Ethan Whitmore
O cheiro de sangue impregnava o ar, aguçando meu olfato e fazendo meus instintos lupinos vir à tona. A floresta ao nosso redor era um santuário intocado pelos humanos, um lugar onde a natureza ainda reinava soberana e nos dava a liberdade de sermos os lobos que éramos. A luz do luar se filtrava por entre as folhas das árvore, criando sombras no solo úmido e coberto de folhas caídas. O ar era carregado com o perfume de pinheiros, terra molhada e a presença distante de um alce, nossa presa. Eu amava o poder que a caçada trazia. Não era a fome que me movia, mas a excitação de sentir minha força, minha conexão com meus irmãos, com a terra e com a fera que habitava dentro de mim. Éramos uma matilha, sempre unidos. Porra, lobos nunca estão sozinhos. Corríamos juntos em movimentos sincronizados. Minhas patas, ainda em meu corpo de lobo, se moviam em silêncio sobre o chão de terra macia. Meu pelo marrom escuro se camuflava entre os troncos e as sombras da floresta, enquanto meus seis irmãos se moviam ao meu lado. Colin, o mais velho de nós, liderava como o alfa líder que ele era. Seu pelo negro como a noite fazia que fosse a camuflagem perfeita na escuridão da floresta. Ao seu lado estava Cassia, a única mulher entre nós irmãos, ela era ágil e graciosa com seus indescritíveis olhos dourados. Ela era rápida como o vento, correndo a toda velocidade enquanto avançava em direção ao alce. Os outros irmãos formavam um semicírculo ao redor do animal, cada um sabendo qual papel desempenhar. Isso era algo que não precisávamos dizer um ao outro, era instinto. Um instinto que nascia conosco e se tornava mais forte a cada caçada. Colin deu o primeiro salto, atacando a lateral do animal. Seu rugido ecoou pela floresta, assustando os pássaros que dormiam nos galhos mais altos. Ataquei pelo flanco, minhas presas cravando na carne quente do alce. O gosto metálico do sangue preencheu minha língua, misturando-se ao cheiro da terra e das folhas úmidas ao redor. O alce lutava desesperado, mas era inútil. Ele teria uma morte rápida e quase indolor se parasse de resistir. Mas o animal estava teimoso, a vontade de viver ainda era forte em seu corpo. Foi quando meu irmão Alec, o segundo mais novo da matilha, deu um golpe fatal. Ele mordeu a jugular do alce fazendo que ele finalmente caísse no chão sem vida. O Alec quase sorriu, se pudesse fazer isso em sua forma lupina. Nós começamos a nos deliciar com sua carne macia, nossas respirações pesadas se misturando no ar gelado da noite. O gosto da carne era suculento, cada mordida aplicando meu desejo de matar. Era um prêmio delicioso pelo esforço que fizemos e eu aproveitava cada pedaço. Nossa caçada não era só pelo alimento, era pela sensação de estar vivo, de ser parte da matilha, de ser lobo. Logo nossa fome estava saciada, começamos a nos erguer, um a um, sobre as patas traseiras. O som de ossos se ajustando e músculos se alongando preenchia o ar, o esforço da transformação humanoide sempre fazia minha pele formigar. Minha mão, ainda coberta por uma camada fina de pelo, tocou a terra antes de me endireitar. Eu era mais alto e imponente do que qualquer humano poderia ser, mas ainda assim, não era maior que meus irmãos mais velhos. Altura era o único quesito que eu e Alec éramos parecidos. Olhei ao redor enquanto meus irmãos se transformavam em humanos. Colin já estava em uma forma humana perfeita, seus olhos escuros brilhavam com a autoridade de quem não precisava pedir respeito: ele o exigia. Caleb, ao lado dele, ainda mantinha parte de suas garras e um brilho animalesco nos olhos. Ele sempre demorava mais para se adaptar, como se quisesse aproveitar cada momento de sua forma lupina antes de abandoná-la. Cassia estava perto de mim, já quase completamente humana. Com 1,85m, ela era alta para os padrões humanos, todavia entre nós, parecia menor mas não menos feroz. Ela limpava um resquício de sangue do canto da boca, a expressão serena, pois aquilo era mais uma parte de nossa rotina. Liam e Alec, como sempre, pareciam os mais relutantes em abandonar seus traços lupinos. Alec ainda tinha presas visíveis e um rastro de pelo cinza nos braços enquanto sorria de forma desafiadora, ignorando o olhar irritado de Colin. — Quantas vezes eu já disse para vocês? — Colin rosnou, sua voz grave e imponente. — Fiquem na forma mais humana possível. Já é difícil o suficiente manter a discrição sem que pareçam um bando de monstros saídos de um pesadelo. Revirei os olhos, cruzando os braços enquanto respirava fundo, deixando o cheiro da floresta preencher meus pulmões. Sentia falta disso. O mundo humano era entediante. Nada se comparava à adrenalina de uma caçada, da perseguição a presas ou a sensação de vitória ao abater a presa como um prêmio.Apesar de podermos nos misturar aos humanos, nunca seríamos como eles. Mesmo em nossas formas humanas, éramos altos, rápidos e fortes de uma maneira que chamava atenção. Qualquer humano que nos visse saberia que tem algo diferente em nós. — Relaxe, Colin — falei finalmente, quebrando o silêncio. — Não é como se algum humano tivesse nos visto aqui no meio do nada. — Não importa, Ethan — ele retrucou, cruzando os braços. — É sobre discrição. Precisamos manter nosso disfarce o máximo possível, devemos agir como lobos apenas quando estamos em forma de lobos. Alec riu, ainda em sua forma meio lupina, exibindo os dentes afiados. — Relaxa, chefe. Disciplina ou não, ninguém aqui é mais humano do que você. Colin lançou-lhe um olhar que poderia perfurar um diamante, e eu tive que esconder um sorriso. Todos ali sabiam que ele tinha razão, mas isso não significava que deixaríamos de provocá-lo. Afinal, éramos uma matilha, e isso significava que brigas, e provocações, faziam parte do p
Alec levantou as mãos em um gesto de rendição, mas o brilho divertido em seus olhos continuava presente. — Tudo bem, tudo bem. Só estou dizendo que Scarlett é uma boa escolha, mesmo sem ser sua destinada. — Scarlett é uma boa escolha porque é conveniente, não porque há sentimentos entre nós — retruquei, cansado daquela conversa. — E antes que qualquer um de vocês diga algo, eu sei o que está em jogo. Colin, que até então permanecera em silêncio, ergueu a mão para interromper a conversa. — Basta. Scarlett é assunto dele, não nosso. E todos sabemos que achar a destinada não é algo que se força. — Mas ainda é nossa responsabilidade garantir que ele esteja fazendo o melhor para a família — insistiu Alec, mas desta vez sua voz tinha menos provocação. — E eu farei — disse, meu tom firme enquanto olhava para cada um deles. — E não hesitarei em fazer, mesmo que seja casar com Scarlett. Por um momento, o silêncio pairou entre nós, cada um digerindo as palavras. Então Cassia sor
— Alec, você vai cuidar da tecnologia. Você sempre foi o mais curioso entre nós, e tem um talento especial para entender o futuro antes de ele acontecer. Alec levantou uma sobrancelha, parecendo surpreso, mas satisfeito. — Tecnologia, hein? Não posso reclamar disso. Colin então voltou o olhar para mim. Seu olhar parecia pesar um pouco mais ao pousar sobre o caçula da família. — Ethan, você vai cuidar da construção e das empreiteiras. — Construção? — Perguntei, surpreso. — Sim — respondeu ele, com firmeza. — Você tem uma maneira única de visualizar o que pode ser feito, de transformar o impossível em algo concreto. É disso que esse ramo precisa. — E a força bruta também ajuda — acrescentou Alec, com um sorriso provocador. Revirei os olhos, mas Colin ergueu a mão, pedindo silêncio. — Isso não é uma questão de força — ele disse, o tom impaciente. — É uma questão de visão e persistência, e Ethan tem ambos. Olhei para ele, tentando entender se era um elogio ou um desaf
Alec e eu trocamos um olhar rápido antes de assumirmos nossas posições. As brincadeiras e provocações de minutos atrás desapareceram, substituídas pela tensão de não sermos mais os caçadores, e sim, a caça. — Eles nos encontraram — murmurei, os olhos varrendo as sombras da floresta. — E não vieram para conversar. — Fiquem juntos! — ele ordenou, a voz um rosnado grave. Isso não foi um acidente. Alec e eu, que estávamos prestes a sair em disparada na corrida provocada minutos antes, paramos abruptamente. Alec olhou para mim, a brincadeira desaparecendo de seus olhos cinzentos, substituída por alerta, e o pior, medo. —Você sentiu? — ele sussurrou para mim, sua respiração tensa e descompassada. — Não. Mas ouvi o tiro antes que chegasse. O terceiro tiro veio mais rápido, atravessando o ar como um aviso. Dessa vez, passou tão perto de Cassia que ela teve que se abaixar para evita-lo. Os caçadores iriam acabar acertando um de nós e não poderíamos deixar isso acontecer. —
Ethan Whitmore O som dos saltos da minha secretária invadiu meu escritório antes mesmo de eu erguer os olhos da pilha interminável de papéis que precisava assinar. Suspirei, deixando a caneta de lado por um momento. Ela entrou com mais uma pilha de documentos nos braços, sempre com aquele perfume que era doce demais. Odiava quando ela aparecia no escritório com esse perfume, era sempre enjoativo e me dava náuseas depois. Por que humanos têm essa necessidade absurda de mascarar seus cheiros? Pensei, enquanto meu nariz se contorcia involuntariamente com o aroma artificial que ela carregava. Não era ruim, mas para alguém como eu, com sentidos tão aguçados, era quase insuportável. — Senhor Whitmore — disse ela, colocando os papéis na mesa com cuidado. Sua voz era educada, profissional, mas havia algo a mais nela. Um resquício de hesitação que não passava despercebido para mim. Eu a encarei por um segundo, tentando decifrar se aquele receio vinha do fato de eu ser seu chefe, o
Mas não, eu era o responsável. O “maduro”. O caçula que tinha que provar que podia ser tão confiável quanto os mais velhos. Respirei fundo, deixando o ar frio preencher meus pulmões e, aos poucos, soltei, tentando dissipar o impulso violento que pulsava dentro de mim. Olhei para os papéis na mesa. Contratos, propostas, análises financeiras. Tudo aquilo parecia gritar que eu não podia largar agora. Mas, de repente, isso não parecia tão importante assim. Eu me levantei, ignorando o ranger da cadeira de couro enquanto ela voltava para sua posição. Caminhei até a porta e a abri, chamando minha secretária, que estava sentada na mesa do lado de fora. Ela ergueu os olhos para mim, as sobrancelhas arqueadas em surpresa. Fitei ela enquanto controlada o meu tom de voz para não soar ríspido. Ela abriu a boca para perguntar mais alguma coisa, mas já não me importava. Peguei meu celular e saí do escritório com
O caos de cheiros na cidade era sufocante. O perfume dos humanos ao meu redor se misturava com o aroma de gasolina, comida de rua, fumaça. Fechei os olhos por um segundo, respirando fundo, tentando isolar o cheiro do atirador, mas tudo o que consegui foi um monte de fragrâncias enjoativas. Perfumes florais, cítricos, amadeirados. Humanos sempre mascaravam seus cheiros naturais com esses aromas artificiais. Uma prática que eu nunca compreendi e odiava ainda mais nesses momentos. Malditos perfumes humanos. Pensei, apertando o passo pela multidão. Precisava sair dali, encontrar um lugar mais calmo onde pudesse me concentrar. Mas antes que pudesse tomar outra decisão, ouvi o som abafado de outro disparo. O instinto me salvou mais uma vez. Me joguei para o lado, quase tropeçando em um grupo de pedestres, enquanto o projétil passava a centímetros do meu ombro. As p
Quando meus olhos finalmente se fixaram nela, o tempo pareceu parar. Todo o caos, o barulho da cidade, os caçadores me perseguindo nada disso existia mais. Havia apenas ela. Apenas aquela figura me importava. Sua pele era de uma palidez delicada e seus olhos, castanhos claros, que eram iguais âmbar. Mas o que mais me prendeu foi o seu cabelo. Longos fios ruivos, com um tom acobreado tão vibrante que me fez pensar nas folhas de outono. Ela era perfeita. Não no sentido mundano e superficial que eu sempre desprezei, mas perfeita de um jeito que fez meu peito apertar, como se toda a minha existência tivesse sido um prelúdio para este momento. Para ela. Apenas para ela. Tudo seria por ela. Era como se o universo estivesse sussurrando que ela era minha, que ela era a razão para tudo. Minha destinada. E então, a realidade me atingiu como um golpe seco. Ela era huma