...aos pouco as lembranças retornaram, a igreja, a despedida, sorrisos, lágrimas, abraços, trocas de telefones, endereços eletrônicos, escadas, conversas alegres, a carteira esquecida na mesa, o susto, a arma prateada, as lágrimas, o desespero, violência, gritos, a multidão em volta, assistindo, fascinada, assustada, empolgada, triste, mais gritos, o golpe forte, a dor excruciante, tiros, o ferro incandescente perfurando seu peito, a vida esvaindo-se-lhe pelos dedos, o líquido púrpura empapando-lhe a roupa e acumulando-se numa poça no asfalto, sirenes de polícia distantes, gritos distantes, a multidão distante, tudo tão distante, a vista embaçada, escurecendo, os dedos quentes de quem tanto lhe amou foi o último toque de vida pulsante que sentiu, sua voz desesperada, foi sua despedida, de repente tudo escuro, e o nada, simplesmente nada... ...fechava os olhos e podia vislumbrar novamente cada detalhe da cena, desde os gritos alucinados do demônio com o ferro em brasa e os olhos vermelhos feito fogo até o céu... perfeitamente azul... visto de baixo... do chão...
Ler maisApós terminado o julgamento, a defesa não trabalhou como se esperava, dando chance à promotoria, composta entre outros pelos advogados Perseu e Félix Abbaris que após um belíssimo trabalho, conseguiram condenar a ré a oito anos de prisão em regime fechado, com possibilidade de condicional em cinco anos, sob acusação de homicídio premeditado. Incompetentemente, a ré foi transferida para uma penitenciária de segurança máxima no interior do estado do Mato Grosso em uma viatura comum, presa no banco de traz e sem algemas, conduzida apenas por dois policiais – Será que nós vamos percorrer muitos quilômetros ainda? Estou com fome e quero ir ao banheiro. – Tenta outra, moça, essa é velha, você vai ficar aí até a gente decidir que está na hora de parar. – Então vou fazer aqui mesmo, quero ver se vão suportar o cheiro. – Ela está falando sério senhor. – Ok, Ok, você
Naquela mesma semana, arranjei um tempo livre pra levá-las pra Valparaíso, ao amanhecer do dia de uma manhã chuvosa, encostei o Sandero Vermelho no portão da Amanda e descemos eu e a Daniela de mãos dadas e Fernanda e Isabelle também de mãos dadas. É lógico que a Amanda demorou uns quarenta minutos pra entender tudo, mas no final até ela ficou contente, o Thiago não estava no momento, tinha saído pro trabalho a poucos minutos, a própria Amanda ainda estava deitada quando chegamos, e só não falou nada do Lipe por que consegui fazer sinal pra ela ficar quieta, esperta como era isso pelo menos ela conseguiu entender, até que tomei a Fernanda pela mão e a levei ao quarto do Lipe, que por ser tão cedo, ainda dormia embrulhado em seu lençol. – Cuidado pra não fazer barulho, Fer. – Quem é papai, o filho deles? – Não, é o seu irmão. – Posso mesmo? – Leonardo, ele vai fazer aquele escând
Aparentemente as duas ficaram chocadas, pois não falaram mais nada, eu continuei de costas, mas em poucos minutos a Fernanda veio me abraçar, agarrou-se a mim quando viu meu rosto molhado. Virei de volta pra ela que estava com as duas mãos no rosto, também chorando, eu simplesmente me aproximei alisei seu rosto como a Isa gostava de fazer comigo antigamente: – Me perdoe amor da minha vida, por favor, me perdoe, nunca em minha vida eu podia sequer imaginar estar com outra pessoa sabendo que você estaria viva. Ela não falou mais nada, apenas se aproximou de mim ainda mais, nos abraçamos e ela falou em meu ouvido: – Me perdoe, me perdoe por favor, eu não sei o que deu em mim. Sentamos no sofá da sala, ela ao meu lado e colocou as pernas em cima de minhas pernas e ficou de lado pra mim, enquanto a Fernandinha sentou-se ao outro lado com a cabeça em meu ombro. Ficamos assim um bom tempo, sem dizer n
Ao colocar o telefone no bolso e me virar, tive o maior choque de minha vida, mal pude acreditar, aquilo não poderia ser um sonho, pois a suspeita que me revirava o estômago cada vez que conversava com Fernanda havia se confirmado, me trazendo a certeza de que meu passado tinha não somente batido à minha porta, mas arrombado e entrado com tudo em minha vida, trazendo minha felicidade de volta pois bem a minha frente, igualmente incrédula e assombrada estava a mulher que mais amei em toda minha vida, Daniela. – Le... Le... Leo... Leonardo? Léo? – Oi, minha querida. Foi o melhor momento de minha vida, ficamos chorando abraçados não sei por quanto tempo, quando nos afastamos um pouco, ambos segurávamos o rosto um do outro com as duas mãos mal conseguindo acreditar em tudo, a Fernandinha estava a poucos metros de nós, parada como uma estátua, aparentemente sem entender nada. – Eu nem acredito, é você me
– Quer que a gente entre com você meu amor? Perguntou Daniela a pequena Fernanda na porta da escola de música Nota Azul, Arthur tinha dado uma carona para as duas até a porta da escola, conforme disse pra Daniela, queria também ver a filha de seu amigo em seu primeiro dia de aula de música. – Não mamãe, não estou com medo, estou e muito ansiosa, quero começar logo. – Você precisa ir com ela Daniela, tem que conhecer o professor dela. – Acho que você tem razão, vou indo então. E foi assim que a pequena Fernanda iniciou sua vida no mesmo caminho de seu pai, havia duas escolas de música por aquela região e Daniela escolheu a mais humilde pelo preço ainda não tinha condições de pagar uma mensalidade mais cara, afinal o resultado seria o mesmo. Tão logo chegou na nova cidade, alugou uma casa pequena num bairro não muito distante do centro da cidade, mas com um valor razoável que poderia pagar, suas r
Um ano se passou desde que abandonou a casa de seus pais pela última vez e metade desse tempo ela passou na casa de sua irmã, mas conforme o combinado, Arthur mostrou-se muito respeitador ela tinha seu próprio quarto na casa dele, com sua ajuda também ela conseguiu de volta todas as coisas de seu marido que haviam ficado na casa de seus pais, até mesmo seu computador, que nem ela nem Arthur conseguiram ligar, por não saberem a senha que Leonardo tinha colocado, ela tentou por diversas vezes se lembrar mas era inútil, também proibiu Arthur de tentar qualquer método hacker ou algo do tipo, ficaria desse mesmo jeito, intocável. Também não pode sair pra trabalhar, ficava o tempo todo em casa, em troca cuidava da casa de Arthur, ele nunca mais tocou naquele assunto constrangedor, embora seu olhar, gesto ou palavras as vezes o denunciassem ela sempre se fazia de boba. Arthur já se dava por feliz apenas em tê-la em sua casa, já era um passo e tanto e t
Dias depois foi a vez de enfrentar seu pai, para piorar as coisas ele resolveu que era hora de ter uma conversa definitiva com sua filha bem na hora em que ele chegou cansado do trabalho, até então ele chegava tarde e saía cedo de propósito pra evitar Daniela, quase todas as refeições eram feitas apenas mãe e filha, até que chegou o dia, justamente na hora da refeição, o jantar foi todo em silêncio, misterioso, o ar estava pesado, todos comeram pouco, após a refeição Anselmo desligou a TV justo quando Daniela levantou-se pra ir ao seu quarto. – Daniela, espere um pouco, precisamos conversar. – Estou com sono. – Não está não, você sempre dorme mais tarde, está indo cedo pra cama por minha causa. – Eu não estou a fim de brigar, por favor. – Sente aí, eu estou mandando. Muito contra a vontade ela sentou-se, deu um suspiro de impaciência e aguardou. – Eu sei o quant
Os dias passaram voando, dia após dia se recuperava, sempre médicos e enfermeiros vinham vê-la todos os dias, nessa hora era bom ter dinheiro, mesmo que não fosse seu, não teria todo esse conforto se fosse num hospital público, mas se pudesse trocar todo esse luxo pra ter seu marido outra vez, mesmo que fosse por poucos minutos... sacudiu a cabeça para os lados tentando espantar esse pensamento, não podia mais viver presa ao passado. Fielmente sua mãe se postava ao seu lado todas as noites, as vezes vinha sua irmã, as vezes algum vizinho, mas nunca estava sozinha e também nunca mais abriu sua boca para falar com ninguém, simplesmente nada, nenhuma palavra, e o mais estranho de tudo é que não vinha ninguém da igreja, ninguém mesmo, absolutamente ninguém, chegou mesmo a pensar que tudo não havia passado de uma conspiração contra eles, uma conspiração na qual o cabeça era seu próprio pai, disso não tinha dúvidas, acusava-o apenas por raiva, mas não tinha prova algu
Quando abriu os olhos não estava em sua casa, aquela não era sua cama e nem era por sua janela aberta que entrava o belo sol poente, tingindo o céu azul de vermelho. Ali tudo era branco, as paredes, a cama alta de aço, o colchão, o lençol. Ficou claro que estava no quarto de um hospital, mas o que fazia ali? O que tinha acontecido? Não havia ninguém em volta, embora a janela estivesse escancarada, não dava pra ver ninguém através da vidraça, a porta encostada, a mobília do quarto resumia-se a sua cama, um poltrona no canto do quarto com uma pequena mesa ao lado, outra mesa pequena com uma gaveta ao lado de sua cama, mais nada, tentou sentar-se para olhar pela janela, mas havia algo de errado com seu corpo, doía muito, parecia ter sido esmagado por uma rocha de cem toneladas. Fechou os olhos franzindo o sobrecenho tentou se lembrar de algo, de sua vida, de quem lhe era precioso e aos pouco as lembranças retornaram, a igreja, a despedida, sorrisos