O som dos saltos de Simone ecoava pelo estacionamento subterrâneo, um ruído forte ritmado que combinava perfeitamente com sua determinação. Guilherme estava encostado em uma pilastra, revisando mensagens no celular enquanto esperava o elevador. Ao ouvir os passos, ergueu os olhos, franzindo o cenho ao ver a figura alta e impecável da ex-namorada se aproximando.
— Guilherme, precisamos conversar. — A voz era doce como o perfume que o alcançou instantes antes dela parar a sua frente.
— Mande o que for por e-mail. — Foi direto e distante. — Respondo assim que possível.
Voltou a se concentrar na tela do celular, implorando mentalmente para o elevador chegar logo. Podia ir pelas escadas, mas estava atrasado demais para a reunião daquela manhã.
— Não é algo que se resolve por e-mail. É sobre a sua amiguinha, Tábata — el
Por mais que quisesse ignorar Simone, a curiosidade cresceu como uma erva daninha, necessitando ser arrancada. Com um suspiro pesado, Tábata abriu o portão, mas não fez qualquer movimentação para levar a visitante indesejada para dentro da casa. Com as mãos entrelaçadas sobre a barriga, se manteve em pé barrando a passagem em direção à porta da casa, observando Simone que andava lentamente pelo gramado, analisando o ambiente como se fosse uma especialista avaliando um imóvel.— Sabia que essa casa era pra ser um presente pra mim? — disse Simone encarando Tábata. — Guilherme a comprou pensando no nosso futuro. Isso, indiretamente, faz de mim a dona, não acha?Desviando o olhar para o imóvel, Tábata inspirou fundo e expirou devagar. Não deixaria a insegurança atingi-la, principalmente, não deixaria aquela mulhe
Mesmo após a partida de Simone, uma tensão opressora permaneceu cercando Tábata pelo resto do dia. A voz adocicada, ferina e carregada de ameaças davam voltas em sua mente, tirando a pouca confiança que tinha na relação que tinha com Guilherme.Desnorteada, andou até o quarto preparado por ela para a chegada da bebê. Pela primeira vez não sentiu a costumeira alegria ao entrar ali. O quarto exalava uma serenidade agridoce. Inspirou fundo, soltando o ar devagar, deslizando as mãos pelas laterais do ventre, sentindo a filha se remexer no interior.Caminhou devagar pelo quarto em tons de branco e amarelo, olhando para as pequeninas abelhinhas desenhadas ate chegar ao berço preparado para a chegada da bebê.— Abelhinha — começou em um sussurro —, todas as noites tento acreditar que vou ser forte o suficiente pra te proteger de tudo. E se eu não for
O maxilar de Guilherme se contraiu imediatamente, e ele desviou o olhar para as mãos, agora fechadas em punhos sobre as coxas. Inspirou fundo, o ar saindo aos poucos em um suspiro pesado. — Ódio... — repetiu num múrmurio, quase para si mesmo. — Não, não sinto ódio por ela. Levando a mão à nuca, massageou o local lentamente, enquanto a mente procurando as palavras certas para responder uma questão que nem ele compreendia por completo.— Mágoa descreve melhor. — Se recostou no sofá, deixando a cabeça tombar para trás, encarando o teto. — Ela nos deixou quando eu tinha pouco mais de sete anos. — Ele fechou os olhos por um momento, como se revivesse a cena. — Disse que precisava de uma vida melhor. Desde então, casou mais duas vezes e só entra em contato pra pedir algum favor ao meu pai. — Soltou um risco de riso, a amargura corroendo suas palavras. — Essa é a pior parte. Ela pode me ignorar como filho, estou habituado. Mas é cruel ao procurar meu pai quando está em dificuldade, ou resse
Tábata soltou um som breve e amargo, enquanto seus ombros se encolhiam.— Você diz isso agora...Ele se inclinou para frente, apoiando um antebraço no joelho, a mão acariciando o ventre com uma agitada bebê, sem tirar os olhos dos de Taby.— Taby, seja o que for, pode me contar.Tábata respirou fundo, sentindo o calor da mão de Guilherme ainda repousada sobre sua barriga. Era estranho como aquele simples toque lhe dava força e coragem, mesmo que a lembrança do que precisava dizer enchesse seu peito de um imenso peso.— Eu sempre me senti como um peso, uma peça deslocada... Descartável — engoliu em seco, empurrando sem sucesso o bolor doloroso se acumulando na garganta. — Além de não ser querida em casa, nunca fui o tipo de garota que os rapazes admiravam e escolhem. Sempre fui... — hesitou, buscando a
A penumbra do quarto era acolhedora, deitada ao lado de Guilherme, Tábata sentia o calor e segurança do braço dele em volta de sua cintura. Mesmo que não passassem de beijos e carinhos, estar assim com ele preenchia o vazio deixado por anos de abandono e incertezas.Aconchegou o rosto contra o tecido macio da camiseta dele, impregnada do perfume que associava a conforto e pertencimento. Guilherme respirava em um ritmo lento e constante, o som quase hipnótico, e Tábata tentava não se mover, para não quebrar aquele precioso momento.— Sem sono?Sobressaltou-se, erguendo o rosto para encará-lo na semiescuridão.— Como sabe que estou acordada?Mesmo com a pouca luz, ela pôde perceber o sorriso no canto dos lábios dele.— Você se mexe muito quando está realmente dormindo — ele respondeu, a voz
Exultante, ao meio dia em ponto Simone saiu de sua sala para sua hora de almoço, o salto de seus sapatos de grife ecoando pelo corredor. O cabelo dourado estava impecavelmente penteado e seu perfume caro deixava um rastro açucarado no ar, enquanto ignorava as saudações e a curiosidade dos colegas no caminho até os elevadores. Estava concentrada no celular, onde as mensagens de Guilherme preenchiam a tela.Amor (08:34): “Marquei hora no La Belle Vie. Melhor nos encontrarmos longe do escritório para evitar falatório.”Sorriu ao reler o nome do restaurante. Era um lugar especial, onde costumavam ir quando estavam juntos. A escolha não parecia casual, e isso apenas fortalecia sua confiança de que estava a caminho da reconciliação. Com o coração acelerado e esperançoso, digitou antes de entrar no elevador: “Estou a caminho do restaurante. Te encontro lá.”Marcou um lembrete mental para pedir o vinho que Guilherme costumava apreciar. Enquanto descia, olhou para o reflexo no espelho polido
Guilherme permaneceu em silêncio durante o tempo que o garçom colocou o pedido de Simone na mesa. Assim que o homem se virou para sair, voltou sua atenção para a bela mulher a sua frente, que nada mais que dor de cabeça lhe causava nos últimos meses.— Marquei esse encontro aqui pra minimizar danos — disse em voz baixa, mas firme, enquanto observava o garçom se afastar. — Não quero que nossos colegas nos vissem juntos e começassem a criar teorias. Muito menos que ouvissem o que tenho a dizer. — Ele se recostou na cadeira, cruzando os braços, enquanto seus olhos âmbar se fixavam nela com seriedade. — Sendo repetitivo: é necessário deixarmos tudo claro entre nós de uma vez por todas. Simone franziu o cenho, temendo não ter conseguido decifrar a intenção dele. — Não entendo... — É simples. Jamais voltaremos a ter algo — declarou ele, as palavras cortando o ar como uma lâmina. — O que sinto por você é desprezo.Simone perdeu o fôlego por um instante. Abriu a boca para protestar, mas ne
O bairro da Liberdade estava um espetáculo. Lanternas vermelhas e douradas enfeitavam as ruas, o som ritmado dos tambores preenchia o ar, e os aromas das barracas de comida tradicional despertavam lembranças da infância de Tábata. Guilherme segurava sua mão ao atravessarem a multidão, desviando de crianças empolgadas e adultos sorridentes celebrando o Ano-Novo Chinês. — É incrível! — exclamou Tábata, os olhos brilhando ao ver os movimentos do dragão colorido deslizando graciosamente entre a multidão, as fitas douradas refletindo a luz do sol. — Tenho que gravar tudo pra enviar pro Lee e pro Tomás — disse pegando o celular. — Era o nosso dia favorito com a vovó — contou, sorrindo ao ver os bailarinos em trajes vibrantes ondulando como um único ser.— Gravo pra você — ele decidiu pegando o próprio aparelho, apontando a câmera para ela. — Fala alguma coisa pra ele.Ela riu, ajeitando o cabelo, o rosto iluminado pela felicidade. — Você tinha que estar aqui! Está maravilhoso, e o cheiro