A floresta era uma vitrine. Um quadro vivo e em movimento capaz de causar inveja à Gogh e Monet. Hora ou outra um traço venoso dessas pinturas, na forma de um artrópode ardiloso, visitava Barney, a fim de caçar alguma presa foragida do interior da floresta, que achava ser uma boa ideia esconder-se no porão úmido ou no sótão empoeirado do solitário morador. Por um instante, parou aquele eterno balançar e ficou estático. Apesar das aparências, o aroma do desespero brotava daquelas plantas. Ele sabia o que estava acontecendo. Sempre soubera.
— E aí, meu amigo! Como vão as coisas?
Um senhor alto de cabelos brancos e corpo esguio surgiu pela lateral da casa, como de costume, e tomou seu lugar ao lado de Barney. Algo no rosto pálido de Oswald estava diferente, Barney notou. Os olhos fundos e o cabelo bagunçado informavam muito mais do que um simples “bom
Henry Stock arqueou as costas no couro escuro da cadeira e jogou o cabelo grisalho para trás. Na mesa à sua frente — metodicamente organizada — repousava o retrato de sua amada esposa, Amélia. Avessa aos procedimentos cirúrgicos e aplicações estéticas que visavam retardar o envelhecimento, os sulcos e linhas em sua pele quebradiça estampavam para o mundo que ela já havia passado por muita coisa. Eram marcas do passado, dizia ela. Não importava o que Henry dissesse, se Amélia batesse o pé, não tinha mais conversa. Ele gostava de brincar com os mais chegados de que a última palavra no casamento sempre era a dele. “Sim, senhora!”. Eles se acabavam de rir, mesmo que já tivessem ouvido aquela piada algumas dezenas de vezes proferidas pelo capitão. Após dar andamento ao processo de sua aposentadoria, Stock começou a sentir
Os tentáculos arbóreos costuravam o caminho através da terra. Fragmentos rochosos e matéria orgânica depositadas por milhares de anos eram deslocados por uma força ininterrupta das arestas florísticas. As raízes transpassavam seus limites naturais e invadiam a área povoada da cidade em uma velocidade anormal. Os moradores acima permaneciam desatentos, alheios a qualquer possibilidade de terem seus afazeres diários interrompidos. Dia após dia a floresta continuava o seu êxodo. O que conseguia extrair dos animais já não era o bastante. Não possuíam o necessário.Robert Hall agora sentia mais dores de cabeça do que o habitual. Sua esposa, Darla, não conseguia mais concentrar-se nos afazeres domésticos como outrora, e a torta de amora que fazia toda sexta-feira precisou ficar para depois, para o descontentamento dos filhos. Esses, aliás,
— Sra. Thompson! — chamou Janet, com o dente recuperado nas mãos. Perguntas precisavam ser feitas e não tinha ideia sobre o tipo de resposta que teria.— Sra. Thompson! É a Janet!Deu três batidas na porta branca de madeira. Estava impaciente. Olhou em volta e deparou-se com uma imensa samambaia pendurada por correntes no teto. Como não tinha visto aquilo? Sua folhagem descia até o chão e ali depositava-se, formando algo parecido com um ninho. Lembrou-se de que a Sra. Thompson havia comentado sobre aquilo, mas Janet não havia dado a mínima. Continuava não sendo um caso para a polícia resolver, mas a planta possuía um aspecto sinistro que a deixava desconfortável.— Sra. Thompson! Preciso falar com a senhora... Assunto da polícia!O silêncio ainda pairava pela casa. Levou a mão à maçaneta e a girou lentamente.
Henry Stock estava deitado com os olhos voltados para o teto do seu quarto e com as mãos atrás da cabeça. Amélia dormia tranquila ao seu lado, sem incomodar-se com a turbulência que o deixava inquieto. Ficou assim até ver as primeiras luzes do dia passarem pela persiana e o alarme tocar.— Bom trabalho, amor — desejou a esposa, como sempre fazia.Henry deu-lhe um beijo na testa, colocou o uniforme e saiu. Antes de entrar no carro, pegou o celular e conferiu, mais uma vez, se não havia nada comprometedor nas mensagens ou fotos. Estremecia só de pensar que pudesse ter deixado alguma ponta solta. Mas aquela havia sido a última vez. Era uma promessa — como havia feito tantas outras vezes. As imagens das algemas na parede e o chicote pendurado atrás da porta lhe arremeteram de súbito e precisou conter a excitação.— Bom dia, Sam.— Bom dia, s
Callab Watson aguardava, com visível ansiedade, em sua sala-esconderijo as notícias sobre o desenrolar das investigações. Estava certo de que havia um louco à solta em Melford, e quanto menos colocasse o rosto largo à mostra, melhor. Apesar de, por muitas vezes, ter desejado que algo ruim acontecesse consigo próprio — principalmente na época da separação —, queria viver, mesmo que fosse na companhia dos chocolates e frituras. Seu telefone estava em cima da mesa, desligado. Na parte da manhã havia tocado sem parar e o nome do capitão estampava a pequena tela trincada tal qual um letreiro iluminado em uma viela escura. Não tinha o que e nem como falar com Henry. No mínimo, ficaria com a orelha vermelha de tanto que seria xingado. Como se não bastasse o celular, o telefone fixo esperneou irritado. Como ninguém ligava para aquele número, Callab havia esqueci
Durma, Criança!Ele está chegandoTrazendo os velhos sonhos roubadosDos tortuosos caminhosEle não entendia aquele olharO que havia naquela janela para tanto espiar?Vislumbrava o futuro incertoOu o passado que teimava em ficar?Durma, Menino!Ele já vai chegarTrazendo os velhos sonhos roubadosDos tortuosos caminhosAcordou como de súbitoEncontrar a mulher de branco era o seu intuitoNa floresta deparou-se com o momento fortuitoOnde os pés delicados flutuavam muitoApontavam os dedos miúdosE escancaravam os dentes pontudosBrincavam, zombavam e batia
— Tio Oswald, eu não quero ir para escola...— Eu sei que não, mas seus amigos querem te ver... — respondeu, coçando atrás da orelha.— Não querem, nada. Eles são todos uns mentirosos! — disse em voz alta e voltou a colocar o travesseiro por cima da cabeça.— E os desenhos que eles fizeram para você? Se esqueceu?Peter olhou pela brecha do travesseiro em direção à parede onde Oswald havia colado os desenhos que havia recebido do colégio, no intuito de amenizar o luto que ainda pesava sobre o menino. Após a morte de Justine, Oswald tornou-se mais do que um simples amigo da família. Agora ele era A família de Peter. Ao menos, era o único que se importava com ele. A última aparição de Barney havia sido no mês passado, justamente no velório da esposa. Falava alto e pisava torto dev
— Você compreende que o grande problema não é aquilo que acontece à sua volta, mas o modo como você lida com ele?— Eu sempre acreditei que esse fosse o meu jeito. Esse... defeito que tenho na minha cabeça.— Sim, tornou-se seu, mas não é você. Você é um reflexo daquilo que almeja, e não o que os outros dizem ou apontam.— Mas como posso ser eu de verdade, se tudo o que vejo quando me olho no espelho é um espantalho? Por mais que eu queira, não consigo sair do lugar.— Agora chegamos a um ponto comum — respondeu a Dra. Anna, com os dedos das mãos entrelaçados e o cotovelo apoiado na mesa. — Você tem que “viajar” para dentro de si mesmo e voltar ao ponto de partida.— Viajar?— Sim, arrume as malas e aproveite a viagem.— Mas ir aonde?