As ruas do Rio de Janeiro fervilhavam sob o sol da tarde, um contraste vibrante entre as construções elegantes e o caos colorido de carroças, vendedores ambulantes e o burburinho incessante da cidade em crescimento. Cecília, Amélia e Helena caminhavam lado a lado, seus vestidos esvoaçando a cada passo gracioso pelas calçadas de pedras irregulares. A prova do vestido havia sido exaustiva – ao menos para Cecília. Amélia, por outro lado, parecia cheia de energia e ideias que, para o desespero das irmãs, beiravam a completa imprudência. — Vocês sabiam — começou Amélia, ajeitando os cabelos presos em um coque displicente — que em Paris as mulheres já usam calças em público? Helena quase engasgou ao ouvir aquilo. — Calças? — O tom de incredulidade quase fez Cecília rir, mas ela se conteve. — Sim. — Amélia abriu um sorriso travesso. — E nem por isso a sociedade desmoronou. Imagine, andar a cavalo sem precisar de todas aquelas saias insuportáveis. E mais… — Seus olhos brilharam com
— Vocês já foram beijadas de verdade? A pergunta de Amélia rompeu o silêncio confortável da sala de visitas como uma pedra atirada em águas calmas. Helena engasgou com o chá. Cecília, por sua vez, permaneceu imóvel, os dedos delicadamente pousados na lateral da xícara, como se a pergunta não tivesse feito seu coração tropeçar por um segundo. — O quê? — Helena conseguiu balbuciar, as bochechas em um tom de rosa intenso. — Ora, não façam essa cara de santas — Amélia continuou, inclinando-se mais para frente no sofá, o olhar divertido passeando entre as irmãs. — Um beijo de verdade. Não aquele selinho casto que um cavalheiro dá na mão ou na testa. Estou falando de um beijo como deve ser. Forte, quente… — Ela sorriu, maliciosa. — Com as mãos explorando lugares que, segundo mamãe, levariam qualquer dama diretamente à perdição. — Amélia! — Helena exclamou, quase derramando a xícara no colo. — Não me olhe assim, caçula. Não me diga que nunca imaginou. — Eu não penso nessas… coisas — p
Nos dias que se seguiram ao encontro na sorveteria, Cecília tentou – com todas as forças – afastar os pensamentos que insistiam em voltar para ele. Max. Ela tentou ocupar a mente com os preparativos do casamento, com as reuniões intermináveis de sua mãe e as discussões sobre flores e tecidos. Mas, no silêncio das noites quentes, quando a cidade adormecia, seu coração ainda acelerava ao lembrar do olhar dele – aquele olhar que a despia camada por camada, como se soubesse cada segredo que ela escondia. E quanto mais tentava se convencer de que Max não era nada além do irmão do homem com quem se casaria, mais seu coração se apertava. Até que, numa tarde abafada, enquanto estava no jardim supervisionando a entrega de flores para o casamento, ouviu algo que a fez congelar. — O senhor Max é mesmo um caso perdido — cochichou uma das criadas para a outra, ambas ajoelhadas junto às roseiras. — O viram na taberna de novo ontem à noite. Dizem que tem jogo, bebida... e mulheres que nem se im
As palavras dele ainda ecoavam na mente de Cecília. "Há coisas em mim que você não deveria desejar." Mas naquele momento, naquele canto escuro da taberna, tudo o que ela conseguia sentir era o calor do corpo dele tão próximo ao seu. O cheiro de tabaco misturado ao perfume amadeirado que a entontecia. Os dedos fortes ainda em volta de seu braço, como se ele não conseguisse deixá-la partir. E ela não queria partir. Só uma vez. Só uma vez e depois esqueceria. Enterraria aquele desejo no fundo da alma, se casaria com Eduardo e tudo voltaria ao lugar. — Eu deveria ir — sussurrou, mas sem mover um único músculo. Max sorriu – um sorriso amargo e perigoso. — Então vá, Cecília. — Os olhos dele queimavam os dela. — Ninguém está te impedindo. Mas ele estava. A presença dele a prendia mais do que qualquer corrente. E quando ele soltou seu braço para provar que não a deteria, ela ficou. A capa escorregou de seus ombros enquanto Cecília deu um passo à frente. — Uma única vez
O quarto estava mergulhado em penumbra, iluminado apenas pela luz fraca de um lampião esquecido em um canto. O cheiro amadeirado do álcool misturava-se ao perfume doce da pele de Cecília, um lembrete torturante do que ele acabara de fazer. Max estava deitado ao lado dela, o corpo ainda quente, mas a mente já tomada por uma maré sufocante de culpa. Você é um desgraçado, Max. Um libertino sem honra. Ele fechou os olhos com força, tentando apagar a imagem dela — os lábios entreabertos, o corpo tremendo sob o dele, a inocência que ele tomou sem hesitar. Cecília não pertencia àquele lugar. Não pertencia a ele. E, ainda assim, ele a quis. A cada toque, a cada gemido entrecortado, ela se entregou como se fosse feita para ele. Como se, por um breve instante, o mundo lá fora não existisse. Mas agora, na quietude cruel que veio depois, tudo o que restava era a consciência pesada e amarga. A jovem ao seu lado, com os cabelos escuros espalhados como um véu no travesseiro áspero, par
Os Monteiro de Alcântara não eram apenas uma família — eram uma instituição. Dos salões elegantes do Rio de Janeiro aos campos dourados das fazendas de café no Vale do Paraíba, o nome Monteiro de Alcântara inspirava respeito, temor e, em muitos casos, inveja. Donos de vastas terras, aliados a políticos influentes e com raízes profundas no ciclo do café, a fortuna da família não era apenas antiga — era quase indestrutível. Joaquim Monteiro de Alcântara, o patriarca, fizera questão de reforçar isso em cada aspecto de sua vida. Rígido, inabalável e com uma visão clara do dever, ele carregava nas costas o peso do nome que herdara e que, um dia, passaria para seu primogênito. Não havia espaço para fraquezas, e certamente não havia espaço para escândalos. Era por isso que, naquela tarde abafada de janeiro, a Fazenda Boa Esperança estava em alvoroço. O salão principal, com suas paredes adornadas por tapeçarias europeias, ecoava com o som abafado de criados em movimento, preparando-se p
O calor da tarde pairava sobre a Fazenda Boa Esperança, denso e preguiçoso. Mesmo com as amplas janelas abertas, o ar morno se espalhava pelos corredores de mármore polido. Do lado de fora, os campos de café ondulavam sob o sol dourado, estendendo-se até onde os olhos alcançavam — um lembrete constante da riqueza dos Monteiro de Alcântara. No entanto, dentro da casa grande, nem mesmo a grandiosidade das tapeçarias importava para Cecília naquele momento. Sentada à penteadeira do quarto, ela encarava seu próprio reflexo, o coração batendo mais rápido do que deveria. As criadas trabalhavam a seu redor, ajeitando os últimos detalhes do penteado e do vestido de linho em um delicado tom de lavanda. Por fora, tudo parecia perfeito — mas dentro dela, uma inquietação crescia. Hoje, ela conheceria o homem que, segundo a vontade do pai, seria seu marido. "Eduardo Vieira de Sá." O nome ecoava em sua mente como um destino já traçado. — Está linda, senhorita Cecília — elogiou uma das cria
Maximiliano Vieira de Sá não acreditava em coincidências. Mas ali estava ele, recostado preguiçosamente contra a parede do salão principal da Fazenda Boa Esperança, observando a jovem que, minutos antes, quase desabara em seus braços — a mesma jovem que, agora, sorria delicadamente para seu irmão mais novo. Cecília. Ah, bela Cecília! O nome combinava perfeitamente com ela: suave, inocente… e irritantemente tentadora. Max deslizou a língua pelo canto da boca, ainda sentindo um vestígio do perfume floral que a envolvera quando seus corpos se tocaram. Jasmim, talvez. Ou algo ainda mais doce. O suficiente para provocar um homem acostumado a prazeres mais carnais — e nada inocentes. O decote do vestido lilás subia e descia sutilmente enquanto ela respirava, e ele não pôde deixar de notar a curva generosa dos seios empinados. Pequena, mas perfeitamente moldada. Feita para ser tocada. E, céus, ele tinha tocado. — O que está pensando, Max? — A voz de Eduardo interrompeu seu deva