A sombra na porta chamou a atenção de Oswald. Apesar de estar contra a luz do fim da tarde, poderia reconhecer os traços inconfundíveis mesmo com seus olhos cansados. Sim, ele estava diferente, claro, mas aqueles traços eram os mesmos do menino que um dia fora seu filho emprestado.
— Oswald? Voltei — disse Peter, sem jeito e com os olhos marejados.
— Peter? O meu Peter? Meu Deus! — exclamou o velho, levantando-se de sua posição curvada. — Eu sabia que você estava vindo! Eu sabia! — E deu um longo e forte abraço em seu amigo, o que fez sua costela ranger.
Peter sorria como há muito não fazia. Era um sorriso livre, limpo e inocente, coisa que ele achava que estava perdido para sempre.
— Você ainda é o Peter que eu conheço!
Oswald passava as mãos pelo rosto do jovem de semblante
O malfadado quarteto adentrou a floresta a passos vacilantes. Cada um deles lidava com os questionamentos que pincelavam a tela rabiscada em suas mentes — embora Arza mantivesse o semblante de fascínio no rosto enrugado —, no entanto, o pensamento comum era que estavam se infiltrando no corpo de algo vivo. Era como se estivessem fazendo uma incursão para o interior de um gigante caído, mas que permanecia vivo o suficiente para tremelicar a carne e os ossos. O movimento da vegetação em volta era como uma profunda respiração, mais cadenciada do que a dos quatro intrusos.Arza olhava em volta, com tamanho desejo, que seus olhos caídos chegavam a brilhar em uma intensidade que há muito havia desaparecido. Quem diria que ela houvesse de encontrá-lo justamente ali. Embora não fosse ela a convidada especial, por um breve momento, enquanto fechava os olhos e respirava em harmonia com a floresta,
A ansiedade e o medo envenenam o corpo e o espírito.George Bernard ShawPeter atravessou a primeira porta e se viu cercado por um enorme muro que parecia ser formado inteiramente por uma espessa vegetação. O véu de trevas cobria o céu, a ponto de ofuscar o brilho celeste. Uma parte dele queria voltar. Queria chegar para os outros três na clareira e dizer: “Desculpa, galera, mas não vai dar!”. A outra, mesmo que de forma tímida, se mostrava mais curiosa, e era essa que ele precisava escutar.— E agora? — disse, temeroso, ao olhar para trás.— Agora você precisa seguir em frente. Respire fundo e veja com calma tudo à sua volta. Sempre há uma saída.— Certo... Ver com calma... Ver com calma... ALI!Apesar da sensação de que suas pernas falhariam a qualquer momen
A cada minuto que passamos com raiva, perdemos sessenta felizes segundos.Somerset MaughamCom um impulso desengonçado, Arza colocou os pés no chão para receber o jovem que havia acabado de voltar da primeira porta. Notou como o semblante de Peter, mesmo naquele breu, estava com uma melhor aparência. A postura também parecia estar menos pesarosa. O que tivesse acontecido lá dentro, o havia modificado. Ela tinha seus palpites. Abaixou a cabeça e se lembrou dos seus dias solitários. Dos demônios que havia permitido conviver com ela. Estava feliz por Peter, mas, uma tristeza amarga corroía o seu coração. O que ela havia deixado de viver por causa do medo? Quem havia deixado de conhecer? Afastou a nuvem cinza que vivia em seus pensamentos e escancarou os dentes amarelados na forma de um singelo sorriso. Peter iria precisar de todo apoio para passar pelas outras portas,
A consciência é uma pequena lanterna que a solidão acende à noite.Madame de StaëlAs copas das árvores cintilavam com o manto prateado lançado pela lua tristonha. Bordos Açucareiros, Ciprestes e Salgueiros permaneciam dispostos lado a lado, dividindo o espaço com as vistosas Tulipeiras, cujas flores desabrochadas adornavam a floresta. Um sopro refrescante lambia o rosto salpicado de terra de Janet, Oswald e Arza, embora seus pensamentos ainda estivessem presos junto à bocarra monstruosa da lacraia de outrora. Haviam atualizado Peter quanto ao acontecido enquanto ele esteve fora, e ninguém queria imaginar o que viria a acontecer com a última porta.— Peter, se acontecer algo com a gente, saiba que não será sua culpa — comentou Oswald, antes de levar uma cutucada de Arza.— O que ele quer dizer é para você n&a
***O sopro congelante continuava a castigar o trio que gritava diante da última porta. Era a única coisa que podiam fazer no estado em que se encontravam. Como se as palavras os ajudassem a esquecer, ao menos um pouco, o sofrimento em seus corpos. Cada tossida de Oswald era acompanhada por olhares preocupados de Janet e Arza, porém elas não paravam de lançar palavras confiantes a Peter. Se Arza estivesse certa, o clima terrível que havia caído sobre eles tinha o intuito de acuá-los. Ao invés de dezenas de patas e pinças afiadas, o inimigo havia se moldado às circunstâncias. Mas quem era o inimigo? Tal pergunta martelava a cabeça de Janet enquanto ela continuava chamando por Peter. Seus pensamentos foram cortados quando Oswald caiu sobre a neve acumulada perto da porta.— Oswald!?Janet ajoelhou-se ao seu lado, sentindo a pele gélida do idoso.
O homem bebericou o café morno e olhou pela janela da lanchonete Stop 20, do jeito que havia se acostumado a fazer desde que voltara para Nova York. Apesar dos muitos veículos e transeuntes que passavam apressados, seus olhos vagavam no letreiro da loja do outro lado da rua. Barney’s Hardware. Embora uma intrometida árvore bloqueasse boa parte das letras, ele sentia-se bem, sabendo que estava próximo a um nome tão especial. Podia ser bobeira, ele sabia, mas era uma bobeira que fazia questão de ter. — Amanhã vai fazer quanto tempo? — perguntou a mulher fardada ao sentar-se no banco oposto. — Putz, este café já está morno. — Cinco anos... — respondeu, pensativo, antes de olhar para ela. — Isso que dá demorar para se trocar. — Ah, é? Tu vai ver só, Sr. Strall. — Vou ver? Pode vir quente que eu estou fervendo, Sra. Strall! — respondeu, aos risos. — Tem falado com alguém de lá? — Pior que não. A última vez que falei com o Oswald fo
As folhas moviam-se numa dança singular com o transpassar de um vento penetrante e ameaçador. Um sopro gelado deslizava por entre as copas das árvores e seguia seu percurso, infiltrando-se por entre ciprestes e salgueiros, criando seu próprio caminho tortuoso. Seres furtivos saíam de seus esconderijos. Olhos arregalados fitando a sufocante escuridão, atentos a qualquer sinal de perigo. Zumbidos, ululas, chiados e coaxos ecoavam nos cantos, copas e tocas. A floresta estava viva, apesar do pútrido odor que emanava de suas entranhas.Pulsava como um coração prestes a entrar em colapso.Os passos firmes daqueles pés descalços deixavam marcas visíveis na terra enlameada. Apesar das lágrimas, não vacilou. Estava convicta. O tempo das incertezas há muito jazia no lago do esquecimento. Não havia mais disputa.“Você é jovem”.
As crianças riam sem parar. Apontavam os dedos pequenos e pontiagudos para ele. Carregavam nos olhos um vermelho vivo animalesco. Algumas babavam de tanto dar risada, outras batiam a cabeça sem parar na mesa escolar. Olhou para a professora, procurando por ajuda. Queria gritar, mas não havia voz. A Sra. Campbell permanecia de frente para o quadro escuro e escrevia com as próprias unhas, num estado catatônico: “VOCÊ É UM MENINO MAU! NINGUÉM GOSTA DE VOCÊ!”. Não havia portas ou janelas. Não havia escape.Peter acordou com o corpo encharcado de um suor frio. Tais pesadelos haviam se tornado recorrentes nos últimos dias, mas esse foi diferente. Real. A Sra. Campbell aparentava ser a mesma de sua lembrança, mesmo não tendo visto a pinta peluda que ela cultivava no canto da boca. Depois de tantos anos... Nos últimos dias, as lembranças de tudo que envolvia sua ci