De mais ninguém

A primeira vez que recebeu uma amostra da raiva de sua mãe, Tábata Mamoru tinha sete anos. Era uma menina magrela, com longas madeixas marrons espremidas até as lágrimas em dois coques alto, feitos todas as manhãs por sua mãe a fim de evitar piolhos. Já naquela época notava que não era amada como os outros três irmãos e tentava, dentro das possibilidades de sua tenra idade, agradá-la e demonstrar que desejava ser aceita por ela.

Do seu ponto de vista – que persistiria nos anos seguintes – era uma filha exemplar. Ajudava nos afazeres de casa, nunca respondia os mais velhos, respeitava todas as regras de comportamento e ordens de seus pais e, por mais que não gostasse em alguns momentos, ajudava nos cuidados de seu irmão seis anos mais novo.

Mas nada satisfazia sua mãe. O desagrado e desaprovação sulcavam o rosto dela toda vez que olhava em sua direção. Por isso, em sua inocência infantil, achou que se maquiar como ela a faria perceber que a amava e queria ser igual a mãe. Entretanto, quando sua mãe viu os batons amassados pela força que empregou ao esfrega-los em sua boca, os pós multicoloridos polvilhados sobre a penteadeira e sentiu o cheiro forte do perfume que Tábata esvaziou, sua mão, ossuda na época, virou o rosto da criança com um violento tapa, deixando a marca vermelha e ardente que a jovem podia lembrar perfeitamente agora, desseseis anos depois... Talvez, por receber outro semelhante naquele momento.

— Eu sabia, no momento em que coloquei os olhos em você, que dali em diante só seria desgosto e vergonha!

Não ergueu o olhar, preferindo manter – por segurança – a face abaixada, sequer procurou aliviar a dor na bochecha. Mas sua passividade ruiu quando ela questionou, agarrando seu braço com a mão inchada.

— De quem é a aberração que carrega?

— É meu filho, não uma aberração! — retrucou ofendida pelo bebê. — E ele é só meu e de mais ninguém! — completou puxando o braço e encarando a mãe com raiva.

Aceitava os insultos e o ódio direcionado a ela, estava acostumada. Mas seu filho seria protegido e amado, decidiu pousando a mão no ventre de cinco meses que a camiseta larga não ocultava como dias antes.

— Oh, agora mostrou as garras — sua mãe disse, com um sorriso estranho, quase diabólico, que fez Tábata temer que ela sugerisse acabar com a vida de seu bebê ou dá-lo em adoção, o que jamais faria. — Não aceitarei outro estorvo! Junte suas tralhas e saia imediatamente da minha casa.

Fechou os olhos com força e respirou fundo para não chorar ou cair em súplicas inúteis, mas ao abri-los não conteve a vontade de voltar-se aos outros quatro membros de sua família. O pai permanecia afundado em sua poltrona com os olhos fixos no televisor; o irmão mais velho e o mais novo após ela a encaravam com o mesmo ódio e repugnância da mãe; só o caçula a observava com pena, porém sem coragem para ficar ao seu lado e enfrentar a matriarca. Ninguém a ajudaria e isso não a surpreendia.

Em silêncio foi para o quarto que dividia com os irmãos, arrumou as roupas que lhe serviam em uma mochila, pegou seus documentos e uma boneca de pano – que ganhou do pai na infância e lhe serviu de confidente – e saiu sem se despedir. Não que alguém esperasse ou desejasse que o fizesse.

Andou algumas quadras, parando em uma lanchonete a poucos metros do antiquário de sua família, lugar em que trabalhava até então, mas duvidava que a mãe a deixasse entrar ali novamente. Pediu um suco de maracujá, sentou em uma mesa do lado de fora e, acariciando a barriga, analisou suas opções.

Imaginou que sua família – principalmente sua mãe – não receberia a notícia com alegria, ser expulsa de casa até lhe passou pela cabeça como uma possibilidade, mas teve esperança de que seu pai e seus irmãos intercedessem por ela, pouca, mais teve.

Respirou fundo com desânimo. Tinha dinheiro na conta poupança, porém não o suficiente para pagar aluguel, contas e tudo que em alguns meses precisaria para o bebê. Havia poucas oportunidades de emprego para grávidas – possivelmente nenhuma. O pai de seu bebê deixou claro que, sem um teste de DNA[1], não daria um tostão para a criança e nem a reconheceria. O faria engolir as acusações quando o bebê nascesse, mas até lá estava sem dinheiro, teto e emprego.

Um preço caro demais que seu bebê pagaria por causa dos pecados dos pais. Pegou o celular no bolso da calça moletom e recorreu às únicas pessoas que podia confiar nas horas difíceis.

Bom dia pequena guerreira! — Seu tio Akira Mamoru cumprimentou.

Riu ao ouvir o apelido que o tio e o primo por parte de pai lhe deram. Riso que logo se transformou em choro. Estava sozinha, desesperada por ajuda, longe de ser uma guerreira como eles nominavam.

O que foi? Está chorando?

— Mamãe me expulsou de casa, tio... Não tenho pra onde ir... Estou gravida... São tantas coisas que... — Levou a mão aos olhos, tentando conter as lágrimas. — Preciso de ajuda...

Supôs que estava no viva-voz, pois seu tio e seu primo reagiram ao mesmo tempo.

Calma pequena!

O tio ficou louco? — Lee questionou zangado. — E os primos não fizeram nada?

Explicou o que aconteceu e a situação em que estava no momento, controlando a vontade de chorar novamente, precisava ser entendida.

— Estou sozinha... Posso ficar um tempo com vocês? — pediu com voz embargada ao fim do relato.

Estamos fora do país, participando de diversos eventos, e sem destino fixo — Lee soltou para desespero de Tábata — Mas tenho uma solução.  Onde você está? Darei um jeito de te ajudar.

Informou e prometeu esperar. Nem tinha outra opção. Desligou e ficou olhando para a rua a espera de uma esperança no fim do túnel em que entrou. Um pouco de bondade já seria bem vinda.

[1] Teste de DNA: consiste em análises do material genético de dois indivíduos para determinar se há ligação entre eles.

~

N/A: Ninguém merece essa família, não é? Qual será a solução? Uma esperança no fim do túnel ou algo ainda melhor? Descubra no próximo capítulo <3

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