Peter Strall espera ter uma vida tranquila em Nova York, com seus poucos amigos e um emprego comum, longe de seu passado conturbado. No entanto, por mais que tente fugir, algo dentro dele anseia por acordar. Peter precisará voltar ao local de sua queda e lutar contra uma força maior do que ele, mesmo que venha a custar o resto de sua sanidade. A floresta clama pelo despertar. Carregado de um suspense psicológico, Desperta é uma viagem pela psique humana em busca de redenção.
Ler maisO homem bebericou o café morno e olhou pela janela da lanchonete Stop 20, do jeito que havia se acostumado a fazer desde que voltara para Nova York. Apesar dos muitos veículos e transeuntes que passavam apressados, seus olhos vagavam no letreiro da loja do outro lado da rua. Barney’s Hardware. Embora uma intrometida árvore bloqueasse boa parte das letras, ele sentia-se bem, sabendo que estava próximo a um nome tão especial. Podia ser bobeira, ele sabia, mas era uma bobeira que fazia questão de ter. — Amanhã vai fazer quanto tempo? — perguntou a mulher fardada ao sentar-se no banco oposto. — Putz, este café já está morno. — Cinco anos... — respondeu, pensativo, antes de olhar para ela. — Isso que dá demorar para se trocar. — Ah, é? Tu vai ver só, Sr. Strall. — Vou ver? Pode vir quente que eu estou fervendo, Sra. Strall! — respondeu, aos risos. — Tem falado com alguém de lá? — Pior que não. A última vez que falei com o Oswald fo
***O sopro congelante continuava a castigar o trio que gritava diante da última porta. Era a única coisa que podiam fazer no estado em que se encontravam. Como se as palavras os ajudassem a esquecer, ao menos um pouco, o sofrimento em seus corpos. Cada tossida de Oswald era acompanhada por olhares preocupados de Janet e Arza, porém elas não paravam de lançar palavras confiantes a Peter. Se Arza estivesse certa, o clima terrível que havia caído sobre eles tinha o intuito de acuá-los. Ao invés de dezenas de patas e pinças afiadas, o inimigo havia se moldado às circunstâncias. Mas quem era o inimigo? Tal pergunta martelava a cabeça de Janet enquanto ela continuava chamando por Peter. Seus pensamentos foram cortados quando Oswald caiu sobre a neve acumulada perto da porta.— Oswald!?Janet ajoelhou-se ao seu lado, sentindo a pele gélida do idoso.
A consciência é uma pequena lanterna que a solidão acende à noite.Madame de StaëlAs copas das árvores cintilavam com o manto prateado lançado pela lua tristonha. Bordos Açucareiros, Ciprestes e Salgueiros permaneciam dispostos lado a lado, dividindo o espaço com as vistosas Tulipeiras, cujas flores desabrochadas adornavam a floresta. Um sopro refrescante lambia o rosto salpicado de terra de Janet, Oswald e Arza, embora seus pensamentos ainda estivessem presos junto à bocarra monstruosa da lacraia de outrora. Haviam atualizado Peter quanto ao acontecido enquanto ele esteve fora, e ninguém queria imaginar o que viria a acontecer com a última porta.— Peter, se acontecer algo com a gente, saiba que não será sua culpa — comentou Oswald, antes de levar uma cutucada de Arza.— O que ele quer dizer é para você n&a
A cada minuto que passamos com raiva, perdemos sessenta felizes segundos.Somerset MaughamCom um impulso desengonçado, Arza colocou os pés no chão para receber o jovem que havia acabado de voltar da primeira porta. Notou como o semblante de Peter, mesmo naquele breu, estava com uma melhor aparência. A postura também parecia estar menos pesarosa. O que tivesse acontecido lá dentro, o havia modificado. Ela tinha seus palpites. Abaixou a cabeça e se lembrou dos seus dias solitários. Dos demônios que havia permitido conviver com ela. Estava feliz por Peter, mas, uma tristeza amarga corroía o seu coração. O que ela havia deixado de viver por causa do medo? Quem havia deixado de conhecer? Afastou a nuvem cinza que vivia em seus pensamentos e escancarou os dentes amarelados na forma de um singelo sorriso. Peter iria precisar de todo apoio para passar pelas outras portas,
A ansiedade e o medo envenenam o corpo e o espírito.George Bernard ShawPeter atravessou a primeira porta e se viu cercado por um enorme muro que parecia ser formado inteiramente por uma espessa vegetação. O véu de trevas cobria o céu, a ponto de ofuscar o brilho celeste. Uma parte dele queria voltar. Queria chegar para os outros três na clareira e dizer: “Desculpa, galera, mas não vai dar!”. A outra, mesmo que de forma tímida, se mostrava mais curiosa, e era essa que ele precisava escutar.— E agora? — disse, temeroso, ao olhar para trás.— Agora você precisa seguir em frente. Respire fundo e veja com calma tudo à sua volta. Sempre há uma saída.— Certo... Ver com calma... Ver com calma... ALI!Apesar da sensação de que suas pernas falhariam a qualquer momen
O malfadado quarteto adentrou a floresta a passos vacilantes. Cada um deles lidava com os questionamentos que pincelavam a tela rabiscada em suas mentes — embora Arza mantivesse o semblante de fascínio no rosto enrugado —, no entanto, o pensamento comum era que estavam se infiltrando no corpo de algo vivo. Era como se estivessem fazendo uma incursão para o interior de um gigante caído, mas que permanecia vivo o suficiente para tremelicar a carne e os ossos. O movimento da vegetação em volta era como uma profunda respiração, mais cadenciada do que a dos quatro intrusos.Arza olhava em volta, com tamanho desejo, que seus olhos caídos chegavam a brilhar em uma intensidade que há muito havia desaparecido. Quem diria que ela houvesse de encontrá-lo justamente ali. Embora não fosse ela a convidada especial, por um breve momento, enquanto fechava os olhos e respirava em harmonia com a floresta,
A sombra na porta chamou a atenção de Oswald. Apesar de estar contra a luz do fim da tarde, poderia reconhecer os traços inconfundíveis mesmo com seus olhos cansados. Sim, ele estava diferente, claro, mas aqueles traços eram os mesmos do menino que um dia fora seu filho emprestado.— Oswald? Voltei — disse Peter, sem jeito e com os olhos marejados.— Peter? O meu Peter? Meu Deus! — exclamou o velho, levantando-se de sua posição curvada. — Eu sabia que você estava vindo! Eu sabia! — E deu um longo e forte abraço em seu amigo, o que fez sua costela ranger.Peter sorria como há muito não fazia. Era um sorriso livre, limpo e inocente, coisa que ele achava que estava perdido para sempre.— Você ainda é o Peter que eu conheço!Oswald passava as mãos pelo rosto do jovem de semblante
— Fico feliz que tenha voltado — disse Anna, com a caneta entre os dedos.— É, digamos que o nosso primeiro encontro.. quero dizer, não “encontro”, né? — respondeu Peter, sem jeito. — Nossa primeira conversa foi intrigante.— Posso dizer que você decidiu mudar? — Anna inclinou-se à mesa e deu algumas batidinhas com a caneta em cima do caderno, deixando inúmeros pontinhos azuis na folha branca. — Lembre-se de que não será fácil. Está pronto?— Eu... Sim. Estou pronto — disse, tentando sustentar a convicção em sua voz, enquanto pressionava os dedos da mão esquerda por debaixo da mesa.***Eles pagariam pelo que fizeram e pelo que deixaram acontecer. Pelo que viram e por fecharem os olhos. Pelo que ouviram e por taparem os ouvidos. Um a um. N&ati
Charles Emery limpava o balcão de sua lanchonete no momento que os primeiros gritos ecoaram pelo bairro. Viu seu assíduo cliente, sargento Callab, passar veloz com a conhecida viatura — rebaixada pelo peso do dono — caindo aos pedaços. Imaginou que o homem devia estar com a corda no pescoço para ir trabalhar com tanta dedicação. Do outro lado da rua avistou o casal Fitch discutindo. Falavam alto e com rispidez. O modo como Antony berrava com sua esposa causou grande desconforto em Charles. Talvez fosse uma discussão corriqueira? Talvez a sua intromissão piorasse as coisas para a mulher? Segurou o cabo do taco de beisebol — que continha uma falsa assinatura de A-Rod, feita pelo seu tio, no seu aniversário de 12 anos. Charles soube pouco tempo depois que o taco era tão original quanto seu boné velho d