CAPÍTULO 1.2

Mais tarde, eu estava na parte do vinho quando a porta se abriu e uma Penélope animada entrou. Quando ela chegava assim era algo para se preocupar porque ela tinha um plano. E, devo dizer, ela não costuma ser muito criativa sobre eles. Então eu poderia deduzi-los.  Quase sempre terminava com ela me arrastando para algum lugar ou tentando me salvar de mim mesma, como ela costumava dizer.

- Eu vou querer uma dessas - disse sem preâmbulo. Sinalizando para a minha taça.

- Olá pra você também.

- Olá, Giovanna. Tenho uma ótima notícia: Consegui a conta da Mazza.

- Que boa notícia. Parabéns. - Eu enchi uma taça de vinho e deslizei por cima do balcão - Só me explique: Essa empresa Mazza a qual você se refere tem alguma coisa a ver com a Mazza Telecom?

- A mesma. E você não devia estar me perguntando isso. Pelo menos, não se você esteve prestando atenção sobre o que eu falava nas últimas duas semanas.

- Eu estava prestando atenção. Só queria ter certeza. E devo dizer: Isso é incrível.

- Incrível nem chega perto de descrever o meu feito. Você sabe que eu só estou no começo e por mais que eu tenha trabalhado duro para conseguir isso, eu não estava muito confiante de que o arrogante Antony Mazza iria me dar essa conta. E agora eu estou desesperada. Ok. Eu consegui isso, mas e se eu simplesmente ferrar com tudo? – Então ela veste aquele olhar perdido. E eu me lembro de que quando ela atravessou aquela porta, ela tinha um plano, então esse olhar perdido não combina muito com ela. Ela simplesmente sabe o que quer e ela vai conseguir. Pode apostar.

- Você é boa no que faz. Eu não acredito que você possa estragar as coisas.

- Eu não posso me dar ao luxo de ferrar tudo. Simplesmente não posso. E é justamente por isso que nós temos que estar perfeitas na sexta-feira e eu até já sei que roupas podemos vestir. Veja como é importante pensar positivo. É a lei da atração. Eu fui até aquela butique onde você experimentou aquele vestido azul turquesa que fez um par perfeito com seus olhos e um contraste com seus cabelos escuros e apenas o comprei por que eu sabia lá no meu âmago que eu iria conseguir esse contrato e logo seria convidada para este evento anual da Mazza e Viu como deu certo?

- Espera. O que tem a ver você conseguindo um contrato com você comprando um vestido pra mim?

- Não é óbvio?

- Não pra mim.

- Quem mais eu iria querer o meu lado em um evento tão importante além da minha melhor amiga de todos os tempos?

- Você já parou pra pensar que a sua melhor amiga de todos os tempos não está habituada com festas chiques como essas e que eu serei com certeza uma companhia desagradável. Eu não sou boa com pessoas. Você sabe. E eu posso arruinar um bom negócio pra você apenas por existir. Se você me considera a sua melhor amiga de todos os tempos, você deveria me conhecer o suficiente para saber disso.

- Minha nossa! Eu sempre soube que você tinha problemas de autoestima, mas não imaginava o quanto.

- só estou dizendo como as coisas são. E você faria bem em me ouvir.

Ela se pôs a tagarelar sobre cada pessoa que importava e que estaria presente neste evento e sobre as possibilidades de atrair alguns parceiros da Mazza para a sua empresa de Marketing, ignorando totalmente o fato de eu ter recusado o convite. Enquanto ela evoluía na conversa eu me desliguei momentaneamente. Eu fazia isso às vezes quando não queria ser levada pelo furacão chamado Penélope. Hoje, porém, a razão da minha desatenção era por que minha mente estava ocupada demais pensando no e-mail estranho que eu recebi mais cedo. Teria sido mesmo engano? Só pode. Que outra explicação teria? – e como você está indo com os seus artigos? - Ela chamou a minha atenção.

- Está indo bem.

- Que bom. Você sabe que eu te acho muito inteligente. Você tem uma excelente formação e uma facilidade com a escrita que é impressionante.  Eu já te disse que eu acho que você deveria tentar algo mais emocionante como escrever um livro ou ser uma editora. Não que eu não ache interessante escrever artigos para sites e jornais e eu sei que você é bem remunerada pelo seu trabalho. Mas... - Ela não tinha ideia – Você sabe, hoje eu estava lendo sobre uma escritora que está fazendo o maior sucesso. Estão até falando que seu primeiro livro pode ser adaptado para o cinema. Essa mulher provavelmente deve estar morando em Nova York ou na Califórnia, em uma casa absurdamente cara, cercada de caras gostosos e gastando rios de dinheiro em roupas de grife. Tudo isso por que ela ousou. Eu tenho certeza que você poderia ser tão boa quanto ela. Talvez você precisasse de um pouco de ajuda com a criatividade já que você não vive muito e, logo, não deve ter muito pra contar, mas você é inteligente e tem o dom da escrita. Eu não me conformo. Essa Gi poderia muito bem ser você.

Por um momento eu me assustei com a possibilidade dela ter desconfiado de alguma coisa, mas, felizmente, ela continuou falando sobre o quanto essa escritora era impressionante e que já havia comprado seu último livro e estava contando os dias para a chegada do seu exemplar. Quando ela caminhou para o seu quarto entre um blá blá blá e outro, eu me acalmei e continuei fazendo a nossa comida enquanto ouvia o sei insistente tagarelar à distância.

Felizmente ela não levou o assunto adiante. Eu também fiz questão de permanecer quieta. Eu estava acostumada com esses argumentos e não valia a pena rebatê-los. A não ser que eu quisesse investir o resto da minha noite em uma discussão e, ainda assim, não conseguiria convencê-la. Essa era Penélope: Uma jovem mulher inteligente, decidida, corajosa e ousada. Além disso, ela está certa no final das contas. Embora eu não pudesse dizer isso a ela. Esse é o preço.

Ela não tinha nenhuma ideia de que eu fazia exatamente o que ela agora me aconselhava. Ninguém tinha, exceto a minha agente. Nem mesmo os meus pais, nem o meu irmão. Nem mesmo a minha amiga de infância que estava vivendo em outro continente no momento e de quem eu sentia tanta falta. Ninguém. Não foi fácil segurar esse segredo. Mas eu sabia que, no instante em que alguém mais soubesse, o segredo estaria arruinado e eu não me sentia preparada para lidar com as consequências disto. Algumas pessoas insistiram em dizer que se tratava de uma estratégia de marketing, mas não é. É apenas eu sendo eu mesma.

Eu cheguei perto de contar algumas vezes. Quando ele foi um sucesso de leituras em duas plataformas de publicação livre. Quando recebi um e-mail de Lucy, minha atual agente, interessada em promover meu livro, Mas principalmente após o sucesso do primeiro livro. Eu queria compartilhar com alguém a felicidade que eu estava sentindo.

Antes disso, quando o livro estava no período de preparação, eu estava muito insegura sobre o que as outras pessoas achariam do meu livro. Esse é o verdadeiro motivo de eu ter demorando tanto tempo antes de publicá-lo. Quando eu comecei a escrevê-lo, não tinha ideia de que se tornaria um livro. Ele começou como uma fuga do meu mundo privado. Coisas que eu fazia apenas na minha cabeça, coisas que ficava no mundo das ideias sem nenhum compromisso com a concretização delas. Frases não ditas, atos não realizados, projetos que nunca sairiam do papel. Aos poucos, a personagem tomou vida e, de repente, não era mais eu. Era ela. A personagem.

Para minha surpresa, o dinheiro começou a entrar e, por mais que eu quisesse fazer um monte de coisas com ele, eu não saberia como justificar certas excentricidades. Hoje eu pagava meu próprio aluguel no Brera, um bairro charmosíssimo de Milão, mas em um apartamento simples e me mantinha por conta própria sem grandes dificuldades, além de ter uma boa reserva de dinheiro. Mas eu tinha que justificar isso para os meus pais.

Quando eu estava na faculdade eles me mantinham e, depois que lancei o meu primeiro livro não havia mais necessidade da ajuda deles. Para justificar o dinheiro que eu passei a receber e a minha súbita independência financeira, eu escrevia de fato alguns artigos para revistas, jornais, blogs. E, tanto os meus pais como o meu irmão e a minha melhor amiga pensavam como a minha colega de quarto. Eles achavam que eu deveria ousar mais. Fazer algo grande. Eles não tinham ideia, no entanto.

Mais tarde, quando Penny voltou para a cozinha, a comida estava pronta, mas ela se desculpou levando seu prato para o quarto, pois tinha trabalho a fazer. Ela estava muito ansiosa para começar a trabalhar com a Mazza Telecom e eu estava muito aliviada em ficar sozinha. Eu precisava checar meus e-mails e saber se a pessoa misteriosa havia enviado outro. Então, limpei a cozinha rapidamente e corri para o meu quarto.

Não havia nenhum e-mail novo e, surpreendentemente fiquei decepcionada com isso. Eu estava curiosa a respeito e esperava que, talvez, ele fosse mais claro no próximo e-mail, me ajudando a solucionar o mistério. Como não havia nada, me dispus a revisar meus escritos do dia anterior e passei a responder os muitos e-mails que chegavam dos leitores e as mensagens no f******k. Eu havia criado um perfil em nome de “Gi autora” e uma página para cada um dos livros que eu havia publicado. O que Penélope disse sobre a escritora morar nos Estados Unidos fazia todo sentido, uma vez Nova York a minha cidade atual de acordo com o meu perfil no f******k e a maioria das minhas histórias se passava em cenário norte-americano. Apenas a última tinha a Itália como fundo o que gerou um frenesi local com a possibilidade da escritora em questão estar morando na Itália. Pra mim foi uma redescoberta. Eu amava falar sobre o meu país e sobre as coisas que eu conhecia tão bem. Eu era uma amante da arte e conseguia deixar isso tão claro em meu livro que contava a vida de uma pintora italiana.

Havia vários pedidos de amizade no f******k e eu geralmente não era muito seletiva com minhas escolhas. Eu sabia que a maioria das pessoas que me adicionavam eram leitores do meu livro ou pessoas curiosas sobre ele, ou simplesmente amantes literários. Eu saí aceitando todos os pedidos de amizade pendentes e, logo em seguida, uma mensagem surgiu no chat do f******k. O perfil era fake, sem sombra de dúvida. A pessoa em questão se chamava Teo Pain e esse nome me chamou a atenção por que o remetente do e-mail enviado logo cedo era tpain.tpain@outlook.com. Que tipo de pessoa tem dor como nome? (dor em inglês é pain). Eu cliquei sobre a notificação de mensagem e uma pequena janela se abriu no canto inferior direito da tela.

“Achei você” dizia apenas. As reticências piscavam embaixo da tela anunciando que ele estava digitando. Eu não respondi nada. Apenas esperei. Com certeza ele já havia percebido que eu visualizei a mensagem. De repente as reticências pararam, como se a pessoa tivesse desistido de enviar a mensagem, mas então, as palavras surgem na tela.

 “Por aqui é melhor. Assim eu sei que você viu. Sei que leu e que eu não estou apenas falando sozinho.”

Meu primeiro pensamento foi o de ignorar, como ele mesmo havia pedido mais cedo do assunto do e-mail. Mas a jovem curiosa em mim foi mais corajosa. Aliás, a Gi era corajosa, coisa que a Giovanna Greco não era.“Quem é você? – perguntei – Eu o conheço?”

O meu interlocutor respondeu de imediato “Receio que não. Mas isso não é exatamente um problema, é? Ninguém conhece você, mas as pessoas te escutam e você fala com elas. A diferença entre esse espaço e o seu livro é que no livro, só você fala. Aqui você ouve”

“Foi você quem escreveu o e-mail” – Não foi uma pergunta.

“sim”

“O que você quer de mim?” perguntei. Eu realmente queria saber. Não. Eu tinha o direito de saber. Um estranho começa a me enviar mensagens completamente estranha com um toque de ódio em cada palavra. Esta pessoa me culpava por algo e eu tinha que saber do que se tratava. Ele demorou um longo tempo para responder, cada instante de espera mexia com a minha sanidade de tal forma que eu quase digitei outra pergunta. Mas me contive de escrever e me mantive ali, parada diante do notebook, esperando. Eu não poderia sequer respirar direito.

“Eu não sei. Conversar, talvez. Eu quero... entender.”

“Você quer entender? Acho que sou eu que quero entender.” Agora eu estava chateada “Você começa a enviar mensagens sem pé nem cabeça pra mim e você que quer entender?”

Como o meu breve desabafo, eu tinha esperanças que ele se compadecesse da minha angústia e começasse a falar. Mas o que eu consegui foi despertar uma raia ainda maior dele. A mensagem seguinte, assim como as outras, eram mensagens de texto, mas eu podia sentir todo o escárnio embutido em cada palavra escrita “Não é você que tem todas as respostas? A vida sobre a sua ótica é bela. Você dá esperanças às pessoas. Uma fuga da realidade, solução para os problemas da vida, a cura para quem precisa, certezas para as dúvidas do mundo, mas quando chega a última página e nós finalmente saímos daquele transe, eles ainda estarão aqui. Nós ainda vamos morrer, ou vamos ficar para trás quando aqueles que amamos se forem, os problemas persistirão enquanto você não os resolver e as dúvidas ainda existirão.”

Agora foi a minha vez de não responder de imediato. Eu não sabia o que dizer. Não mesmo. Ele parecia estar me culpando por alguma coisa que eu não tenho ideia do que seja e eu me sentia injustiçada e envolvida em uma história que eu não sabia do que se tratava. Eu não concordo com ele de qualquer forma.

“Sei que você ainda está aí” ele disse. Eu não sabia dizer o que mais me surpreendia nele. Se era o desamparo que parecia existir por trás do sarcasmo ou se era o seu ar beligerante. Ele queria discutir comigo. A Gi poderia fazê-lo, talvez, embora não seja muito a praia dela, mas a fragilidade de Giovanna havia emergido.

“Sim. Eu estou.”

“diga algo”

“O que você quer que eu diga? Você me acusa de ter todas as respostas, mas é você que parece estar certo do que diz. Não tenho intenção de mudar o que você pensa.”

“Você acha que eu estou sendo injusto com você, não é? Bem, eu tenho uma novidade pra você: A vida não é justa. Ela não é. Se a sua Meg fosse real, ela estaria morta agora e o seu Ryan estaria fodido. É apenas o jeito como as coisas são.”

“Respeito a sua opinião.”

“Respeito a sua opinião? Sério? Isso é tudo? É tudo que você tem a dizer? Você brinca de Deus diante de um teclado, mas você não é nada. Você não pode mudar a vida real. Você percebe isso? Você pode colocar essa m*****a coisa na sua cabeça?”

Eu senti meu estômago se contorcer com o pânico. O que era isso afinal? Era um louco? Um psicopata que resolveu me perseguir? Nessas horas eu estava grata por não ter a minha identidade revelada. Você nunca sabia com quem você se depararia. “Eu não brinco de Deus” digitei, mas a essa altura do campeonato eu mesma estava começando a não ter certeza de nada. Ele conseguiu minar a minha totalmente a minha autoestima. Não que isso fosse algo difícil de se conseguir. Minha autoestima já era completamente abalada. Mesmo assim escrevi-lhe uma resposta. “Não tenho essa pretensão. Assim como os maiores escritores da história não o faziam. Nós apenas queremos compartilhar histórias felizes, trazer um pouco de alegria para as pessoas, fazê-las sonhar. Dar-lhes esperanças e motivá-las a construir sua própria felicidade. Não há crime nisso. Eu não posso ser responsabilizada por que você não teve maturidade suficiente para fazer essa distinção. Se fosse uma criança, eu poderia entender. Mesmo assim, dependendo da idade já conseguem distinguir. Você está entendendo tudo errado.” Expliquei. Meu estômago estava involuntariamente contraído enquanto eu assistia as reticências piscando na janela de conversa. Quando sua resposta finalmente chegou era um grande texto.

“Não se trata de mim. Mas de pessoas que estão por um fio e, desesperadas, se agarram a esperanças falsas e recusam a mão verdadeira estendida ao seu lado para se agarrar a palavras aleatórias de alguém que não tem um pingo de bom senso. Você as ilude e um dia, apenas um dia, elas vão perceber que isso tudo não existe. Não existe o “felizes para sempre” e não existe isso de sonhar e tornar realidade simplesmente por que a porra do controle não está nas suas mãos. Isso tudo vai apenas se acabar quando você virar a última página e mudar os seus olhos do livro para a realidade a sua volta. Eu sou capaz de apostar que você é uma mulher solitária e infeliz. Tenho certeza que os homens maravilhosos que você descreve são apenas fruto da sua imaginação e você sequer foi capaz de conhecer um que quisesse levar você pra cama. E quanto a se manter anônima? Você apenas não quer que as pessoas vejam a mulher feia e sem graça que você é. Então você as ilude e faz com que elas pensem que você é alguém que não é de fato. Você, Gi, ou seja lá qual for o seu nome, você é uma mentira e eu estou farto de gente como você. Eu estou farto de tudo.”

- Porra! – Eu fechei abruptamente o meu notebook e me enrolei em uma bola sobre a cama. O que eu havia feito para merecer tanto ódio? Eu posso jurar que nunca, e eu quero dizer nunca mesmo, eu fui destinatário de tanto ódio. Nem quando eu achava que as pessoas me desprezavam por ser uma nerd sem graça, nem quando eu estava com raiva de mim por alguma bobagem que eu havia feito, jamais me senti como agora. Por que ele me odiava tanto? Quem era esse homem, afinal? Era perguntas que apenas martelavam na minha cabeça e eu tinha que saber. Ele achava que eu era infeliz e solitária. Bem, talvez ele não estivesse tão longe da verdade. Talvez eu seja mesmo uma mentira. Talvez esses personagens sejam o que eu não tenho coragem para ser: felizes e ousados. Mesmo quando sofrem, eles não desistem de buscar o que desejam. Mas eu? Bem, eu não sei quem eu sou. Quando eu não estou sendo um personagem em uma das minhas histórias eu não sou ninguém. Eu.não.sou.ninguém.

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