Callab Watson aguardava, com visível ansiedade, em sua sala-esconderijo as notícias sobre o desenrolar das investigações. Estava certo de que havia um louco à solta em Melford, e quanto menos colocasse o rosto largo à mostra, melhor. Apesar de, por muitas vezes, ter desejado que algo ruim acontecesse consigo próprio — principalmente na época da separação —, queria viver, mesmo que fosse na companhia dos chocolates e frituras. Seu telefone estava em cima da mesa, desligado. Na parte da manhã havia tocado sem parar e o nome do capitão estampava a pequena tela trincada tal qual um letreiro iluminado em uma viela escura. Não tinha o que e nem como falar com Henry. No mínimo, ficaria com a orelha vermelha de tanto que seria xingado. Como se não bastasse o celular, o telefone fixo esperneou irritado. Como ninguém ligava para aquele número, Callab havia esqueci
Durma, Criança!Ele está chegandoTrazendo os velhos sonhos roubadosDos tortuosos caminhosEle não entendia aquele olharO que havia naquela janela para tanto espiar?Vislumbrava o futuro incertoOu o passado que teimava em ficar?Durma, Menino!Ele já vai chegarTrazendo os velhos sonhos roubadosDos tortuosos caminhosAcordou como de súbitoEncontrar a mulher de branco era o seu intuitoNa floresta deparou-se com o momento fortuitoOnde os pés delicados flutuavam muitoApontavam os dedos miúdosE escancaravam os dentes pontudosBrincavam, zombavam e batia
— Tio Oswald, eu não quero ir para escola...— Eu sei que não, mas seus amigos querem te ver... — respondeu, coçando atrás da orelha.— Não querem, nada. Eles são todos uns mentirosos! — disse em voz alta e voltou a colocar o travesseiro por cima da cabeça.— E os desenhos que eles fizeram para você? Se esqueceu?Peter olhou pela brecha do travesseiro em direção à parede onde Oswald havia colado os desenhos que havia recebido do colégio, no intuito de amenizar o luto que ainda pesava sobre o menino. Após a morte de Justine, Oswald tornou-se mais do que um simples amigo da família. Agora ele era A família de Peter. Ao menos, era o único que se importava com ele. A última aparição de Barney havia sido no mês passado, justamente no velório da esposa. Falava alto e pisava torto dev
— Você compreende que o grande problema não é aquilo que acontece à sua volta, mas o modo como você lida com ele?— Eu sempre acreditei que esse fosse o meu jeito. Esse... defeito que tenho na minha cabeça.— Sim, tornou-se seu, mas não é você. Você é um reflexo daquilo que almeja, e não o que os outros dizem ou apontam.— Mas como posso ser eu de verdade, se tudo o que vejo quando me olho no espelho é um espantalho? Por mais que eu queira, não consigo sair do lugar.— Agora chegamos a um ponto comum — respondeu a Dra. Anna, com os dedos das mãos entrelaçados e o cotovelo apoiado na mesa. — Você tem que “viajar” para dentro de si mesmo e voltar ao ponto de partida.— Viajar?— Sim, arrume as malas e aproveite a viagem.— Mas ir aonde?
A paisagem pacata e tediosa de Melford ganhava outros tons com o avanço furioso dos tentáculos que vinham da floresta. Os animais domésticos — aqueles que tiveram a sorte de não terem adoecidos — latiam, miavam e piavam de forma enlouquecida para algum tipo de inimigo invisível do outro lado da porta trancada, como se quisessem afastar o anjo da morte da casa de seus donos, que em sua maioria permaneciam recolhidos embaixo das mesas e camas, do modo que aprenderam pela televisão em como agir nas situações de perigo, como tiroteios ou desastres naturais. As revoadas dos mais diversos tipos de pássaros cobriam o céu da cidade à procura de um lugar mais seguro para construírem seus ninhos.O pequeno Norton W. Jenkins foi o primeiro dos locais, que se trancafiaram em suas simplórias residências, ao notar a sombra que cobria a janela do quarto, mesmo o sol ainda flutuando n
Charles Emery limpava o balcão de sua lanchonete no momento que os primeiros gritos ecoaram pelo bairro. Viu seu assíduo cliente, sargento Callab, passar veloz com a conhecida viatura — rebaixada pelo peso do dono — caindo aos pedaços. Imaginou que o homem devia estar com a corda no pescoço para ir trabalhar com tanta dedicação. Do outro lado da rua avistou o casal Fitch discutindo. Falavam alto e com rispidez. O modo como Antony berrava com sua esposa causou grande desconforto em Charles. Talvez fosse uma discussão corriqueira? Talvez a sua intromissão piorasse as coisas para a mulher? Segurou o cabo do taco de beisebol — que continha uma falsa assinatura de A-Rod, feita pelo seu tio, no seu aniversário de 12 anos. Charles soube pouco tempo depois que o taco era tão original quanto seu boné velho d
— Fico feliz que tenha voltado — disse Anna, com a caneta entre os dedos.— É, digamos que o nosso primeiro encontro.. quero dizer, não “encontro”, né? — respondeu Peter, sem jeito. — Nossa primeira conversa foi intrigante.— Posso dizer que você decidiu mudar? — Anna inclinou-se à mesa e deu algumas batidinhas com a caneta em cima do caderno, deixando inúmeros pontinhos azuis na folha branca. — Lembre-se de que não será fácil. Está pronto?— Eu... Sim. Estou pronto — disse, tentando sustentar a convicção em sua voz, enquanto pressionava os dedos da mão esquerda por debaixo da mesa.***Eles pagariam pelo que fizeram e pelo que deixaram acontecer. Pelo que viram e por fecharem os olhos. Pelo que ouviram e por taparem os ouvidos. Um a um. N&ati
A sombra na porta chamou a atenção de Oswald. Apesar de estar contra a luz do fim da tarde, poderia reconhecer os traços inconfundíveis mesmo com seus olhos cansados. Sim, ele estava diferente, claro, mas aqueles traços eram os mesmos do menino que um dia fora seu filho emprestado.— Oswald? Voltei — disse Peter, sem jeito e com os olhos marejados.— Peter? O meu Peter? Meu Deus! — exclamou o velho, levantando-se de sua posição curvada. — Eu sabia que você estava vindo! Eu sabia! — E deu um longo e forte abraço em seu amigo, o que fez sua costela ranger.Peter sorria como há muito não fazia. Era um sorriso livre, limpo e inocente, coisa que ele achava que estava perdido para sempre.— Você ainda é o Peter que eu conheço!Oswald passava as mãos pelo rosto do jovem de semblante
O malfadado quarteto adentrou a floresta a passos vacilantes. Cada um deles lidava com os questionamentos que pincelavam a tela rabiscada em suas mentes — embora Arza mantivesse o semblante de fascínio no rosto enrugado —, no entanto, o pensamento comum era que estavam se infiltrando no corpo de algo vivo. Era como se estivessem fazendo uma incursão para o interior de um gigante caído, mas que permanecia vivo o suficiente para tremelicar a carne e os ossos. O movimento da vegetação em volta era como uma profunda respiração, mais cadenciada do que a dos quatro intrusos.Arza olhava em volta, com tamanho desejo, que seus olhos caídos chegavam a brilhar em uma intensidade que há muito havia desaparecido. Quem diria que ela houvesse de encontrá-lo justamente ali. Embora não fosse ela a convidada especial, por um breve momento, enquanto fechava os olhos e respirava em harmonia com a floresta,