A ideia de que agora eu seria pai, me fez esquecer quase que todos os meus problemas, eu não queria saber de mais nada, só do meu filho e da minha mulher, embora morássemos cada um em suas casas, ambos, já nos considerávamos assim. Mas também sabíamos de nossas responsabilidades com a igreja, e decidimos ter uma conversa pessoal com o pastor da igreja e logo depois nos submetermos às decisões da comissão da igreja, que nós dois já sabíamos qual seria:
Uma dupla exclusão, a qual a Danny me proibiu veementemente de sequer tocar no assunto de me lamentar ou qualquer coisa do tipo por causa dela, ela dizia que se tudo aconteceu foi por que ela colaborou, então não tinha por que ter pena. Achei que ela tinha razão e pus uma pedra no assunto. Decidimos não contar nada a ninguém antes de conversar com o pastor, o que nós descobrimos que deveria esperar um pouco pois o pastor estava viajando e demoraria vários dias para voltar, como ela ainda estava com menos de dois meses, tempo é o que a gente tinha de sobra.
Tivemos uma programação importante na igreja um dia de domingo a noite, e ela agora decidiu que primeiro viria pra minha casa pra depois irmos juntos pra igreja na minha moto velha, eu me sentia mal, achava que estava provocando todo mundo, ela não estava nem aí, foi numa dessas vezes que deixamos a moto no estacionamento, passamos pelo corredor, e nos dirigimos a recepção, porém tivemos uma grande surpresa, ao dobrar o corredor a esquerda e pisar no pátio da recepção, quem esperava por nós de braços cruzados e olhar desafiador, Daniel.
– Quero falar com você – pegou ela pelo braço e foi puxando para o outro lado, ela soltou de repente.
– Não tenho nada pra falar com você.
– Eu não perguntei nada, vem – e já ia pegar o braço dela de novo.
– Me solta Daniel – aí ela me pegou pelo braço – vem amor, vamos embora.
– Você não vai a parte alguma, eu quero falar com você – e entrou na nossa frente.
– Daniel, dá licença pra gente subir, ela não quer falar com você.
– Cala a boca Idiota, com você eu resolvo depois, Vem Daniela.
Só que a gente desviou dele, e subimos as escadas sem falar nada nem mesmo um com o outro, era a primeira vez que ela o via desde aquele domingo em que ela flagrou ele com as duas meninas, e ele nos deu uma folga assim de quase três meses. Agora voltava a nos perseguir.
Sentamos, peguei o instrumento, afinei, coloquei na estante, e ficamos conversando baixinho com os demais músicos como se nada tivesse acontecido, a programação começaria em poucos minutos, mas lá vinha ele de novo, dessa vez pelo corredor central do templo, parou bem do meu lado e começou de novo:
– Daniela, vamos lá pra baixo, a gente tem que conversar. – mas como a gente se fez de surdo, ele começou a aumentar a voz, logo tinha um diácono do lado dele tentando manter a ordem que já tinha ido pro espaço, pois ele já estava causando tumulto e atraindo a atenção de todos – DANIELA, VEM!
– Daniel, fique calmo, ela não quer falar com você. – aí ele me pegou pelo colarinho da camisa.
– Seu idiota! O que é que você andou falando de mim pra ela em? O QUE? Eu disse pra você se afastar da minha garota não disse? – ele estava me enforcando, eu começava a perder a respiração, um tremendo tumulto dentro da igreja, três ou quatro diáconos do lado tentando fazer ele me soltar, e ela em pé do nosso lado gritando:
– DANIEL LARGA, VOCÊ 'TÁ ENFORCANDO ELE.
– EU QUERO É MATAR ESSE DESGRAÇADO!
Aí ele me soltou, mas foi só depois de me socar no estômago, com o golpe, eu caí por cima de três ou quatro instrumentos, eu já estava roxo, ficando sem ar.
– Você me paga, me paga seu nerdzinho de merda.
Depois de cessado o tumulto, ele foi embora e alguém me arrastou pra sala pastoral, mas eu estava bem, bem até descobrir que por causa disso eu tinha quebrado um violino e mais duas violas mas todo mundo foi solidário, eu não procurei aquilo, mas mesmo assim fiquei me sentindo culpado, e realmente houve quem dissesse que era culpa minha.
Mas o pastor Ruan é quem ficou morrendo de vergonha por causa do teatrinho do filho dele, falou com cada um dos músicos, sobre o problema e ofereceu-se pra comprar instrumentos novos caso eu concordasse em não denunciar o caso à polícia, os instrumentos estavam completamente inutilizados e agora pra piorar as coisas eu tinha os próprios músicos me aconselhando a esquecer o caso, lógico que cada um deles estava era interessado. Mas se era para o bem deles, e pra por um fim naquela confusão toda, eu me calei, mesmo sendo contra a vontade da Daniela e dá Ária.
Fiquei alguns dias me sentindo culpado e morrendo de vergonha de tudo e de todos, só a lembrança que a gravidez da Danny estava indo muito bem é que me fazia sentir um pouco melhor. Imaginando como aquilo estava acontecendo comigo, a tempos atrás eu nem era notado, agora namorava a garota mais linda do bairro, senão da cidade, a Danny também era alvo de comentários, que estava se misturando com ralé, com gente baixa, antigamente ela saía e chegava de Audi agora andava na garupa de uma moto velha, agarrada na cintura de um nerdzinho idiota que mal tinha dinheiro pra manter-se, onde já se viu uma moça como a Daniela se rebaixar a esse ponto, o Daniel sim era uma pessoa a altura dela, ela tinha que entender que as vezes ele perdia a cabeça é verdade, mas ele tinha ótimas qualidades, além do que era bonito e tal.
O que ninguém sabia é que toda a vida dela era controlada, ela comia o que mandavam, vestia o que mandavam, fazia o que mandavam, só o curso universitário dela ela conseguiu manter, pois ela não deveria seguir essa história de pedagogia, que onde já se viu isso, que o negócio era ela trabalhar com o pai, tinha de fazer era contabilidade, isso sim dava dinheiro, ela vivia quase que literalmente numa gaiola, mas como tinha todos os mimos de gente rica, comida e roupa do bom e do melhor, sua gaiola tinha as barras de ouro, como ela me dizia, vivia numa jaula de ouro, mas no começo não dizia nada, conformava-se, começou a perceber a situação quando me viu pela primeira vez, quando percebeu que eu a olhava demais, aquilo não era só admiração, era mais, e como eu, sendo um nada como era, ousava olhar pra ela, sendo quem era daquela maneira, era demais aquilo, eu tinha era que me meter com gente da minha laia mesmo, meu olhar insistente a perturbava. Mas aos poucos ela foi percebendo que sendo quem eu era, na minha simplicidade, eu era livre, podia olhar quem eu quisesse, ir aonde quisesse, fazer o que me desse na telha, enquanto ela não, sua jaula tinha barras de ouro, trancas de marfim e fechaduras de diamante, uma jaula de ouro.
Uma gaiola de ouro, uma prisão adornada, comecei a pensar com isso na cabeça, repetindo essas frases pra mim mesmo o tempo todo, aquilo ficou por dias martelando em minha cabeça, uma jaula de diamantes, Audi, Prada, Shopping, confinamento, alta classe, superior, ralé, miseráveis. Essas palavras ficaram boiando em minha cabeça o dia todo naquela segunda-feira chuvosa e lá no âmago de meu ser, na profundidade mais obscura de meu cérebro, começou a se formar uma musiquinha, eu não sabia, mas estava conseguindo transformar a vida da minha Danny em notas, as notas mais belas, uma canção que refletia sua própria vida, alegre e triste, monótona e agitada, estressante e tediosa, não pude resistir mais aos apelos da consciência, perturbada pela história que a Danny me contou no meu sofá, a história de sua vida, eu precisava tirar aquilo do cérebro e colocar no papel, peguei uma folha avulsa de caderno de música, e comecei a colocar, com a ajuda do meu teclado as notas a lápis, riscando, corrigindo, adaptando, até dar por terminada, em seguida corri pro computador, abri o editor e fui colocando as notas, uma a uma fui montando a melodia, uma a uma a partitura foi nascendo, e logo me veio na cabeça o agradável timbre de um violino tocando cada uma daquelas notas percorridas por todas sua extensão, eram semicolcheias rápidas, eram semibreves lentas, eram doces em alguns momentos, eram fortes em outros, exploravam cada nota do violino, imediatamente me deu uma saudade louca da minha Danny, e embora a gente tivesse se visto na noite anterior, eu precisava ouvir a vós dela, precisava falar com ela, contar-lhe a novidade.
– Alô.
– Alô, Léo?
– Oi meu amor!
– Oi amor, que aconteceu?
– Não nada, nada, fique sossegada, é que eu de repente precisava demais ouvir a sua voz, me deu uma saudade muito grande de vocês dois.
– Ah meu amor, de nós dois é? Que gostoso ouvir isso.
– Eu fiz uma coisa.
– Que foi?
– Eu estava meditando na história que você me contou ontem.
– História, você quer dizer da minha vida?
– Isso, me veio uma musiquinha na cabeça, e resolvi colocar ela no papel.
– E aí?
– Fiz minha primeira composição oficial, quer dizer, tirando os exercícios da faculdade.
– Sério! Uau, que legal! Saindo daqui vou direto praí. Quero ser a primeira a ouvir.
– Então vem que eu já estou louco de saudades.
Ela realmente veio de novo aquele dia, e foi logo pedindo pra ver minha composição. Simplesmente peguei a partitura recém impressa e coloquei na mão dela.
– “Gaiola Dourada” Por que esse nome?
– Me inspirei em você.
– Em mim como assim?
– Sua vida, achei que essa música lembra alguém preso, ansioso pela liberdade, sufocado por demostrações vazias de um afeto até meio fingido eu acho.
– Acho que não preciso nem perguntar mais nada.
– Exatamente, fiz ela pra você, quer ouvir?
– Vim aqui pra isso né? Toca pra mim.
E eu toquei todinha, a música era doce numas partes, pesada em outras, rápida em alguns pontos, lenta em outros. Por decisão dela decidimos que eu deveria tocar essa música na igreja, tínhamos uma programação musical feita uma vez por mês sempre num Domingo a tarde onde tocávamos peças eruditas, a ideia tinha se alastrado por todo o distrito, de maneira que a igreja lotava e era uma programação muito boa. A Daniela que antigamente não suportava música clássica, aprendeu a amar o estilo, agora até ela tinha seus próprios compositores preferidos, comigo ela aprendeu a gostar de muitas outras coisas também como xadrez, o jogo preferido meu e do Arthur.
O pessoal da orquestra adorou quando eu apresentei a peça, era uma sonatina para violino de sete minutos de duração, depois de devidamente registrada distribuí algumas cópias dela, mesmo entre os violistas e outros instrumentos como oboé e flauta não tinha um que não achasse a peça muito complexa.
O Daniel não se deu por vencido, tanto que foi necessário que a Klísia viesse falar conosco, e se não fosse pela Daniela eu teria ignorado completamente o que viesse daquela víbora. Mas ela apareceu um dia em nossa frente com ares de assustada, por mim eu teria ignorado, mas com ao Danny deu atenção, então decidi parar e ouvir o que a víbora teria pra contar dessa vez:
– Eu sei que vocês dois não gostam muito de mim mas na verdade é que eu passei a noite com o Daniel e ele chamou seu nome a noite toda.
– Meu nome? Tem certeza disso? Não era o da Daniela não?
– Não, era o seu sim.
– Mas não acho que ele seja ... bem ...
– Claro que não seu besta, ele odeia você.
– É verdade amor, a gente precisa ter mais cuidado. O Daniel é bem capaz de fazer uma besteira.
– Besteira? Ele jurou que vai matar o Leonardo, ele meteu na cabeça que vocês dois já andaram fazendo o que não devia, que ele é quem tinha que dormir com a Danny primeiro, que ela é a garota dele e tal, mas todo mundo sabe que o Leonardo é santinho demais pra esse tipo de coisa ...
Isso era grave, mesmo que eu chegasse a perder minha vida minha preocupação maior era a de deixar minha mulher e meu filho sem um amparo, pois a cada dia que se passava, o quanto mais eu e a Danny nos aproximávamos um do outro, mais ela se distanciava da própria família, várias vezes ela chegava em casa magoada, chorava muito, pelas besteiras que o pai dela falava, jogando na cara tudo o quanto já tinha feito por ela, o quanto já tinha gastado com ela, lhe dando sempre do bom e do melhor, até o emprego se não fosse graças a ele ela estaria desempregada, e agora como ela lhe agradecia, se misturando com qualquer um, andando com má companhia; essas e outras besteiras do tipo, doía muito ouvir isso do próprio pai, e muito mais ainda por a mãe dela não ter permissão de dizer absolutamente nada, ela até que entendia um pouco a filha, mas o pai sabendo disso não permitia que ninguém interferisse quando ele estava “corrigindo” a filha.
Era nessas condições que as vezes ela batia na minha porta meia noite ou uma e meia da madrugada, quando eu abria a porta e ela me olhava chorando sem dizer nada, eu já entendia tudo, abraçava ela e deixava ela chorar o quanto quisesse. Parece que o quanto mais nossas vidas se tornavam um paraíso, mais a vida dela com sua família se tornava um inferno.
Eu me doía muito por isso, pois eu sabia que era tudo culpa minha, nunca fiz nada pra ninguém, eu queria apenas viver minha vida em paz, mas era alvo de críticas e imprecações sem mesmo nunca ter feito nada pra ninguém, havia ocasiões em que eu era convidado a dirigir o serviço de culto, fazendo uma pequena explanação de um texto bíblico, outras eu participava de algumas peças instrumentais ou colaborava na preparação de alguma outra coisa, mas enquanto estive ali naquela cidade, nunca entendi porque eu despertava tanta suspeita, nunca me importei com isso, mas agora eu começava a ficar preocupado, pois outra pessoa já estava sofrendo por minha causa, e eu não ia permitir isso nunca, não ia permitir que minha mulher e meu filho sofressem por minha causa, pois agora além do mau humor do pai dela, tínhamos também as ameaças do Daniel, fomos forçados a tomar uma decisão que estávamos planejando para o futuro e numa dessas noites em que ela chegou em casa arrasada por causa do pai, a gente planejou tudo:
– A gente vai ter que se mudar daqui.
– Mas pra onde a gente vai, Léo?
– Sei lá, pra qualquer lugar onde possamos ter um pouco de paz.
– Acha melhor a gente se casar?
– Também, não vamos morar juntos sem regularizar nossa situação, isso seria rebeldia aberta, e rebeldia por rebeldia acho que a gente já pecou demais, se não consertarmos nossas vidas Deus não pode nos abençoar.– Sei.
– Assim que você der a luz, já estaremos casados mesmo, arrumamos nossas malas e vamos embora daqui. Enquanto era só eu que sofria críticas, estava tudo bem, sempre vivi assim mesmo, mas agora que começaram a envolver vocês dois, temos que tomar uma decisão, assim que nosso filho nascer, a gente vai embora.
– Acho que é a melhor coisa que a gente faz mesmo, mas a Klísia estava certa.
– Você acredita nela?
– Acredito e acho que você também tem que acreditar, isso é bem típico do Daniel, ele 'tá se sentindo despeitado.
– Isso confirma tudo o que você suspeitava lembra? Era por isso que ele estava com você.
– Exatamente, como ele sabe que perdeu a chance justo pra você, 'tá louco de inveja.
– Quer dizer, “sabe” por dedução própria né, nunca ninguém falou isso pra ele.
Naquela noite, ou melhor, em todas as noites que ela chegava em casa arrasada por causa da família, a gente dormia junto e ela faltava no trabalho no dia seguinte, bem é até compreensível pois o chefe dela era o próprio pai e depois de uma noite daquelas em casa é lógico que ela queria um tempo de sossego, mas se não fizéssemos planos de ir embora dali, era hora de trocar de emprego.
Na manhã seguinte, recebemos um telefonema do nosso pastor, nos avisando que um dos funcionários dos escritórios de direção da igreja assistiu nossa tarde de programação clássica e tinha gostado muito, aí estava querendo montar uma orquestra sinfônica a nível distrital e eram os nomes meu e do Marcello que estavam sendo cotados, na verdade esse era o grande sonho do Marcello, e eu também queria muito participar desse projeto só que tudo o que eu mais queria era sair dali, pois estávamos correndo risco de vida, eu a Danny que já estava com quase dois meses e meio de gestação e pra quem prestasse muita a atenção, o que não era quase ninguém agora que ela estava comigo, notaria que a barriga já não estava do tamanho normal. Aproveitei a oportunidade pra falar ao pastor que andávamos fazendo algumas “coisinhas erradas” que ele logo entendeu e prometeu que trataria disso logo que retornasse, não abri o jogo completamente pelo telefone, nem mesmo fal
Quando acordei, estava num quarto de hospital, não havia gesso nos meus braços, minha cabeça estava enfaixada, abri os olhos, olhei em volta sem me mover quase chorei quando vi meu doce anjo sã e salva sentada numa poltrona de espera, calmamente folheando uma revista, havia um relógio grande na parede marcando três e meia da tarde haviam também algumas máquinas monitorando meu corpo. – Oi. – Oi, meu amor – na mesma hora ela largou a revista e já veio para meu lado com os olhos marejados começou logo a beijar meu rosto todo. – minha vida, até que enfim, quanta saudade, meu amor. – Como você está? – Estou bem, eu estava muito preocupada com você. Você quase morreu. – Quanto tempo fiquei “fora do ar”? – ela demorou um pouco pra responder. – Três meses. – Tudo isso? – ela apenas acenou com a cabeça dizendo que sim. E já passava a mão no meu rosto. –
Depois de quase um ano e meio, chegou o dia da minha formatura, convidei alguns poucos amigos, não havia muitos, após a cerimônia no auditório da faculdade, precedida de um culto de ação de graças, fomos a nossa festa, e nesse dia me dei ao luxo de passar a noite toda em claro bagunçando com os colegas, a Danny não aguentou e lá pelas três ou quatro da manhã acabou dormindo dentro do carro que tínhamos alugado especialmente para a ocasião. Agora eu me considerava um músico de verdade, oficialmente formado, bacharel em música com habilitação em piano, até então eu dizia que era apenas um estudante. Resolvemos então dar continuidade aos nossos planos, e o primeiro deles, agora que eu tinha me formado era nos mudarmos daquela cidade, ir embora rumo a nosso próprio destino, em outra cidade então iniciaríamos o tratamento dela pra que pudéssemos ter nossos filhos, frequentaríamos uma igreja menor, onde houvesse mais necessidade de ajuda, e conseguiríamos um emprego t
Quando acordei, fiquei aliviado daquele pesadelo, dei graças a Deus por que estava vivo, por que tudo não passava de mais um sonho ruim, que era tudo imaginação minha e que agora era só levantar-me da minha cama e seguir minha vida, lembrei-me que eu precisava continuar preparando as coisas para nossa mudança, abri os olhos e me sentei na cama, eu não estava em casa, não era o meu quarto, não era minha cama, e não era a Daniela que estava lá, tudo em volta era branco, a calma era de ferro, alta, ao invés de um criado-mudo tinha umas máquinas grandes ao lado da minha cama, comecei a ficar com medo, não era possível, eu ainda estava sonhando, gritei por socorro e não foi a Daniela que apareceu, tinha uma mulher alta, branca de cabelos pretos e curtos, usava um jaleco branco e um crachá escrito Tereza, devia ser seu nome. – Que bom que você acordou, já era hora Leonardo! – ela sorriu pra mim, deu uma olhada na máquina à minha cabeceira, tomou uma prancheta co
Recebi alta uns dias depois, fiquei por um mês na casa do Arthur, não tive coragem de sair de casa pra nada, nem mesmo pra ir à igreja, pelo menos não para “aquela” igreja, e eu queria distancia da casa onde morei com a Daniela, do bairro, de tudo ali. Eu e a Danny, tínhamos resolvido colocar nossas economias numa única conta poupança, onde eu tinha depositado todos os meus direitos trabalhistas e ela os dela, ainda outras economias também, de modo que quando saí do hospital, o dinheiro ainda estava lá, e tinha rendido um pequeno juro, vendi minha moto, comprei um carro com um porta-malas amplo, juntei tudo o que era meu, me despedi do meu último amigo num triste abraço que demorou muito, chorei muito nessa hora, abraçado com ele olhando nos olhos eu não tinha coragem de falar nada. Seus pais que me conheciam muito bem não estavam lá, como o pai do Arthur trabalhava com turismo, estavam ambos na Flórida, Estados Unidos. – Você ainda vai ser mui
Dessa vez não escolhi a cidade por acaso como da outra vez, eu havia conversado muito pela internet com uma moça chamada Ana Paula, falei de meu interesse em mudar de cidade e ela me sugeriu que experimentasse Valparaíso, ficava a uns cem quilômetros de distância da capital, não falei nem mesmo pra ela quando cheguei, decidi “me instalar” primeiro, então aluguei uma casa num conjunto cerca de quinze minutos de carro do centro, eu queria mesmo comprar alguma coisa, pois dessa vez eu estava vindo pra morar e durante os três anos em Lençóis guardei dinheiro pra dar pelo menos uma entrada num imóvel pra mim, mas preferi conhecer a cidade primeiro depois eu poderia escolher melhor. Depois da casa alugada, mobilhada e arrumada do meu jeito, saí de carro para encontrar a igreja e não demorou nem meia hora, percebi que eu ia gostar dali, parei o carro na frente da igreja, havia um rapaz de camiseta branca com uma mangueira regando o gramado da recepção, essa igreja não
No sábado minha nova amiga veio sentar-se ao meu lado na classe de estudos, me incomodou um pouco por que enquanto eu queria prestar a atenção ela conversava muito, mas eu também não queria ofendê-la, então tentei dar atenção a ela da forma mais discreta que pude mas depois de alguns minutos falando sobre o assunto da lição que estudávamos, mudei de assunto na hora: – Vi seus amigos cantando essa semana. – Ah foi? E aí, o que você achou? – Realmente você estava certa, eles são muito ruins mesmo, mas com alguns “ajustes” cantariam muito bem, eles tem vozes boas, parecem ser afinados, mas precisam de ensaios; pareceu-me que eles não ensaiam, ou se ensaiam não o fazem direito. – Eles ensaiam sim, e muito. Acho que não sabem nem ensaiar, né? – Talvez. – E você acha que pode fazer esses, “ajustes”? – Claro, é coisa simples, mas eu tenho métodos diferentes de trabalha
– Ok então – levantei-me do piano, peguei minha bolsa com meu computador e algumas partituras, eu já estava sabendo do ensaio pela Danda e por isso vim preparado, me preparei para ir embora, peguei a mão da Amanda, me aproximei da porta, mas antes de sair falei exclusivamente pra ele – Félix, escute uma coisa, acabei de chegar do interior e ainda não me comprometi com ninguém – eu não gostava muito de ficar falando o que eu era ou não era, o que eu sabia ou não sabia, mas diante da prepotência do Félix, era preciso – eu estudo música desde os dezoito anos, hoje tenho vinte e oito, eu sei que dez anos não é quase nada diante de outros que já vi por aí, mas esses “outros” estão ocupados demais pra ficarem “perdendo tempo” com quartetos – falei assim mesmo, fazendo gesto de aspas com os dedos indicador e m&