio. Pensar em seu sorriso arrogante era um pecado silencioso que a acompanhava mesmo nas missas de domingo. E havia a flor. Simples, colhida sabe-se lá onde, entregue com um sorriso travesso e sem explicações durante a breve despedida. Cecília guardara-a entre as
A luz dourada do entardecer tingia as ruas com um brilho decadente, como se a cidade inteira ardesse em desejo. Para Max, era apenas o prenúncio de mais uma noite de excessos. E ele pretendia se perder nela até o último gole, até o último corpo, até o último pecado. No salão reservado do Clube do Progresso — um templo do luxo exclusivo para homens poderosos — o tilintar de taças e as risadas roucas criavam uma sinfonia de decadência. O cheiro de tabaco cubano, conhaque envelhecido e promessas ilícitas pairava no ar como uma cortina invisível de permissividade. Era um ambiente feito sob medida para homens como Max. Ele estava recostado em uma poltrona de couro, com as pernas relaxadas, o olhar afiado percorrendo o salão como um predador entediado. Seus cabelos castanhos estavam levemente desalinhados, o maxilar coberto por uma barba por fazer, e os olhos, escuros como pecado, brilhavam com uma confiança perigosa. Max era o tipo de homem que exalava charme sem precisar tentar — e ele s
O relógio da imponente residência dos Vieira de Sá já marcava mais de duas horas da madrugada quando Max atravessou a porta principal, arrastando os passos preguiçosos pelo saguão silencioso. O cheiro amadeirado do charuto ainda pairava em suas roupas, misturado ao aroma doce de perfume feminino. A gravata estava frouxa, o colarinho aberto, e o cabelo negro desgrenhado, como se mãos delicadas tivessem acabado de se perder nele. Ele cambaleou ligeiramente ao subir os primeiros degraus da escadaria, murmurando para si mesmo um palavrão baixinho quando o mundo girou por um instante. Mas não estava tão embriagado assim. Apenas o suficiente para não se importar com o fato de que, mais uma vez, voltava para casa sozinho. — Finalmente — a voz firme de Eduardo o deteve antes que alcançasse seu quarto. Max ergueu os olhos, piscando ao vê-lo sentado em uma poltrona no corredor, os cotovelos apoiados nos joelhos e um olhar severo no rosto sempre impecável. — Ora, ora… Ficou com saudades,
A casa-grande pulsava com uma energia rara, como se pressentisse um acontecimento fora do comum. Criados iam e vinham em um ritmo quase coreografado, ajeitando arranjos florais, polindo talheres e finalizando a preparação de um jantar que exalava riqueza. O ar era tomado por aromas sedutores — carne assada, frutas frescas, pão recém-saído do forno — tudo misturado ao perfume doce das flores de laranjeira, recém-colhidas para enfeitar os salões. Cecília observava o movimento do alto da escadaria, com um aperto no estômago que insistia em não passar. O vestido azul celeste que usava, escolhido pela mãe, realçava sua figura esguia e o tom de sua pele clara, mas ela se sentia como uma boneca vestida para encenação. Havia algo naquele dia — algo que não sabia nomear — que lhe dava a sensação de que sua vida estava prestes a mudar. — Parece que vão receber o imperador e eu não fui avisada — murmurou, ajeitando uma mecha solta atrás da orelha. Helena e Amélia sumiram no meio dos preparativ
A copa estava mais fresca do que o salão principal, com o aroma doce de canela e baunilha pairando no ar. A luz das lamparinas era mais suave ali, lançando sombras quentes nas prateleiras repletas de louças e potes de compotas caseiras. Cecília inspirou fundo, tentando acalmar os nervos enquanto Dona Ivone organizava pratos para a sobremesa. A cozinheira-chefe, uma mulher robusta e de feições gentis, observou-a de soslaio antes de se aproximar. — Menina, você está mais pálida do que um fantasma — murmurou em tom baixo, pegando a sua mão com delicadeza. — O que foi? Cecília hesitou. Não sabia como colocar em palavras aquele tumulto de emoções. A presença de Max a desestabilizava de um jeito que ela não queria — não podia — admitir. — Estou bem — mentiu, desviando o olhar para o avental imaculado de Dona Ivone. — Apenas cansada. — Ah, não me engana, Cecília. Conheço você desde que usava laços no cabelo. Tem algo lhe incomodando, e não é só cansaço. O calor subiu ao seu rosto.