Por mais que quisesse ignorar Simone, a curiosidade cresceu como uma erva daninha, necessitando ser arrancada. Com um suspiro pesado, Tábata abriu o portão, mas não fez qualquer movimentação para levar a visitante indesejada para dentro da casa. Com as mãos entrelaçadas sobre a barriga, se manteve em pé barrando a passagem em direção à porta da casa, observando Simone que andava lentamente pelo gramado, analisando o ambiente como se fosse uma especialista avaliando um imóvel.
— Sabia que essa casa era pra ser um presente pra mim? — disse Simone encarando Tábata. — Guilherme a comprou pensando no nosso futuro. Isso, indiretamente, faz de mim a dona, não acha?
Desviando o olhar para o imóvel, Tábata inspirou fundo e expirou devagar. Não deixaria a insegurança atingi-la, principalmente, não deixaria aquela mulhe
Mesmo após a partida de Simone, uma tensão opressora permaneceu cercando Tábata pelo resto do dia. A voz adocicada, ferina e carregada de ameaças davam voltas em sua mente, tirando a pouca confiança que tinha na relação que tinha com Guilherme.Desnorteada, andou até o quarto preparado por ela para a chegada da bebê. Pela primeira vez não sentiu a costumeira alegria ao entrar ali. O quarto exalava uma serenidade agridoce. Inspirou fundo, soltando o ar devagar, deslizando as mãos pelas laterais do ventre, sentindo a filha se remexer no interior.Caminhou devagar pelo quarto em tons de branco e amarelo, olhando para as pequeninas abelhinhas desenhadas ate chegar ao berço preparado para a chegada da bebê.— Abelhinha — começou em um sussurro —, todas as noites tento acreditar que vou ser forte o suficiente pra te proteger de tudo. E se eu não for
O maxilar de Guilherme se contraiu imediatamente, e ele desviou o olhar para as mãos, agora fechadas em punhos sobre as coxas. Inspirou fundo, o ar saindo aos poucos em um suspiro pesado. — Ódio... — repetiu num múrmurio, quase para si mesmo. — Não, não sinto ódio por ela. Levando a mão à nuca, massageou o local lentamente, enquanto a mente procurando as palavras certas para responder uma questão que nem ele compreendia por completo.— Mágoa descreve melhor. — Se recostou no sofá, deixando a cabeça tombar para trás, encarando o teto. — Ela nos deixou quando eu tinha pouco mais de sete anos. — Ele fechou os olhos por um momento, como se revivesse a cena. — Disse que precisava de uma vida melhor. Desde então, casou mais duas vezes e só entra em contato pra pedir algum favor ao meu pai. — Soltou um risco de riso, a amargura corroendo suas palavras. — Essa é a pior parte. Ela pode me ignorar como filho, estou habituado. Mas é cruel ao procurar meu pai quando está em dificuldade, ou resse
Tábata soltou um som breve e amargo, enquanto seus ombros se encolhiam.— Você diz isso agora...Ele se inclinou para frente, apoiando um antebraço no joelho, a mão acariciando o ventre com uma agitada bebê, sem tirar os olhos dos de Taby.— Taby, seja o que for, pode me contar.Tábata respirou fundo, sentindo o calor da mão de Guilherme ainda repousada sobre sua barriga. Era estranho como aquele simples toque lhe dava força e coragem, mesmo que a lembrança do que precisava dizer enchesse seu peito de um imenso peso.— Eu sempre me senti como um peso, uma peça deslocada... Descartável — engoliu em seco, empurrando sem sucesso o bolor doloroso se acumulando na garganta. — Além de não ser querida em casa, nunca fui o tipo de garota que os rapazes admiravam e escolhem. Sempre fui... — hesitou, buscando a
A penumbra do quarto era acolhedora, deitada ao lado de Guilherme, Tábata sentia o calor e segurança do braço dele em volta de sua cintura. Mesmo que não passassem de beijos e carinhos, estar assim com ele preenchia o vazio deixado por anos de abandono e incertezas.Aconchegou o rosto contra o tecido macio da camiseta dele, impregnada do perfume que associava a conforto e pertencimento. Guilherme respirava em um ritmo lento e constante, o som quase hipnótico, e Tábata tentava não se mover, para não quebrar aquele precioso momento.— Sem sono?Sobressaltou-se, erguendo o rosto para encará-lo na semiescuridão.— Como sabe que estou acordada?Mesmo com a pouca luz, ela pôde perceber o sorriso no canto dos lábios dele.— Você se mexe muito quando está realmente dormindo — ele respondeu, a voz
Exultante, ao meio dia em ponto Simone saiu de sua sala para sua hora de almoço, o salto de seus sapatos de grife ecoando pelo corredor. O cabelo dourado estava impecavelmente penteado e seu perfume caro deixava um rastro açucarado no ar, enquanto ignorava as saudações e a curiosidade dos colegas no caminho até os elevadores. Estava concentrada no celular, onde as mensagens de Guilherme preenchiam a tela.Amor (08:34): “Marquei hora no La Belle Vie. Melhor nos encontrarmos longe do escritório para evitar falatório.”Sorriu ao reler o nome do restaurante. Era um lugar especial, onde costumavam ir quando estavam juntos. A escolha não parecia casual, e isso apenas fortalecia sua confiança de que estava a caminho da reconciliação. Com o coração acelerado e esperançoso, digitou antes de entrar no elevador: “Estou a caminho do restaurante. Te encontro lá.”Marcou um lembrete mental para pedir o vinho que Guilherme costumava apreciar. Enquanto descia, olhou para o reflexo no espelho polido
Guilherme permaneceu em silêncio durante o tempo que o garçom colocou o pedido de Simone na mesa. Assim que o homem se virou para sair, voltou sua atenção para a bela mulher a sua frente, que nada mais que dor de cabeça lhe causava nos últimos meses.— Marquei esse encontro aqui pra minimizar danos — disse em voz baixa, mas firme, enquanto observava o garçom se afastar. — Não quero que nossos colegas nos vissem juntos e começassem a criar teorias. Muito menos que ouvissem o que tenho a dizer. — Ele se recostou na cadeira, cruzando os braços, enquanto seus olhos âmbar se fixavam nela com seriedade. — Sendo repetitivo: é necessário deixarmos tudo claro entre nós de uma vez por todas. Simone franziu o cenho, temendo não ter conseguido decifrar a intenção dele. — Não entendo... — É simples. Jamais voltaremos a ter algo — declarou ele, as palavras cortando o ar como uma lâmina. — O que sinto por você é desprezo.Simone perdeu o fôlego por um instante. Abriu a boca para protestar, mas ne
O bairro da Liberdade estava um espetáculo. Lanternas vermelhas e douradas enfeitavam as ruas, o som ritmado dos tambores preenchia o ar, e os aromas das barracas de comida tradicional despertavam lembranças da infância de Tábata. Guilherme segurava sua mão ao atravessarem a multidão, desviando de crianças empolgadas e adultos sorridentes celebrando o Ano-Novo Chinês. — É incrível! — exclamou Tábata, os olhos brilhando ao ver os movimentos do dragão colorido deslizando graciosamente entre a multidão, as fitas douradas refletindo a luz do sol. — Tenho que gravar tudo pra enviar pro Lee e pro Tomás — disse pegando o celular. — Era o nosso dia favorito com a vovó — contou, sorrindo ao ver os bailarinos em trajes vibrantes ondulando como um único ser.— Gravo pra você — ele decidiu pegando o próprio aparelho, apontando a câmera para ela. — Fala alguma coisa pra ele.Ela riu, ajeitando o cabelo, o rosto iluminado pela felicidade. — Você tinha que estar aqui! Está maravilhoso, e o cheiro
Os dias que seguiram o Festival da Primavera passaram como uma névoa para Tábata. A intensidade no olhar, no beijo e no toque de Guilherme naquele dia, somando a declaração de desejo pairava como um enigma em sua mente acostumada as armadilhas das emoções. “Eu te desejo, Taby”, a voz dele rouca e baixa, ecoava em seu coração como uma melodia doce e convidativa pela qual esperou por anos. Mas, depois do festival, ele não tinha tentado nada no sentido que as palavras levavam, tendo o comportamento habitual que se tornou a rotina deles: Dormiam juntos, abraçados, como ele atrás dela envolvendo-a em seus braços com carinho, sem nenhum toque mais ousada, tão íntimo quanto casto. Ele a beijava sempre ao sair para o trabalho e ao voltar para casa, mas eram beijos suaves, simples, diferentes do turbilhão que havia sentido na noite do festival.Guilherme a desejava mesmo? Ou aquelas palavras ditas no festival haviam sido apenas um momento impulsivo? Ele parecia tão tranquilo, como se tudo es