Depois que Guilherme saiu para o trabalho, Tábata sentiu-se inquieta. Não era acostumada ao silêncio. Sua casa era o pandemônio todos os dias. O pai, que sofria com a audição limitada devido a um derrame a cerca de três anos, deixava o volume do televisor nas alturas, o que exigia que os demais falassem em tom alto. Sua mãe sempre gritava por qualquer motivo, enquanto os irmãos mais velhos discutiam. Só ela e o caçula, Thomas, traziam a tranquilidade no lugar, isso por se refugiavam no que amavam: ele nos livros e ela nas antiguidades.
Não tinha mais o trabalho para distrai-la dos problemas. Não tinha mais nem família para perturbá-la, concluiu num longo respiro.
A certeza de que, com exceção do caçula e talvez seu pai, ninguém sentia sua falta não era suficiente para que se esquecesse deles. Quem cuidaria do pai? Pesquisaria novos it
Sem ter o que fazer e desejando retribuir a ajuda de Guilherme, Tábata decidiu limpar a casa. Não era uma grande cozinheira e, com a gravidez avançada, encontrar um novo emprego parecia impossível naquele momento. Por isso, organizar a casa e causar o mínimo incômodo possível durante sua estadia ao menos mostraria o quanto era grata.Depois de limpar sem dificuldade a sala, a cozinha, o quarto em que estava e os corredores, dirigiu-se ao escritório de Guilherme. O ambiente, assim como os demais, era milimetricamente organizado, com poucos objetos em cima da pequena escrivaninha. Uma leve camada de poeira era o máximo que encontrou em todos os cômodos, ali, em que havia poucos móveis, não foi diferente.— Meus irmãos deviam ter umas aulas de limpeza com ele — murmurou impressionada por até o colchão inflável, estar vazio e arrumadinho na caixa, como
A chegada de Guilherme para almoçar não surpreendeu Tábata, supôs ser parte da rotina dele, o que causou estranheza foi que ele parecia mais preocupado em alimentá-la do que comer.Desde que pisou os pés na casa, encontrando-a assistindo televisão, Guilherme esquentou a comida do dia anterior e a chamou para comerem juntos. Tábata teve a ligeira impressão que não fez o prato dela, porque se antecipou montando-o.— Vai comer só isso? — ele questionou olhando com reprovação a comida em seu prato— Tem bem mais do que no seu — afirmou apontando para o dele com o garfo— Mesmo grávida está muito magra. Não parece se alimentar direito.Ela o encarou irritada.— Apesar do que insinua, me alimento bem, é o estresse... e você bancando o meu pai não vai ajudar em nada.— N&
Quando Guilherme chegou em casa, Tábata sentiu imediatamente o cheiro irresistível que emanava das sacolas em suas mãos. Seus olhos brilharam enquanto o seguia até a cozinha, a curiosidade aguçada pelo aroma saboroso.— Nossa, que cheiro bom! O que é? — perguntou seguindo-o até a cozinha.Ele pousou as sacolas na mesa e, sem responder imediatamente, abriu as embalagens, revelando os pratos que comprou no caminho.— Chow mein [1]com molho de ostra, legumes e carne de porco — disse, sorrindo satisfeito ao abrir a segunda embalagem antes de olhar para ela. — Ah, e tem guioza[2] também.O estômago de Tábata pulou eufórico de felicidade e seus olhos salivaram diante dos pratos.— São os meus favoritos!— Eu sei — ele disse com um sorriso de puro orgulhoso por sua façanha. — Pode comer à vontade, &e
Depois de tomarem o café da manhã juntos, Guilherme e Tábata caminharam lado a lado até a garagem. Girando as chaves do carro na mão, ele olhou para ela de soslaio ao parar ao lado do veículo, um pequeno sorriso brincando em seus lábios.— Não exagere limpando a casa, está bem? — pediu. — Tenta descansar um pouco e, por favor, se alimente direito.Bem-humorada, ela deu uma risadinha e balançou a cabeça.— Como é que eu vou me desgastar em uma casa onde cada coisa está no seu perfeito lugar? — retrucou, estendendo um dedo em direção as ferramentas alinhadas em uma das paredes da garagem. — A casa de um verdadeiro perfeccionista. — provocou. Mas, ao lembrar-se de algo, observou cautelosa: — Bom, com exceção do seu escritório…Guilherme ergueu uma sobrancelha, surpreso com a men&c
O consultório da obstetra estava silencioso, apenas o som suave do ar-condicionado preenchendo o ambiente. Deitada na maca, Tábata olhava para o monitor ao lado, onde o ultrassom exibia borrões indefinidos para seus olhos destreinados. Guilherme estava ao seu lado.Depois dos exames iniciais, ela não queria ficar sozinha e, como se captando isso, ele se ofereceu para acompanha-la no ultrassom. Foi natural ter a ajuda dele para se ajeitar na maca, assim como segurar a mão masculina em busca de conforto.Mesmo tendo dito várias vezes que estava bem, temia que ele estivesse certo sobre o modo com que lidou com a gravidez até ali, que algo estivesse errado com seu bebê por sua culpa.O ambiente ficou silencioso, exceto pelo som suave do aparelho de ultrassom, enquanto a obstetra, uma mulher de meia idade de nome Mariana de sorriso gentil, movimentava o transdutor pelo gel espalhado no ventre de Tábata com
Tábata e Guilherme caminharam em silêncio até o estacionamento do hospital, cada um envolvido em seus pensamentos. A noite preenchia o céu e um vento fresco balançava suavemente o cabelo dela, que observava ele pelo canto do olho ainda pensando no que ocorreu ao fim da consulta.Estava confusa, perdida entre a preocupação pela bebê e o novo envolvimento de Guilherme naquilo tudo. Ele parecia tão natural, tão à vontade com a ideia de participar de algo que ela achava que seria apenas responsabilidade sua.Parecendo despreocupado, ele girava a chave da Ford Ranger no dedo até chegarem à vaga. Quando se acomodaram no carro, ele enfim explicou sua atitude.— Só pra esclarecer, não vi necessidade de corrigir a médica quando presumiu que eu fosse o pai da bebê por achar desnecessário. — Guilherme ligou o veículo. — E &eacu
O sábado amanheceu com um sol tímido, desanimado e escondido entre nuvens, refletindo perfeitamente o estado emocional de Tábata. Mesmo que às vezes sua família fosse opressiva, a agitação de sua antiga rotina fazia falta. Não ter nada para fazer o dia todo conseguia a proeza de deixa-la esgotada.Bocejando e com os cabelos desalinhados, arrastou-se até a cozinha, onde foi recebida pelo cheiro de café fresco.Diferente dela, que se sentia um lixo ambulante, Guilherme estava insuportavelmente bonito e impecável, o cabelo tocando os ombros largos, um sorriso leve na boca atraente.— Bom dia, Taby! — ele disse, o sorriso como um girassol saudando o calor do sol. — Preparei um café reforçado — anunciou apontando para a mesa com pães, bolo, frutas, café e suco de cor roxa que supôs ser de uva.— Bom dia! — respondeu
Ao chegarem à casa do pai de Guilherme, o nervosismo de Tábata aumentou. Não conhecia muito da família dele, por isso estava curiosa e tensa. A porta de madeira rangeu quando Guilherme a destrancou, revelando uma casa modesta, com traços rústicos e aconchegantes. Ela olhou ao redor, observando a pequena sala e duas portas mais adiante.— Ele não está em casa — Guilherme comentou após chamar o pai e não obter respostas. — Hoje é folga dele, mas não duvido que está cuidando dos jardins. Vem, vamos procurá-lo — ele pediu segurando a mão dela ao saírem da casa.Por um momento, querendo evitar a direção iludida que sua mente tomava sempre que estava ao lado dele, Tábata pensou em soltar sua mão, mesmo gostando do calor de encontro a sua palma. Porém, conforme avançavam pelo caminho de pedras, consid