Ele assentiu devagar observando seu rosto com tanta atenção que parecia querer ler sua alma, desnudá-la e penetrar sem misericórdia. Sentiu o rosto quente com a direção que sua mente tomava, quando deveria trabalhar em formas de resolver a confusão em que sua vida transformara-se. Culpando os hormônios da gravidez, ergueu-se e marchou em direção ao enorme carro preto estacionado em frente à lanchonete.
— Sua casa fica longe? — perguntou, tentando focar em outra coisa.
— Dever ser alguns minutos daqui.
Ele colocou a mão em suas costas fazendo Tábata arrepiar-se dos pés à cabeça, e apressar o passo para manter distância do toque masculino. Mas ao chegar ao carro de quatro portas e caçamba percebeu que precisaria de ajuda.
— O piso é alto... — comentou nervosa, voltando-se e dando de cara com o peito forte de Guilherme.
Pousando as mãos nos ombros dela, Guilherme notou a confusão no rosto da Mamoru quando ela o encarou com seus profundos olhos castanhos.
— Vai ficar tudo bem — ele garantiu acariciando com o polegar a pele acima da gola da camiseta que ela usava.
Tábata perguntou-se o quão bem as coisas ficariam se revelasse que há minutos atrás desejou agarrar a bunda dele como uma adolescente... E ainda queria muito fazer isso. Decidiu que era diplomático, e seguro, mudar o rumo da conversa e de seus pensamentos.
— O piso do carro é alto. Não sei como subir nessa coisa sem amassar minha barriga.
— Você deve apoiar o pé ali — apontou para um piso fino na lateral da porta — e pegar impulso segurando aqui.
Tábata fez como indicado, atrapalhada com o volume que protegia. Guilherme deu a volta e subiu sem a menor dificuldade, colocando o cinto e pedindo que fizesse o mesmo antes de colocar o carro em movimento. Assim que ela ajustou o cinto, ele mexeu no GPS[1] e logo a voz mecânica instruía o caminho para a casa dele.
— Hmm, está de quantos meses?
— Acho que cinco.
— Não sabe ao certo? — Guilherme franziu o cenho.
— Estive ocupada pensando em formas de contar aos meus pais para analisar o calendário — Tábata respondeu seca. Não era culpa dele as burrices que cometeu e as consequências dela, mas era frustrante ver ele novamente naquela situação.
— Não está fazendo o pré-natal?
— Se eu saísse para ir ao médico todo mês minha família desconfiaria — respondeu incomodada. Ela quis fazer, mas a primeira vez que pediu sua mãe a encheu de pergunta e o medo foi maior que a prudência e sinceridade.
— Agora não precisa se preocupar com isso — ele disse gentil. — Tem algum médico de confiança?
— Não costumo ir a hospitais para ter um. Só sei que estou grávida porque fiz o teste de farmácia e porque, obviamente, minha barriga não para de crescer — disse recordando que por um tempo torceu para estar enganada, mas os sinais tornaram-se evidentes com o passar dos meses.
— O hospital que frequento tem ótimos médicos, posso marcar um horário para você.
Ela o encarou, surpresa com a sugestão. Ele estava levando o pedido de Lee a sério demais.
— Pelo seu carro imagino que esse lugar é caro.
— Não se preocupe com isso. Pense no bebê — Guilherme aconselhou. — Meu plano de saúde pode cobrir tudo.
— Tem certeza? Se for pelo que o Lee pediu, não é necessário que se incomode — advertiu não desejando ser um incomodo maior do que já era. — Agora que não tenho nada a esconder, posso me consultar na rede pública sem medo.
— Quero ajuda-la porque me importo com você. Somos amigos.
— Não nos vemos é nem nos falamos ha dez anos.
— Nunca me esqueci de você e nem deixei de considerá-la uma amiga — falou. Tábata olhou o perfil dele em busca de um sinal de que pensava no último encontro deles, mas Guilherme sempre foi difícil de decifrar. Permanecia concentrado no caminho, a serenidade na voz ao oferecer sua ajuda e amizade. — Aceite, pelo menos enquanto morarmos juntos.
Tábata foi tomada por sensações agradáveis, o calor se estendendo por seu peito, levando lágrimas aos seus olhos. Ter alguém se importando com ela naquele momento era precioso.
— Aceitarei — disse com um pequeno sorriso agradecido. — Obrigada!
— Não perguntei ao Lee por achar indelicado: Aconteceu algo com o pai da criança? — Guilherme questionou minutos depois.
— Ele pulou fora.
— Sem chance de voltarem?
— Sem chance — murmurou apertando as mãos sobre o colo.
— Ele tem deveres para com a criança — Guilherme indicou concentrado na estrada.
— Olha, não quero entrar em detalhes agora, mas ele não quer reconhecer esses deveres — Tábata contou, acariciando de leve seu ventre, transmitindo conforto e amor ao seu filho. — Depois que o bebê nascer resolverei isso, mas, por enquanto, esse bebê é só meu.
Guilherme assentiu, mesmo que sua testa franzida denunciasse o desagrado com a declaração. Ele ficaria muito mais desgostoso se descobrisse em que condições ela engravidou. Mas não se preocuparia com isso por enquanto, decidiu deslizando os dedos pelo pequeno volume. Aceitaria a ajuda dele e cuidaria de seu bebê, depois pensaria no que fazer.
[1] GPS (Global Positioning System), sistema de navegação por satélite que define a localização geográfica de um objeto.
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N/A: Ela encontrou um bom amigo... ou algo ainda mais especial? Próximos episódios à frente estrelas da minha vida <3
A casa de Guilherme ficava em um bairro de classe média, arborizado, jardins na maioria bem cuidados e casas que lembravam as de bonecas. No caminho Tábata visualizou um parque familiar, com crianças correndo e brincando com os aparelhos colocados especialmente para elas: escorregadores, caixas de areia, entre outros. Era um bairro perfeito para criar uma família, o que estava longe de combinar com a visão que tinha de Guilherme.Ela nunca questionou o primo a respeito do Perez, mas sabia que continuava solteiro, por isso presumiu que vivesse em um apartamento frio e solitário como o dono. Mas o bairro e a pequena casa de fachada creme e telhado de lajotas estavam longe de corresponder às suas expectativas. Parecia à casa perfeita para um comercial de margarina, só faltava o casal e as crianças felizes no quintal.Ele estacionou dentro da garagem, construída do lado da casa e com acesso ao imóvel, fechando a porta com o controle enquanto descia e dava a volta para abrir o lado dela. D
Ao acordar a primeira coisa que Tábata registrou foi o cheiro delicioso de café impregnando o ar. Seu estômago gemeu de apreciação, imaginando que o caçula em breve a sacudiria para tomarem o café em família. Foi o silêncio que a despertou para sua realidade, a fez sentar na cama e olhar ao seu redor com o coração apertado.Não haveria mais nenhuma refeição com sua família. Foi expulsa da casa por eles.Tombou o corpo novamente na cama, olhando cegamente para o teto branco, pensando no que fazer dali em diante.Do momento em que recusou a proposta de abortar do pai de seu bebê, até falar para seus pais sobre a gravidez, teve tempo para pensar nas consequências. Apesar de suas desavenças com a mãe, tinha uma vida estável, um trabalho garantido e teto seguro. E abriu mão de tudo isso ao decidir ficar com a crian&cced
Depois que Guilherme saiu para o trabalho, Tábata sentiu-se inquieta. Não era acostumada ao silêncio. Sua casa era o pandemônio todos os dias. O pai, que sofria com a audição limitada devido a um derrame a cerca de três anos, deixava o volume do televisor nas alturas, o que exigia que os demais falassem em tom alto. Sua mãe sempre gritava por qualquer motivo, enquanto os irmãos mais velhos discutiam. Só ela e o caçula, Thomas, traziam a tranquilidade no lugar, isso por se refugiavam no que amavam: ele nos livros e ela nas antiguidades.Não tinha mais o trabalho para distrai-la dos problemas. Não tinha mais nem família para perturbá-la, concluiu num longo respiro.A certeza de que, com exceção do caçula e talvez seu pai, ninguém sentia sua falta não era suficiente para que se esquecesse deles. Quem cuidaria do pai? Pesquisaria novos it
Sem ter o que fazer e desejando retribuir a ajuda de Guilherme, Tábata decidiu limpar a casa. Não era uma grande cozinheira e, com a gravidez avançada, encontrar um novo emprego parecia impossível naquele momento. Por isso, organizar a casa e causar o mínimo incômodo possível durante sua estadia ao menos mostraria o quanto era grata.Depois de limpar sem dificuldade a sala, a cozinha, o quarto em que estava e os corredores, dirigiu-se ao escritório de Guilherme. O ambiente, assim como os demais, era milimetricamente organizado, com poucos objetos em cima da pequena escrivaninha. Uma leve camada de poeira era o máximo que encontrou em todos os cômodos, ali, em que havia poucos móveis, não foi diferente.— Meus irmãos deviam ter umas aulas de limpeza com ele — murmurou impressionada por até o colchão inflável, estar vazio e arrumadinho na caixa, como
A chegada de Guilherme para almoçar não surpreendeu Tábata, supôs ser parte da rotina dele, o que causou estranheza foi que ele parecia mais preocupado em alimentá-la do que comer.Desde que pisou os pés na casa, encontrando-a assistindo televisão, Guilherme esquentou a comida do dia anterior e a chamou para comerem juntos. Tábata teve a ligeira impressão que não fez o prato dela, porque se antecipou montando-o.— Vai comer só isso? — ele questionou olhando com reprovação a comida em seu prato— Tem bem mais do que no seu — afirmou apontando para o dele com o garfo— Mesmo grávida está muito magra. Não parece se alimentar direito.Ela o encarou irritada.— Apesar do que insinua, me alimento bem, é o estresse... e você bancando o meu pai não vai ajudar em nada.— N&
Quando Guilherme chegou em casa, Tábata sentiu imediatamente o cheiro irresistível que emanava das sacolas em suas mãos. Seus olhos brilharam enquanto o seguia até a cozinha, a curiosidade aguçada pelo aroma saboroso.— Nossa, que cheiro bom! O que é? — perguntou seguindo-o até a cozinha.Ele pousou as sacolas na mesa e, sem responder imediatamente, abriu as embalagens, revelando os pratos que comprou no caminho.— Chow mein [1]com molho de ostra, legumes e carne de porco — disse, sorrindo satisfeito ao abrir a segunda embalagem antes de olhar para ela. — Ah, e tem guioza[2] também.O estômago de Tábata pulou eufórico de felicidade e seus olhos salivaram diante dos pratos.— São os meus favoritos!— Eu sei — ele disse com um sorriso de puro orgulhoso por sua façanha. — Pode comer à vontade, &e
O sol poente tingia o quintal da casa de Lee Mamoru com tons dourados, criando uma atmosfera acolhedora e tranquila. Sentada em um banquinho junto à parede, sua prima Tábata Mamoru sentia-se nervosa enquanto observava Guilherme Perez treinar kung fu com Lee. Seu coração batia descompassado, ansioso pelo momento de coragem, aquele que a faria chegar no rapaz e fazer o pedido que martelava em sua mente desde que acordou naquela manhã. Sendo sincera consigo, aquele pedido dominava seus sonhos desde que conheceu Guilherme.O vento suave brincava com os fios soltos dos coques duplos prendendo seu cabelo, quando, enfim, o treino acabou e Taby ergueu-se para colocar em ação seu desejo.Graças aos céus seu tio chamou seu primo, que correu para dentro da residência sem perceber as intenções dela. A presença dele inibiria sua intenção.Concentrado em tirar o suor do corpo, lavando o tórax fortificado e o rosto no tanque, Guilherme não reparou em sua aproximação, ou não se importou. Taby temia p
A primeira vez que recebeu uma amostra da raiva de sua mãe, Tábata Mamoru tinha sete anos. Era uma menina magrela, com longas madeixas marrons espremidas até as lágrimas em dois coques alto, feitos todas as manhãs por sua mãe a fim de evitar piolhos. Já naquela época notava que não era amada como os outros três irmãos e tentava, dentro das possibilidades de sua tenra idade, agradá-la e demonstrar que desejava ser aceita por ela.Do seu ponto de vista – que persistiria nos anos seguintes – era uma filha exemplar. Ajudava nos afazeres de casa, nunca respondia os mais velhos, respeitava todas as regras de comportamento e ordens de seus pais e, por mais que não gostasse em alguns momentos, ajudava nos cuidados de seu irmão seis anos mais novo.Mas nada satisfazia sua mãe. O desagrado e desaprovação sulcavam o rosto dela toda vez que olhava em sua direção. Por isso, em sua inocência infantil, achou que se maquiar como ela a faria perceber que a amava e queria ser igual a mãe. Entretanto, q