O malfadado quarteto adentrou a floresta a passos vacilantes. Cada um deles lidava com os questionamentos que pincelavam a tela rabiscada em suas mentes — embora Arza mantivesse o semblante de fascínio no rosto enrugado —, no entanto, o pensamento comum era que estavam se infiltrando no corpo de algo vivo. Era como se estivessem fazendo uma incursão para o interior de um gigante caído, mas que permanecia vivo o suficiente para tremelicar a carne e os ossos. O movimento da vegetação em volta era como uma profunda respiração, mais cadenciada do que a dos quatro intrusos.
Arza olhava em volta, com tamanho desejo, que seus olhos caídos chegavam a brilhar em uma intensidade que há muito havia desaparecido. Quem diria que ela houvesse de encontrá-lo justamente ali. Embora não fosse ela a convidada especial, por um breve momento, enquanto fechava os olhos e respirava em harmonia com a floresta,
A ansiedade e o medo envenenam o corpo e o espírito.George Bernard ShawPeter atravessou a primeira porta e se viu cercado por um enorme muro que parecia ser formado inteiramente por uma espessa vegetação. O véu de trevas cobria o céu, a ponto de ofuscar o brilho celeste. Uma parte dele queria voltar. Queria chegar para os outros três na clareira e dizer: “Desculpa, galera, mas não vai dar!”. A outra, mesmo que de forma tímida, se mostrava mais curiosa, e era essa que ele precisava escutar.— E agora? — disse, temeroso, ao olhar para trás.— Agora você precisa seguir em frente. Respire fundo e veja com calma tudo à sua volta. Sempre há uma saída.— Certo... Ver com calma... Ver com calma... ALI!Apesar da sensação de que suas pernas falhariam a qualquer momen
A cada minuto que passamos com raiva, perdemos sessenta felizes segundos.Somerset MaughamCom um impulso desengonçado, Arza colocou os pés no chão para receber o jovem que havia acabado de voltar da primeira porta. Notou como o semblante de Peter, mesmo naquele breu, estava com uma melhor aparência. A postura também parecia estar menos pesarosa. O que tivesse acontecido lá dentro, o havia modificado. Ela tinha seus palpites. Abaixou a cabeça e se lembrou dos seus dias solitários. Dos demônios que havia permitido conviver com ela. Estava feliz por Peter, mas, uma tristeza amarga corroía o seu coração. O que ela havia deixado de viver por causa do medo? Quem havia deixado de conhecer? Afastou a nuvem cinza que vivia em seus pensamentos e escancarou os dentes amarelados na forma de um singelo sorriso. Peter iria precisar de todo apoio para passar pelas outras portas,
A consciência é uma pequena lanterna que a solidão acende à noite.Madame de StaëlAs copas das árvores cintilavam com o manto prateado lançado pela lua tristonha. Bordos Açucareiros, Ciprestes e Salgueiros permaneciam dispostos lado a lado, dividindo o espaço com as vistosas Tulipeiras, cujas flores desabrochadas adornavam a floresta. Um sopro refrescante lambia o rosto salpicado de terra de Janet, Oswald e Arza, embora seus pensamentos ainda estivessem presos junto à bocarra monstruosa da lacraia de outrora. Haviam atualizado Peter quanto ao acontecido enquanto ele esteve fora, e ninguém queria imaginar o que viria a acontecer com a última porta.— Peter, se acontecer algo com a gente, saiba que não será sua culpa — comentou Oswald, antes de levar uma cutucada de Arza.— O que ele quer dizer é para você n&a
***O sopro congelante continuava a castigar o trio que gritava diante da última porta. Era a única coisa que podiam fazer no estado em que se encontravam. Como se as palavras os ajudassem a esquecer, ao menos um pouco, o sofrimento em seus corpos. Cada tossida de Oswald era acompanhada por olhares preocupados de Janet e Arza, porém elas não paravam de lançar palavras confiantes a Peter. Se Arza estivesse certa, o clima terrível que havia caído sobre eles tinha o intuito de acuá-los. Ao invés de dezenas de patas e pinças afiadas, o inimigo havia se moldado às circunstâncias. Mas quem era o inimigo? Tal pergunta martelava a cabeça de Janet enquanto ela continuava chamando por Peter. Seus pensamentos foram cortados quando Oswald caiu sobre a neve acumulada perto da porta.— Oswald!?Janet ajoelhou-se ao seu lado, sentindo a pele gélida do idoso.
O homem bebericou o café morno e olhou pela janela da lanchonete Stop 20, do jeito que havia se acostumado a fazer desde que voltara para Nova York. Apesar dos muitos veículos e transeuntes que passavam apressados, seus olhos vagavam no letreiro da loja do outro lado da rua. Barney’s Hardware. Embora uma intrometida árvore bloqueasse boa parte das letras, ele sentia-se bem, sabendo que estava próximo a um nome tão especial. Podia ser bobeira, ele sabia, mas era uma bobeira que fazia questão de ter. — Amanhã vai fazer quanto tempo? — perguntou a mulher fardada ao sentar-se no banco oposto. — Putz, este café já está morno. — Cinco anos... — respondeu, pensativo, antes de olhar para ela. — Isso que dá demorar para se trocar. — Ah, é? Tu vai ver só, Sr. Strall. — Vou ver? Pode vir quente que eu estou fervendo, Sra. Strall! — respondeu, aos risos. — Tem falado com alguém de lá? — Pior que não. A última vez que falei com o Oswald fo
As folhas moviam-se numa dança singular com o transpassar de um vento penetrante e ameaçador. Um sopro gelado deslizava por entre as copas das árvores e seguia seu percurso, infiltrando-se por entre ciprestes e salgueiros, criando seu próprio caminho tortuoso. Seres furtivos saíam de seus esconderijos. Olhos arregalados fitando a sufocante escuridão, atentos a qualquer sinal de perigo. Zumbidos, ululas, chiados e coaxos ecoavam nos cantos, copas e tocas. A floresta estava viva, apesar do pútrido odor que emanava de suas entranhas.Pulsava como um coração prestes a entrar em colapso.Os passos firmes daqueles pés descalços deixavam marcas visíveis na terra enlameada. Apesar das lágrimas, não vacilou. Estava convicta. O tempo das incertezas há muito jazia no lago do esquecimento. Não havia mais disputa.“Você é jovem”.
As crianças riam sem parar. Apontavam os dedos pequenos e pontiagudos para ele. Carregavam nos olhos um vermelho vivo animalesco. Algumas babavam de tanto dar risada, outras batiam a cabeça sem parar na mesa escolar. Olhou para a professora, procurando por ajuda. Queria gritar, mas não havia voz. A Sra. Campbell permanecia de frente para o quadro escuro e escrevia com as próprias unhas, num estado catatônico: “VOCÊ É UM MENINO MAU! NINGUÉM GOSTA DE VOCÊ!”. Não havia portas ou janelas. Não havia escape.Peter acordou com o corpo encharcado de um suor frio. Tais pesadelos haviam se tornado recorrentes nos últimos dias, mas esse foi diferente. Real. A Sra. Campbell aparentava ser a mesma de sua lembrança, mesmo não tendo visto a pinta peluda que ela cultivava no canto da boca. Depois de tantos anos... Nos últimos dias, as lembranças de tudo que envolvia sua ci
Naquela manhã Callab Watson aguardava, com a boca aguada, o pão com ovos e bacon — e duas fatias extras, Camarada! — que Charles fazia com maestria. Era um ritual que ele cumpria todos os dias, apesar das inúmeras advertências do Dr. Alfred Wright. Para ele, ir à lanchonete do Charles era como ir ao banheiro. Uma necessidade fisiológica que o incomodava, até que ele repousasse o largo quadril em uma das banquetas do balcão. Charles olhava de soslaio para a barriga de Callab que se depositava em três camadas. Entre elas o suor acumulava de tal modo, que formava grandes manchas escuras e horizontais no uniforme amarrotado e sujo do sargento.Enquanto o cheiro do bacon pipocando na frigideira infestava a pequena lanchonete, ele bebericava uma xícara de açúcar com um pouquinho de café e assistia ao noticiário da manhã do canal 21, em que a apresentadora — que n