Olhar o ir e vir das pessoas sempre me inspirava. Fazia com que as ideias borbulhassem. Embora, em outro momento, o silêncio me ajudasse a aperfeiçoar essas ideias. Antes eu achava que aquela cena típica, onde um escritor se sentava em um café, era clichê demais. Estereotipada, eu diria. Hoje vejo que tudo é uma questão de adaptação e que algumas coisas podem não te servir hoje e serem imprescindíveis amanhã. Pois bem, agora aquele café estava incorporado a minha rotina. Todos os dias pela manhã eu me dirigia até ele e me sentava no mesmo local, de onde tinha uma visão privilegiada de todo o lugar, bem como da rua.
Eu gostava de imaginar o que cada uma dessas pessoas fazia ao longo do dia. Do que elas gostavam? Quem eram? Que tipo de vida elas levavam? Para quem era aquele copo extra de café com leite que a loira vestida com uma saia lápis e saltos de dez centímetros levava todos os dias? E o que aquela mulher com pinta de executiva viu naquele homem que se vestia e se comportava como um adolescente? E aquele homem elegantemente vestido em seus ternos caros? Seria um advogado? Ele era casado? Ele era feliz?
São tantas variáveis que giram em torno de uma única pessoa que eu posso compreender hoje quão fértil é esse campo. Quão férteis são as pessoas. Por isso era tão interessante observá-las.
Algumas vezes eu lhes atribuía nomes e era frustrante quando, por acaso, eu descobria seus nomes verdadeiros. Era angustiante ter que me adaptar a eles, por isso muitas vezes os ignorava e continuava chamando-os pelos nomes que lhes dei.
Outras vezes apenas refletia sobre seus comportamentos, e era intrigante.
Todas essas pessoas não tinham ideia de quem eu era. Isso era bom. Talvez algumas delas já tenham lido as minhas histórias ou mesmo trocado uma ideia comigo nas redes sociais, mas elas não tinham ideia de que aquela jovem mulher, que passava por aquelas portas todos os dias e pedia seu café puro com ovos mexidos, torradas e geleia, era ninguém menos que “Gi”, o pseudônimo que utilizava nas minhas obras.
Depois de anos sendo ninguém para a turma de populares da escola e de passar despercebida pela faculdade eu me acostumei a ser invisível. Dona de uma timidez nível 6 em uma escala de 1 a 5 eu rezava para não ser notada.
Escrever sempre foi uma paixão e eu realmente mostrava outro lado que a minha voz não era capaz de mostrar. Eu verdadeiramente me fazia compreender através da escrita, mesmo quando eu não estava sendo eu, mesmo quando era apenas um personagem falando, eu me fazia compreender através dele. Eu me sentia ouvida, porque eu falava de fato. Eu me comunicava.
- Gostaria de mais um pouco de café? - a garçonete ofereceu. Ela já me perguntou o que eu estava fazendo, certa vez. Eu lhe disse que corrigia trabalhos acadêmicos, escrevia alguns artigos para diversos sites e revisava textos de modo independente. Ela pareceu satisfeita com a resposta e nunca mais voltou a puxar conversa comigo, limitando-se a me oferecer um café ou alguma comida. Como se o que eu fizesse fosse sem graça demais para querer saber algo mais a respeito. Não que eu não gostasse disso. Como eu disse, o anonimato é bem vindo.
- Sim, por favor – aceitei. Ela caminhou até o balcão e voltou trazendo uma xícara grande de café fumegante. Enquanto ela se afastava, um alerta de e-mail surgiu no canto da minha tela. Geralmente eu era muito organizada com as minhas atividades. Eu tinha momentos pré-determinados para revisar os textos escritos e também para responder aos meus leitores nas redes sociais. Quando eu recebia um e-mail ou mensagem eu aguardava até que fosse o momento para responder, caso contrário, eu não conseguiria fazer as minhas outras atividades, pois recebia um sem número de mensagens ao longo do dia. Mensagens que eu tinha o prazer de responder, mas se eu parasse o que estava fazendo para responder cada vez que uma mensagem entrasse, eu não conseguiria concluir o meu trabalho. Então, como eu disse, eu tinha um momento do dia destinado exclusivamente para interagir com os meus leitores. Porém, eu já havia produzido bastante por hoje e estava ansiosa para bater um papo com eles. Além disso, em breve eu precisaria de uma pausa para revisar o texto do dia anterior.
O remetente era desconhecido, o que não me surpreendeu em nada, eu os recebia o tempo todo. Às vezes eram novos leitores, outras vezes eram apenas mensagens aleatórias da internet com correntes ou propagandas. Porém, foi o assunto do e-mail que me chamou a atenção:
IGNORE-ME
Eu era curiosa por natureza. Discreta, mas curiosa. Então, como toda boa curiosa, me apressei em abrir a mensagem e a cada palavra lida, meus olhos se arregalaram e eu fiquei ainda mais confusa. Dizia o texto:
"Você vai achar um absurdo que eu lhe escreva um e-mail e ao mesmo tempo peça para ignorá-lo. É contraditório, eu sei, mas estou a mais de dois anos fazendo essa merda que é falar comigo mesmo e definitivamente isso não tem dado certo. Talvez você se pergunte por que apenas não escrevi e depois deletei, ou enviei para mim mesmo, ou ainda salvei como um rascunho. Eu não tenho uma tese para isso. Talvez eu no fundo não queira ser ignorado. É só no que eu posso pensar no momento para justificar.
Você provavelmente deve estar se perguntando: por que você? Isso eu posso te responder. Eu escolhi você por que você a entendia. Então talvez eu possa conseguir entendê-la sob a sua ótica. Você sabe o que é ter alguém ao seu lado, alguém que você ama e, mesmo assim, não ser visto? Você deve sentir prazer em ter as respostas do mundo para os seus leitores. Eu queria ter esse prazer, mas não para pessoas estranhas e sim apenas para uma pessoa. Eu queria ter as respostas, eu queria ter o poder de mudar o mundo à minha volta. Você pensa que muda o mundo, mas não. Você muda o rumo de pessoas fictícias e ilude pessoas para que acreditem que tudo pode ser e elas te escutam.
Você falava com ela de um modo que eu não conseguia. Ela te ouvia. Não a mim. Antes eu não sabia. Não tinha ideia. Mas depois, quando já não adiantava eu percebi que ela prestava atenção em você e eu não conseguia entender por que. Então eu quis descobrir isso. Eu quero. Estou buscando as respostas. Dê-me"
Tão bruscamente como começou, terminou. Eu fiquei um longo tempo lendo, relendo e meditando sobre aquilo. Nada fazia sentido. O que aquela pessoa queria dizer? Não. Não pode ser. Isso é loucura. Provavelmente uma mensagem enviada para um destinatário errado - Só pode ser engano - Conclui.
Decidida a tomar isso como verdade, tomei meu café, agora morno, em um só gole, fechei meu notebook e saí do meu cantinho predileto. Hora de ir para casa. Era final de tarde e eu estava a algumas quadras de distância da minha casa. Eu caminhei pelas calçadas sem pressa, aproveitando a oportunidade de observar os transeuntes. Não havia muitos, porém. A maioria das pessoas devia estar trancada em algum escritório contando as horas para voltarem para as suas casas, para as suas famílias. Eu não morava com os meus pais por opção. Eu poderia ter alguém me esperando animadamente em casa agora, Mamma e Papà estariam mais do que felizes em me receber diariamente, mas sabe quando o seu relógio alarma com uma mensagem do tipo: “Ei, você cresceu, hora de alçar um voo solitário, mas que vai ter encher de experiências”. Bem, o saldo é que eu tinha adquirido experiência em como cuidar da minha própria casa, como administrar a minha vida profissional e as minhas finanças. Eu descobri que a vassoura não se materializa na sua sala, assim como o papel higiênico. Logo, você não pode ir ao supermercado e comprar apenas comida. Mas, no que diz respeito a relações sociais, eu ainda sou aquela mesma menina tímida que morava com os meus pais. Isso não mudou. Eu estava começando a perceber que isso não é algo que a mudança de endereço vai me dar, mas honestamente eu não tenho ideia de como ser de outro modo.
Bem, pelo menos, apesar de não morar mais com meus pais, nem ter um relacionamento amoroso, eu posso dizer que tenho uma companheira de quarto. Eu não posso dizer que a minha companheira de quarto me espera. Na verdade, eu acho que às vezes ela só torce para que eu saia de casa algumas noites. Não é que ela não goste de mim, felizmente nos damos bem, mas deve ser mesmo constrangedor emitir todos aqueles gemidos desesperados sabendo que a sua companheira de quarto Nerd e encalhada estava ouvindo. O que faltava em mim de confiança, sobrava em Penélope. Eu admirava a sua personalidade atrevida e determinada. Ela tinha simplesmente uma legião de admiradores. Do porteiro do nosso prédio aos seus colegas de trabalho ficavam estagnados quando ela estava por perto. Esse era o efeito Penny, eu costumava dizer.
Felizmente, hoje não havia sinal de gemidos quando eu entrei em nosso pequeno apartamento de dois quartos. Também, é muito cedo para isso, ela não deve chegar nas próximas duas horas.
Fui direto para o meu quarto. Eu sempre ficava tensa com as longas horas sentada diante do computador. Esse tempo todo era um bálsamo para a minha alma, mas resultava em uma tensão muscular que gritava por uma banheira cheia de água quente e uma taça de vinho e depois cama. A cama ficaria para mais tarde, pois hoje era o meu dia de preparar o jantar.
Mais tarde, eu estava na parte do vinho quando a porta se abriu e uma Penélope animada entrou. Quando ela chegava assim era algo para se preocupar porque ela tinha um plano. E, devo dizer, ela não costuma ser muito criativa sobre eles. Então eu poderia deduzi-los. Quase sempre terminava com ela me arrastando para algum lugar ou tentando me salvar de mim mesma, como ela costumava dizer.- Eu vou querer uma dessas - disse sem preâmbulo. Sinalizando para a minha taça.- Olá pra você também.- Olá, Giovanna. Tenho uma ótima notícia: Consegui a conta da Mazza.- Que boa notícia. Parabéns. - Eu enchi uma taça de vinho e deslizei por cima do balcão - Só me explique: Essa empresa Mazza a qual você se refere tem alguma coisa a ver com a Mazza Telecom?- A mesma. E você não devia estar me perguntando isso. Pelo menos, não se você esteve prestando atenção sobre o que eu falava nas últimas duas semanas.- Eu estava prestando atenção. Só queria ter certeza. E devo dizer: Isso é incrível.- Incrív
Eu passei o resto da semana com os nervos em frangalhos. Eu não acessei o facebook e nem o e-mail da “Gi”. E me dediquei a escrever meus artigos para o meu blog sobre arte. Não estive na minha cafeteria predileta em nenhum desses dias e nem escrevi sequer uma linha sobre o meu novo projeto literário. Eu recebi críticas boas e também algumas cruéis sobre os meus livros e eu posso viver com isso, mas as coisas que esse estranho falou me feriram na alma. Não foi uma crítica ao meu trabalho, foi uma crítica a mim como ser humano, como mulher e isso mexeu comigo de tal maneira que eu estou tendo dificuldades de lidar.- Você ainda está aí? - Eu estava deitada na cama, relendo um exemplar da Divina Comédia. – Você precisa correr, nós só temos duas horas para chegar à Mansão Mazza.- Penny, eu não vou a essa festa.- Por favor, eu estou contando com você.- Eu não serei uma boa companhia.- Você não tem que ser. Pode ficar parada e muda como uma estátua. Eu só quero que você esteja lá. Você
Caminhei com a minha taça de vinho por entre os presentes. Todos envolvidos em conversas amigáveis. Alguns trocaram olhares comigo e me deram alguns acenos, que eu correspondia timidamente. Logo que pude, segui no sentido oposto à entrada por um corredor. Uma porta tão imponente como a que eu entrei quando cheguei aqui me levou até uma saída para um belo jardim. Era como se a casa fosse um grande cubo e no centro um jardim foi aberto. Inúmeras janelas davam para o espaço, garantindo que os habitantes pudessem ter uma bela visão do lugar. Pequenos postes de iluminação em estilo antigo decoravam o jardim e bancos em ferro fundido na cor branca embelezavam dando uma atmosfera aconchegante. Eu não conseguia deixar de imaginar quantas pessoas se sentaram nesses bancos ao logos dos anos. Quantas histórias se passaram aqui? Quantos amores? Quantas separações? Uma grama bem cuidada cobria todo o jardim e trilhas de pedra possibilitavam uma caminhada sem maltratar a grama. Em um instante eu es
- Sem mais vinho pra mim, então?- Ok. Sem mais vinho. Eu não saberia o que fazer com você se tomar mais um gole. Talvez você acabe com a festa e soque a cara do dono da casa.- Eu não faria isso com o seu irmão. Ele demitiria a minha amiga.- Eu estava falando de mim.- Essa festa é sua, então?- Não. Mas a casa é. - Oh! Então eu realmente te insultei.- Eu só a uso de vez em quando. Fico mais tempo na Toscana - Ele tomou mais um pouco de vinho e virou o corpo em minha direção. Apoiando a sua mão esquerda no encosto do banco e a perna no espaço ao meu lado – E quanto a você? O que você faz?- Bem, quando eu não estou insultando as pessoas eu costumo escrever alguns artigos para alguns jornais e revistas. Ah, e também blogs.- Interessante. Sobre o que você escreve?- Um pouco de tudo.- Por exemplo...?- Como eu disse, um pouco de tudo. Mas gosto de falar sobre arte e também sobre política. Por falar nisso, sua casa é uma obra de arte. Eu já mencionei isso?- Sim. Isso foi um pouco
- Oddio! Você quase nunca sai de casa, mas quando faz... Minha nossa! Posso imaginar por que você vive confinada – Penélope exclamou depois de espremer cada detalhe da noite passada – Eu tenho que fazer milagre apenas para conseguir que aquele carrasco do Antony Mazza me dê um bom dia e então você apenas aparece e ele lhe pede para que o chame pelo primeiro nome e tem um sorriso idiota pra você. O irmão dele simplesmente faz um exame de amídalas em você depois de você ter insultado ele, sua casa e a sua família e a irmã dele só te idolatra. O homem ainda te oferece uma limusine para deixá-la na porta de casa. Eu apenas tive que me contentar com o bom e velho táxi. Não que eu quisesse qualquer coisa daquele carrasco – ela diz. Em seguida toma um longo gole do seu café – Você tinha que ver a troca de olhares entre Antonella e Anthony depois que vocês saíram. Parecia que viam uma santa. Mama mia! Eu enchi uma xícara de café bem quente e me sentei do outro lado da mesa de cozi
No dia seguinte, eu saí de casa a caminho da cafeteria. Eu me sentei em meu lugar predileto e pedi o de sempre. Enquanto comia, observava tudo a minha volta. A mulher com pinta de executiva estava sozinha. O rapaz que costumava acompanhá-la não estava com ela e eu me perguntava se isso era um fim. Eu sempre achei que eles não combinavam e não era apenas as roupas, era tudo: o jeito, o gosto... mas então eu me perguntei o que isso dizia sobre o seu relacionamento. Tirar conclusões era o mal da humanidade. E daí que ele não andasse com um terno caro para fazer par com ela, Deus sabe o quanto ele poderia ser bom pra ela mesmo com seus jeans surrados e sua pinta de bad boy. Deus sabe o quanto ele poderia ser um companheiro, amigo, amante, dedicado e prestativo. Mas então vinha eu e julgava o que era o seu relacionamento, baseada na sua roupa ou no fato dele parecer descompromissado e tomar um café “nada a ver” com o dela. Isso e a conversa que eu tive com Pain na noite passada me deram al
Sexta-feira, 08 de Maio de 2015HaroldEla estava uma pilha, o que é compreensível. Eu mesmo não estou assim tão tranquilo, embora não deixe transparecer. Mesmo tendo uma ideia do resultado, eu insisti para que esperássemos o resultado geral para fazer qualquer pronunciamento. O que ela concordou.Deus! Essa mulher me surpreendeu a cada volta do processo eleitoral nos últimos meses. Ela veio para Winchester comigo e nós passamos mais tempo aqui do que em Londres. Ela hoje é praticamente parte da cidade. Ela conheceu cada morador, conversou com eles, conheceu suas histórias e simplesmente os conquistou.Eu já era uma figura conhecida em Winchester por causa dos meus pais, que são daqui, pelo fato de eu ter crescido aqui e convivido com a maioria dos moradores. Mas vendo como ela se portava no meio dessas pessoas eu poderia dizer que ela cresceu aqui também.Eu tentei, durante todos esses meses, a tranquilizar. Explicando que era minha primeira candidatura e que eu sequer tinha ocupado
Felizmente o nosso jantar chegou no momento exato minimizando o mal-estar. Um homem perfeitamente paramentado em roupas de chef apareceu acompanhando o jantar. Ele deu um sorriso sincero em direção a Matteo. Parecia realmente feliz em vê-lo e ao mesmo tempo incrédulo – Meu amigo, eu estou feliz em vê-lo aqui depois de tanto tempo. Quando Martino me disse que você estava vindo eu não acreditei. Tinha que ver eu mesmo. – ele olhou pra mim, seu olhar especulando. Matteo ficou de pé no ato e os dois se abraçaram ligeiramente.- É bom ver você Gabriel. Deixe-me apresentar Giovanna, uma amiga. Giovanna este é Gabriel, um grande amigo e chef do restaurante. Se você não gostar da comida já sabe a quem deve culpar – Matteo brincou tentando descontrair. Gabriel me cumprimentou, mas ele parecia ainda não acreditar no que via. Ele olhava para Matteo e depois pra mim e era como se ele estivesse diante de algo estranho. Muito estranho.Por fim, ele pareceu recobrar a compostura – É um prazer conhec