O celular vibrou sobre a escrivaninha, obrigando Guilherme Perez a tirar os olhos do documento que redigia. Sorriu ao ver a foto de seu amigo de infância preencher a tela.
— Oi Lee! Como anda a vida?
— Comigo tudo bem, cara. Estou nos Estados Unidos, participando de alguns eventos. Farei meu nome brilhar esse ano! — informou empolgado como sempre. — Mas não te liguei pra falar disso. Preciso da sua ajuda.
— Jurídica? — Se endireitou em sua poltrona de couro marrom, intrigado com o pedido. Lee não costumava se meter em encrenca, não conseguia imagina-lo em uma situação que precisasse de um advogado.
— Talvez...
— O que você fez?
— Eu? Nada. O problema é com a minha prima Tábata. Lembra-se dela?
— Lembro...
E como não lembrar? Sorriu nostálgico ao recordar da menina determinada, com constantes coques duplos, lembrando o penteado da personagem Pucca. A garota que seguia Lee e ele nos treinos de boxe e kung fu, sendo tão boa na luta quanto os dois. A jovem que lhe pediu um beijo de presente no aniversário de quinze anos... E ele negou...
A última vez que a viu foi meses após o pedido, quando anunciou que focaria nos estudos, em manter segura a bolsa de estudos em uma renomada escola de direito, abandonando com isso as aulas de luta na casa de Lee. E então ela repetiu o pedido...
Limpou a garganta e perguntou preocupado:
— O que aconteceu com ela?
— Minha tia a expulsou de casa. Ela não tem pra onde ir, nem dinheiro, e está grávida.
Grávida... Seus olhos cor de mel se fixaram em uma grande caixa coberta por um lençol ao lado de uma pequena cômoda branca esquecida no canto do escritório improvisado.
— O pai e eu só voltaremos ao país daqui alguns meses e, mesmo que pudesse buscá-la, um trailer rodando na estrada não é lugar para uma criança nascer. Por isso, por favor, poderia abriga-la por alguns meses? Só até voltarmos. Sei que sua casa é pequena, e que será uma despesa a mais. Enviaremos dinheiro para cobrir qualquer incômodo...
— Não precisam me pagar — disse, cortando a tagarelice do amigo. — E não será um incômodo. Ela pode ficar aqui o tempo que quiser.
— Obrigado cara! Você é o melhor amigo que alguém pode ter. O melhor cara, o melhor.
Guilherme percebeu o choro de emoção tomar a voz de Lee e revirou os olhos. O excesso de sentimentalismo do amigo era exasperante.
— E onde a Tábata está? — perguntou trazendo foco ao amigo.
Anotou o endereço em um bloco de papel ao lado do notebook, despediu-se de Lee, prometendo telefonar assim que estivesse com Tábata, e saiu pegando as chaves do seu Ford Ranger.
~*~
Aquele estava sendo um dia de grandes surpresas. Dentro da esfera de possibilidades que imaginou como consequência da notícia de sua gravidez, e pesara muito nos últimos três meses, aquela sequer passou por sua cabeça, nem mesmo no campo dos sonhos delirantes. Ergueu-se, ajeitando a alça da mochila desajeitadamente, e piscando rápido algumas vezes para apagar a miragem a sua frente. Mas era real e estava andando em sua direção sem tirar os olhos dela.
— Como vai Tábata? Há quanto tempo...
Dez anos de completo e aterrorizante silêncio, teve vontade de falar, mas em seu estado catatônico, sua última preocupação seria a rejeição de sua primeira paixão adolescente.
— Oi... — Apertou a alça da mochila, olhando um ponto atrás dele como se estivesse à procura de uma escapatória. De certa forma estava. — Hum... O que faz por aqui?
— Lee me telefonou — ele respondeu. O que não a surpreendeu. Deduziu isso no momento em que o viu sair do carro e seus olhares se encontraram, mas teve uma pequena esperança de que fosse uma coincidência. A esperança estava perdida naquele dia. — Você ficará hospedada na minha casa enquanto ele estiver fora do país.
— Ele disse o motivo? — perguntou esfregando as mãos na alça gasta.
— O suficiente. — Os olhos dele foram para sua barriga. Sem a postura quase corcunda que adotou para despistar a família, seu ventre se destacava na camiseta azul com o desenho do Pernalonga rindo do Patolino[1]. — Quer falar com o Lee antes de irmos? — Ele não esperou sua resposta, pegou o celular, selecionou o telefone de Lee e estendeu para ela.
— Eu tenho o número — informou pegando o próprio celular antes de voltar a sentar para telefonar para o primo. — Lee? O Guilherme está aqui... — disse olhando para a figura masculina em pé a alguns passos observando os arredores.
— Que boa notícia! Ele vai cuidar de você e do seu bebê até retornamos.
Respirou fundo, para impedir-se de sufocar na própria humilhação ou gritar de frustração. Solteira, grávida e agora indo morar com o homem que a fez suplicar por um beijo não uma, mas duas vezes. Nem podia reclamar com o primo, afinal, ele estava ajudando e jamais percebeu os sentimentos que ela nutriu pelo Perez. Somente sua boneca – que obviamente não contaria a ninguém – e Guilherme sabiam.
— Obrigada! — Forçou-se a falar. Estava sem opções para ficar reclamando e recusando as que apareciam. Lee pediu para falar com Guilherme e Tábata entregou o celular para o Perez, observando-o discretamente.
Ele continuava atraente como recordava. O rosto bonito marcado na testa por uma cicatriz pequena, olhos de um tom caramelado, a boca com lábio inferior mais grosso, que costumava fazer com que ela pensasse em como seria mordê-lo... Engoliu em seco, sem conseguir tirar os olhos da curva do sorriso divino. Estava de camisa polo cinza, com caimento perfeito em seu corpo atlético, e calça jeans marcando a curva da bunda que na juventude Tábata denominou como sexy. Continuava a ser. O cabelo castanho permanecia longo, na altura dos ombros largos, brilhante e convidativo ao toque.
Era adulta agora, e estava claramente grávida de outro homem, mas cada um dos desejos que permeavam seus sonhos de adolescente a golpearam diante da versão madura do Perez. Devia ser crime ser atraente, ter uma boca convidativa e uma bunda implorando para ser apalpada.
— Tábata, está passando mal? Está vermelha e fazendo um barulho estranho — ele comentou se inclinando para analisar melhor o rosto dela.
— Não! Só estava... — “Comendo você com os olhos.”, ela ergueu o olhar da curva magnânima para fixa-lo no olhar de preocupação de Guilherme —, pensando nos meus problemas.
[1] Pernalonga e Patolino, personagens da série norte americana de animação Looney Tunes
~
N/A: Sentimentos não superados atrapalhando - ou melhorando - a vida da Tabby, rsrs. Hormônios de grávida são os piores - ou melhores -, a poby já cresceu os olhos nos atributos do Gui, no que mais ela colocará seus olhinhos? Descubra nos próximos episódios <3
Ele assentiu devagar observando seu rosto com tanta atenção que parecia querer ler sua alma, desnudá-la e penetrar sem misericórdia. Sentiu o rosto quente com a direção que sua mente tomava, quando deveria trabalhar em formas de resolver a confusão em que sua vida transformara-se. Culpando os hormônios da gravidez, ergueu-se e marchou em direção ao enorme carro preto estacionado em frente à lanchonete.— Sua casa fica longe? — perguntou, tentando focar em outra coisa.— Dever ser alguns minutos daqui.Ele colocou a mão em suas costas fazendo Tábata arrepiar-se dos pés à cabeça, e apressar o passo para manter distância do toque masculino. Mas ao chegar ao carro de quatro portas e caçamba percebeu que precisaria de ajuda.— O piso é alto... — comentou nervosa, voltando-se e dando de cara com o peito forte de Guilherme.Pousando as mãos nos ombros dela, Guilherme notou a confusão no rosto da Mamoru quando ela o encarou com seus profundos olhos castanhos.— Vai ficar tudo bem — ele garant
A casa de Guilherme ficava em um bairro de classe média, arborizado, jardins na maioria bem cuidados e casas que lembravam as de bonecas. No caminho Tábata visualizou um parque familiar, com crianças correndo e brincando com os aparelhos colocados especialmente para elas: escorregadores, caixas de areia, entre outros. Era um bairro perfeito para criar uma família, o que estava longe de combinar com a visão que tinha de Guilherme.Ela nunca questionou o primo a respeito do Perez, mas sabia que continuava solteiro, por isso presumiu que vivesse em um apartamento frio e solitário como o dono. Mas o bairro e a pequena casa de fachada creme e telhado de lajotas estavam longe de corresponder às suas expectativas. Parecia à casa perfeita para um comercial de margarina, só faltava o casal e as crianças felizes no quintal.Ele estacionou dentro da garagem, construída do lado da casa e com acesso ao imóvel, fechando a porta com o controle enquanto descia e dava a volta para abrir o lado dela. D
Ao acordar a primeira coisa que Tábata registrou foi o cheiro delicioso de café impregnando o ar. Seu estômago gemeu de apreciação, imaginando que o caçula em breve a sacudiria para tomarem o café em família. Foi o silêncio que a despertou para sua realidade, a fez sentar na cama e olhar ao seu redor com o coração apertado.Não haveria mais nenhuma refeição com sua família. Foi expulsa da casa por eles.Tombou o corpo novamente na cama, olhando cegamente para o teto branco, pensando no que fazer dali em diante.Do momento em que recusou a proposta de abortar do pai de seu bebê, até falar para seus pais sobre a gravidez, teve tempo para pensar nas consequências. Apesar de suas desavenças com a mãe, tinha uma vida estável, um trabalho garantido e teto seguro. E abriu mão de tudo isso ao decidir ficar com a crian&cced
Depois que Guilherme saiu para o trabalho, Tábata sentiu-se inquieta. Não era acostumada ao silêncio. Sua casa era o pandemônio todos os dias. O pai, que sofria com a audição limitada devido a um derrame a cerca de três anos, deixava o volume do televisor nas alturas, o que exigia que os demais falassem em tom alto. Sua mãe sempre gritava por qualquer motivo, enquanto os irmãos mais velhos discutiam. Só ela e o caçula, Thomas, traziam a tranquilidade no lugar, isso por se refugiavam no que amavam: ele nos livros e ela nas antiguidades.Não tinha mais o trabalho para distrai-la dos problemas. Não tinha mais nem família para perturbá-la, concluiu num longo respiro.A certeza de que, com exceção do caçula e talvez seu pai, ninguém sentia sua falta não era suficiente para que se esquecesse deles. Quem cuidaria do pai? Pesquisaria novos it
Sem ter o que fazer e desejando retribuir a ajuda de Guilherme, Tábata decidiu limpar a casa. Não era uma grande cozinheira e, com a gravidez avançada, encontrar um novo emprego parecia impossível naquele momento. Por isso, organizar a casa e causar o mínimo incômodo possível durante sua estadia ao menos mostraria o quanto era grata.Depois de limpar sem dificuldade a sala, a cozinha, o quarto em que estava e os corredores, dirigiu-se ao escritório de Guilherme. O ambiente, assim como os demais, era milimetricamente organizado, com poucos objetos em cima da pequena escrivaninha. Uma leve camada de poeira era o máximo que encontrou em todos os cômodos, ali, em que havia poucos móveis, não foi diferente.— Meus irmãos deviam ter umas aulas de limpeza com ele — murmurou impressionada por até o colchão inflável, estar vazio e arrumadinho na caixa, como
A chegada de Guilherme para almoçar não surpreendeu Tábata, supôs ser parte da rotina dele, o que causou estranheza foi que ele parecia mais preocupado em alimentá-la do que comer.Desde que pisou os pés na casa, encontrando-a assistindo televisão, Guilherme esquentou a comida do dia anterior e a chamou para comerem juntos. Tábata teve a ligeira impressão que não fez o prato dela, porque se antecipou montando-o.— Vai comer só isso? — ele questionou olhando com reprovação a comida em seu prato— Tem bem mais do que no seu — afirmou apontando para o dele com o garfo— Mesmo grávida está muito magra. Não parece se alimentar direito.Ela o encarou irritada.— Apesar do que insinua, me alimento bem, é o estresse... e você bancando o meu pai não vai ajudar em nada.— N&
Quando Guilherme chegou em casa, Tábata sentiu imediatamente o cheiro irresistível que emanava das sacolas em suas mãos. Seus olhos brilharam enquanto o seguia até a cozinha, a curiosidade aguçada pelo aroma saboroso.— Nossa, que cheiro bom! O que é? — perguntou seguindo-o até a cozinha.Ele pousou as sacolas na mesa e, sem responder imediatamente, abriu as embalagens, revelando os pratos que comprou no caminho.— Chow mein [1]com molho de ostra, legumes e carne de porco — disse, sorrindo satisfeito ao abrir a segunda embalagem antes de olhar para ela. — Ah, e tem guioza[2] também.O estômago de Tábata pulou eufórico de felicidade e seus olhos salivaram diante dos pratos.— São os meus favoritos!— Eu sei — ele disse com um sorriso de puro orgulhoso por sua façanha. — Pode comer à vontade, &e
Depois de tomarem o café da manhã juntos, Guilherme e Tábata caminharam lado a lado até a garagem. Girando as chaves do carro na mão, ele olhou para ela de soslaio ao parar ao lado do veículo, um pequeno sorriso brincando em seus lábios.— Não exagere limpando a casa, está bem? — pediu. — Tenta descansar um pouco e, por favor, se alimente direito.Bem-humorada, ela deu uma risadinha e balançou a cabeça.— Como é que eu vou me desgastar em uma casa onde cada coisa está no seu perfeito lugar? — retrucou, estendendo um dedo em direção as ferramentas alinhadas em uma das paredes da garagem. — A casa de um verdadeiro perfeccionista. — provocou. Mas, ao lembrar-se de algo, observou cautelosa: — Bom, com exceção do seu escritório…Guilherme ergueu uma sobrancelha, surpreso com a men&c