O sol poente tingia o quintal da casa de Lee Mamoru com tons dourados, criando uma atmosfera acolhedora e tranquila. Sentada em um banquinho junto à parede, sua prima Tábata Mamoru sentia-se nervosa enquanto observava Guilherme Perez treinar kung fu com Lee. Seu coração batia descompassado, ansioso pelo momento de coragem, aquele que a faria chegar no rapaz e fazer o pedido que martelava em sua mente desde que acordou naquela manhã. Sendo sincera consigo, aquele pedido dominava seus sonhos desde que conheceu Guilherme.
O vento suave brincava com os fios soltos dos coques duplos prendendo seu cabelo, quando, enfim, o treino acabou e Taby ergueu-se para colocar em ação seu desejo.
Graças aos céus seu tio chamou seu primo, que correu para dentro da residência sem perceber as intenções dela. A presença dele inibiria sua intenção.
Concentrado em tirar o suor do corpo, lavando o tórax fortificado e o rosto no tanque, Guilherme não reparou em sua aproximação, ou não se importou. Taby temia pela segunda opção, mas nem isso a parou. Observou a cicatriz na testa dele, uma marca que o tornava ainda mais atraente aos seus olhos e inspirou fundo, puxando no âmago de seu ser a firmeza que faltava em suas pernas.
— Gui... — chamou Taby, a voz tremendo ligeiramente. — Posso falar com você um instante?
Guilherme parou seus movimentos e se virou para encará-la, as íris de um âmbar apaixonante fixando-se nela.
— Claro, Pucca[1]! — Ele citar o apelido carinhoso, dado por causa dos coques que ela sempre usava, fez a insegurança diminuir e um sorriso formar-se nos lábios trêmulos. — O que quer?
Espremeu os dedos um contra o outro para se tranquilizar, até desistir e movê-los para trás das costas.
— Hoje é meu aniversário de quinze anos... — começou, a voz mais baixa do que pretendia.
— Parabéns, Taby! — Guilherme pronunciou e a abraçou de repente. Foi por um segundo, rápido demais, mas a deixou em nuvens coradas de vergonha e euforia. — Se soubesse teria te comprado algo — ele justificou ao se afastar.
— Mas pode... me dar um presente... — pigarreou insegura. — Desejo um beijo de presente...
Segurou a respiração quando ele se inclinou, vencendo a distância de suas alturas, o perfume amadeirado envolvendo-a, o rosto tão próximo, a boca a centímetros para beijar... sua bochecha.
— Parabéns! — ele repetiu com o sorriso que a fazia derreter como manteiga no pão quente. Porém, dessa vez o efeito foi diminuído pela decepção.
— Não! Quero um beijo na boca — declarou ligeiramente decepcionada.
Guilherme arqueou uma sobrancelha, uma leve confusão atravessando os olhos de mel. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Taby segurou a respiração, esperando pela resposta, o coração descompassado. Mas quando ele finalmente falou, suas palavras caíram como um balde de água fria sobre ela.
— Desculpe, Tábata, mas não posso fazer isso — pronunciou firme. — Não seria certo.
Taby sentiu o chão desaparecer sob seus pés e a dor da rejeição cortar fundo, misturando-se com todas as outras feridas que carregava em seu coração. Engoliu as lágrimas querendo transbordar e murmurou tentando trazer um sorriso aos lábios trêmulos:
— Entendo... — Se virou, querendo escapar daquele momento constrangedor o mais rápido possível e chorar longe dos olhos dele.
Teve a fuga impedida pela mão grande agarrando seu braço.
— Taby, você é uma garota incrível — o ouviu falar, mantendo-se de costas para poupar ambos das constrangedoras lágrimas —, mas é muito nova...
— Não precisa se desculpar. Já entendi! — ela o cortou puxando o braço para se afastar do toque dele.
Sem esperar novas justificativas, correu em direção ao muro baixo, usando o banco, em que estava minutos antes sonhando com beijos apaixonados, para pegar impulso e pular furiosamente e desesperadamente para a casa do lado, a sua. Não querendo ser vítima da curiosidade dos irmãos, ou do desprezo de sua mãe, permaneceu nos fundos da residência, encolhida entre a parede e o tanque.
De cabeça baixa, com as pernas junto ao corpo, seguradas com força por seus braços, Taby deixou as lágrimas transbordarem.
Com o coração despedaçado em mil pedaços, não conseguia entender por que ele a rejeitou daquela forma. Era só um beijo. Um momento para ela guardar na memória. Sofria tanto com a rejeição da própria família, e agora mais essa dor vinda da pessoa que amava.
Respirou fundo, buscando controlar-se e acabar com as lágrimas antes que fosse encontrada naquela posição lastimável. Tinha que se conformar. Da mesma forma que não conseguia fazer seus familiares a amar, não podia forçar Guilherme a sentir algo por ela. Ainda assim, doía demais ser constantemente rejeitada.
Sempre estava tão sozinha e desamparada, com a constante sensação que a vida a odiava e a cercava de desprezo. O único que desejava, naquele momento e em todos os que a levaram até ali, era alguém para amar e que a amasse de volta.
Com o coração pesado, ergueu o olhar para o céu, agora usando o véu noturno pontilhados de estrelas, e se prometeu nunca mais permitir que alguém a afetasse dessa forma, que a fizesse se sentir tão pequena e insignificante. Encontraria o amor.
Dez anos depois, além de quebrar a cara e o coração caindo em novas ilusões em busca do amor, se viu parada diante de sua paixão de adolescência, aguentando o olhar âmbar vistoriando seu corpo até chegar a sua barriga. Dessa vez não havia para onde fugir e Guilherme Perez era seu único bote salva-vidas. Seu e do bebê em seu ventre.
[1]Pucca, personagem de uma série de animação estadunidense-canadense-sul-coreana.
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N/A: Tabby descobrindo que o mundo não gira, ele capota, rs. O que será que aconteceu para que esses dois se vissem cara a cara com um bebê entre eles? Descubra nos próximos capítulos <3
A primeira vez que recebeu uma amostra da raiva de sua mãe, Tábata Mamoru tinha sete anos. Era uma menina magrela, com longas madeixas marrons espremidas até as lágrimas em dois coques alto, feitos todas as manhãs por sua mãe a fim de evitar piolhos. Já naquela época notava que não era amada como os outros três irmãos e tentava, dentro das possibilidades de sua tenra idade, agradá-la e demonstrar que desejava ser aceita por ela.Do seu ponto de vista – que persistiria nos anos seguintes – era uma filha exemplar. Ajudava nos afazeres de casa, nunca respondia os mais velhos, respeitava todas as regras de comportamento e ordens de seus pais e, por mais que não gostasse em alguns momentos, ajudava nos cuidados de seu irmão seis anos mais novo.Mas nada satisfazia sua mãe. O desagrado e desaprovação sulcavam o rosto dela toda vez que olhava em sua direção. Por isso, em sua inocência infantil, achou que se maquiar como ela a faria perceber que a amava e queria ser igual a mãe. Entretanto, q
O celular vibrou sobre a escrivaninha, obrigando Guilherme Perez a tirar os olhos do documento que redigia. Sorriu ao ver a foto de seu amigo de infância preencher a tela.— Oi Lee! Como anda a vida?— Comigo tudo bem, cara. Estou nos Estados Unidos, participando de alguns eventos. Farei meu nome brilhar esse ano! — informou empolgado como sempre. — Mas não te liguei pra falar disso. Preciso da sua ajuda.— Jurídica? — Se endireitou em sua poltrona de couro marrom, intrigado com o pedido. Lee não costumava se meter em encrenca, não conseguia imagina-lo em uma situação que precisasse de um advogado.— Talvez... — O que você fez?— Eu? Nada. O problema é com a minha prima Tábata. Lembra-se dela? — Lembro...E como não lembrar? Sorriu nostálgico ao recordar da menina determinada, com constantes coques duplos, lembrando o penteado da personagem Pucca. A garota que seguia Lee e ele nos treinos de boxe e kung fu, sendo tão boa na luta quanto os dois. A jovem que lhe pediu um beijo de pres
Ele assentiu devagar observando seu rosto com tanta atenção que parecia querer ler sua alma, desnudá-la e penetrar sem misericórdia. Sentiu o rosto quente com a direção que sua mente tomava, quando deveria trabalhar em formas de resolver a confusão em que sua vida transformara-se. Culpando os hormônios da gravidez, ergueu-se e marchou em direção ao enorme carro preto estacionado em frente à lanchonete.— Sua casa fica longe? — perguntou, tentando focar em outra coisa.— Dever ser alguns minutos daqui.Ele colocou a mão em suas costas fazendo Tábata arrepiar-se dos pés à cabeça, e apressar o passo para manter distância do toque masculino. Mas ao chegar ao carro de quatro portas e caçamba percebeu que precisaria de ajuda.— O piso é alto... — comentou nervosa, voltando-se e dando de cara com o peito forte de Guilherme.Pousando as mãos nos ombros dela, Guilherme notou a confusão no rosto da Mamoru quando ela o encarou com seus profundos olhos castanhos.— Vai ficar tudo bem — ele garant
A casa de Guilherme ficava em um bairro de classe média, arborizado, jardins na maioria bem cuidados e casas que lembravam as de bonecas. No caminho Tábata visualizou um parque familiar, com crianças correndo e brincando com os aparelhos colocados especialmente para elas: escorregadores, caixas de areia, entre outros. Era um bairro perfeito para criar uma família, o que estava longe de combinar com a visão que tinha de Guilherme.Ela nunca questionou o primo a respeito do Perez, mas sabia que continuava solteiro, por isso presumiu que vivesse em um apartamento frio e solitário como o dono. Mas o bairro e a pequena casa de fachada creme e telhado de lajotas estavam longe de corresponder às suas expectativas. Parecia à casa perfeita para um comercial de margarina, só faltava o casal e as crianças felizes no quintal.Ele estacionou dentro da garagem, construída do lado da casa e com acesso ao imóvel, fechando a porta com o controle enquanto descia e dava a volta para abrir o lado dela. D
Ao acordar a primeira coisa que Tábata registrou foi o cheiro delicioso de café impregnando o ar. Seu estômago gemeu de apreciação, imaginando que o caçula em breve a sacudiria para tomarem o café em família. Foi o silêncio que a despertou para sua realidade, a fez sentar na cama e olhar ao seu redor com o coração apertado.Não haveria mais nenhuma refeição com sua família. Foi expulsa da casa por eles.Tombou o corpo novamente na cama, olhando cegamente para o teto branco, pensando no que fazer dali em diante.Do momento em que recusou a proposta de abortar do pai de seu bebê, até falar para seus pais sobre a gravidez, teve tempo para pensar nas consequências. Apesar de suas desavenças com a mãe, tinha uma vida estável, um trabalho garantido e teto seguro. E abriu mão de tudo isso ao decidir ficar com a crian&cced
Depois que Guilherme saiu para o trabalho, Tábata sentiu-se inquieta. Não era acostumada ao silêncio. Sua casa era o pandemônio todos os dias. O pai, que sofria com a audição limitada devido a um derrame a cerca de três anos, deixava o volume do televisor nas alturas, o que exigia que os demais falassem em tom alto. Sua mãe sempre gritava por qualquer motivo, enquanto os irmãos mais velhos discutiam. Só ela e o caçula, Thomas, traziam a tranquilidade no lugar, isso por se refugiavam no que amavam: ele nos livros e ela nas antiguidades.Não tinha mais o trabalho para distrai-la dos problemas. Não tinha mais nem família para perturbá-la, concluiu num longo respiro.A certeza de que, com exceção do caçula e talvez seu pai, ninguém sentia sua falta não era suficiente para que se esquecesse deles. Quem cuidaria do pai? Pesquisaria novos it
Sem ter o que fazer e desejando retribuir a ajuda de Guilherme, Tábata decidiu limpar a casa. Não era uma grande cozinheira e, com a gravidez avançada, encontrar um novo emprego parecia impossível naquele momento. Por isso, organizar a casa e causar o mínimo incômodo possível durante sua estadia ao menos mostraria o quanto era grata.Depois de limpar sem dificuldade a sala, a cozinha, o quarto em que estava e os corredores, dirigiu-se ao escritório de Guilherme. O ambiente, assim como os demais, era milimetricamente organizado, com poucos objetos em cima da pequena escrivaninha. Uma leve camada de poeira era o máximo que encontrou em todos os cômodos, ali, em que havia poucos móveis, não foi diferente.— Meus irmãos deviam ter umas aulas de limpeza com ele — murmurou impressionada por até o colchão inflável, estar vazio e arrumadinho na caixa, como
A chegada de Guilherme para almoçar não surpreendeu Tábata, supôs ser parte da rotina dele, o que causou estranheza foi que ele parecia mais preocupado em alimentá-la do que comer.Desde que pisou os pés na casa, encontrando-a assistindo televisão, Guilherme esquentou a comida do dia anterior e a chamou para comerem juntos. Tábata teve a ligeira impressão que não fez o prato dela, porque se antecipou montando-o.— Vai comer só isso? — ele questionou olhando com reprovação a comida em seu prato— Tem bem mais do que no seu — afirmou apontando para o dele com o garfo— Mesmo grávida está muito magra. Não parece se alimentar direito.Ela o encarou irritada.— Apesar do que insinua, me alimento bem, é o estresse... e você bancando o meu pai não vai ajudar em nada.— N&