Ainda estava em estado de choque, depois de tudo o que aconteceu não era pra menos.
Ouvi minha prima tagarelar pelo caminho todo, sobre quem eram aqueles homens, cada um deles. Os dois garotos que correram atrás de mim, mas que nem dei importância para sua explicação.
Mas então ela chegou no tatuado com marra de assustador, e que pelo jeito as pessoas tem mesmo medo dele. João Miguel, o chefe do morro, quem mandava em tudo, o mais perigoso. O nome de anjo não parecia combinar com ele, quando a cara parecia do próprio capeta.
Mas diferente do que eu deveria sentir ao vê-lo, eu não me intimidei, não fiquei com medo ou mesmo senti repulsa. Ele era lindo e dava pra ver, mesmo com todas aquelas tatuagens ele era de tirar o fôlego.
Nunca tinha visto um homem como aquele, todo másculo, com a expressão fechada, as sobrancelhas grossas franzidas e coberto de tatuagens.
Ela me disse que ele era muito cobiçado por todas as meninas do morro. Mas o galinha era na verdade o irmão do meio. João Vitor, o loiro que ficou me segurando. Ele tinha um peitoral forte e não recuou com meus t***s, senti suas mãos segurando minha cintura, me puxando contra si, tentando me prender. Quase podia dizer que ele estava se aproveitando, enquanto eu o estapeava tentando alcançar seu irmão com minha mochila.
— Eu ainda não consigo acreditar que você fez isso Camila! — minha tia falou. — Filha do céu, por muito menos eu vi Miguel dar um corretivo na pessoa.
— Que isso mãe? A prima vai pensar que ele b**e em mulher! — Bianca gritou interrompendo a mãe.
Eu mal conhecia ela, me lembrava vagamente de termos sido apresentadas por chamada de vídeo apenas.
— Não! Miguel não tolera isso e desde que o pai dele comandava aqui o morro, se bater em mulher leva surra deles. — tia tratou de explicar. — Mas o que eu estou falando é que você gritou pra todo mundo ouvir que ele estava te roubando e ainda quis bater nele.
— Mas eu estava com a razão! — protestei, não me interessa se era chefe do morro ou o Rei da cocada preta, eu estava com a razão e ia me defender até o fim.
— Ainda sim, senta e conversa! Pelo amor de Deus, não vai me gritar com o homem de novo, a paciência tem um fim!
Ela continuou tagarelando, mas Bianca apenas revirou os olhos e fez mímica atrás da mãe, antes de me agarrar pelo pulso e me puxar para dentro do quarto dela.
A casa era simples e bem pequena, mas eu estava acostumada com a simplicidade e de certa forma isso me deixou de coração quentinho, pois mesmo que não fosse minha casa me lembrava muito.
— Gata, vão falar disso por tanto tempo, você não tem ideia. — ela abriu o guarda roupa e atirou alguns tops e shorts. — Anda tira esse moletom, antes que caia dura nesse calor.
Ela se sentou na cama junto às roupas atiradas e eu fiquei parada em pé.
— Minhas roupas estão...
— Na mala, eu sei, mas a gente precisa ir até a mercearia da dona Isabel. Com a confusão toda eu me esqueci de pegar o macarrão que minha mãe pediu.
— Mas eu posso...
— Vai demorar o dobro, até abrir sua mala e escolher as roupas. — ela bufou. Já vi que eu não era a única na família a ser difícil de ceder. — Pega qualquer um aí, certeza que a gente veste o mesmo tamanho.
Arranquei meu moletom, ficando com minha blusa estampada com ursinhos. Tirei meu tênis e a calça jeans e peguei o shorts mais próximo de mim.
Eu não tinha vergonha do meu corpo, muito pelo contrário, sabia que era linda, com uns peitos grandes pra alguém magra como eu e a bunda arrebitada. Minha mãe sempre dizia o quanto eu parava o trânsito, mas nunca usei nada extravagante como aqueles shorts.
O tecido fininho da malha estava colado, marcando cada curva do meu bumbum.
— Vamos. — murmurei ainda sem graça, rodando de um lado para o outro tentando cobrir o máximo que conseguisse com minha blusa.
— Não vai tirar essa blusa? Parece tão de criança.
Podia mesmo parecer, mas eu não me importava. Então neguei com a cabeça e ela se deu por vencida.
Bianca e eu andávamos pelas ruas, enquanto ela não parava de falar sobre o baile que ia acontecer amanhã ou me apresentando as pessoas na rua, como sua prima e nova moradora do complexo.
— Ei Bianca! — um homem falou e minha prima parou no mesmo instante.
— Vem aqui gata.
Quando eu vi um movimento diferente na cintura dele, percebi na hora o que era. Não ia me aproximar daquilo nem ferrando.
— Eu não vou lá não. — falei antes mesmo que a me arrastasse.
Talvez minha prima tenha notado meu estado, ou só queria ficar sozinha com o cara.
— Tá, a mercearia é ali, bem na esquina. Fica lá e me espera na porta, não vou demorar.
Só acenei com a cabeça e me afastei o mais rápido possível daqueles dois. Andava de cabeça baixa, tentando evitar o olhar dos curiosos e imaginando o que minha prima estaria falando com aquele cara.
De repente uma cabeleira loira passou por mim, correndo pela rua. Olhei de um lado para o outro, tentando ver se avistava quem estava com o menino, mas ninguém apareceu. Então o freio de uma moto soou alto, só consegui olhar para a moto descendo a rua em alta velocidade e mesmo que o motoqueiro desviasse ainda bateria no menino.
Não pensei mais e corri na direção do pequeno. Abracei seu corpo e girei, mas ainda senti o impacto da moto em minhas costas, me jogando para o lado.
Cai no chão rolando um pouco pelo asfalto e me recriminei por não ter ficado com a calça. Mas ao menos o garoto estava salvo!
Várias pessoas nos circularam, tentando ver o que tinha acontecido, como eu e o menino estávamos. Até que aquela voz preencheu meus ouvidos novamente.
— Saiam da frente! Sai agora! — eu sabia que era Miguel antes mesmo de vê-lo.
Então ele e o irmão surgiram no meio de todos, a multidão de abriu como um mar dando espaço.
— Como vocês estão? — os olhos de João Vitor oscilaram, do menino para mim.
— Juninho! — Miguel gritou agarrando o pequeno nos braços e o virando de um lado para o outro, procurando qualquer ferimento. — O que você estava pensando menino?
— Eu quelia você. — o menino disse com tanto dengo que derreteu meu coração também.
— Vamos pra casa. — não sei se as outras pessoas notaram, mas vi quando ele apertou ainda mais forte os braços em volta do pequeno.
— Ajuda, ajuda ela. — o garotinho falou segurando o rosto do mais velho e virando para mim. — Ajuda.
— Sim, ela te ajudou. Agora vamos!
— Na, não, não. Ajuda usinha! — ele insistiu e Miguel finalmente pareceu compreender.
— Vitor, ajuda a garota a levantar. — bastou a ordem para que eu saísse do transe e me mexesse.
— Consigo fazer isso sozinha. — apoiei as mãos no chão e peguei impulso pra levantar, mas gritei de dor no mesmo instante. — Aaaaa merda!
— O braço dela machucou. — Vitor constatou o óbvio e passou o braço em volta do meu corpo me levantando. — A perna também irmão.
Corri meus olhos para onde todos olhavam e vi um pedaço da pele rasgada, com certeza pelo asfalto, e o sangue vermelho escorrendo por minha perna.
— Porra Vitor! — o vi trincar o maxilar me olhando, como se tomasse uma decisão. — Pega a garota no colo e leva ela pra casa da tia, estou indo lá já
— Não precisa... — estava protestando, quando os braços fortes passaram em baixo das minhas pernas me erguendo no colo do loiro assanhado.
— Precisa sim, ursinha. — ele usou o apelido que o bebê me deu, mas com um sorriso cínico e uma piscadela safada.
Meu coração estava batendo disparado, por muito pouco Juninho não foi atropelado, eu tinha medo de imaginar o que ia acontecer com ele se aquela moto tivesse acertado nele.Apertei ainda mais os braços em volta do seu corpinho e o ouvi resmungar que estava esmagando. Mas que se foda, eu ia esmagar se isso fosse tirar o medo de dentro de mim.Depois de perder meu pai e minha mãe, me apeguei de mais a família, não aguentaria perder nenhum dos dois.Assisti Vitor se afastar com a garota no colo. E a vi olhando pro meu irmão, preocupada com o pequeno em meu colo. Mas ele estava bem, quem tinha se ralado toda foi ela.Porra, não acreditava que agora tinha que agradecer aquela maluca.— O dona Isabel, o que estava pensando em deixar o moleque sair assim na rua? — questionei a velha entrando na mercearia.— Aí meu filho, me desculpa! Eu pedi pra Nina olhar ele enquanto eu fechava a compra de um cliente.Olhei pra garota de cabeça avoada que me encarava com um sorriso sem graça. Que se foda,
— Ainda não acredito que você se jogou na frente da moto, sem nem conhecer meu irmão.Estava carregando a heroína gostosa no meu colo, podia facilmente me acostumar em ter aquele corpão dela em meus braços sempre.Claro que eu preferia que as circunstâncias fossem outras, primeiro brigando e agora ela toda machucada, não eram nada favoráveis.— Ele é uma criança, não me interessa quem ele é. — ela se remexeu em meu colo, parecendo envergonhada por ter minhas mãos sobre ela. — Já falei que eu posso andar sozinha! — protestou novamente.— E eu já disse que é um prazer carregá-la, ursinha.Ela desviou o olhar, aposto que com as bochechas pegando fogo. Dava pra ver toda inocência e timidez transbordando daquele rosto angelical, mas era quase um pecado quando vinha acompanhado de um corpo de parar o trânsito.— Você sabe que me chamo Camila e não ursinha. — sorri com sua irritação quanto ao apelido.— E você sabe que se passar o braço em volta do meu pescoço vai ficar mais confortável. — p
Babá, aquela palavra se repetia em minha mente desde que saiu da boca de Miguel. Não era uma má ideia e muito menos um mau emprego, eu estava acostumada a cuidar de crianças, muitas vezes mais de uma de uma só vez. Mas depois de saber quem eles eram e o que faziam, não sabia se seria a opção mais segura.Se isso não bastasse João Vitor quase tinha me beijado, meu rosto queima só de lembrar que poderíamos ter sido pegos pela minha tia. Ainda conseguia sentir seu toque quente, o dedo traçando um caminho em meu lábio inferior e sua voz rouca dizendo que ia me beijar.Eu não sou puritana nem nada, mas minhas experiências com homens podem ser resumidas a zero, tirando dois garotos que beijei no ensino médio não havia mais nada. Eu vivia para minha casa e a igreja, não fazia nada além de sair com minha mãe e a cidade onde eu morava era tão pequena que todos nós se conheciam, o que dificultava toda a coisa da paquera.Fiquei ansiosa esperando o beijo dele, mas o irmão que tem cara de poucos
Sai da casa de dona Nalva com Juninho no colo e Vitor atrás de mim, resmungando sem parar. Eu sabia que o safado estava querendo pegar a mina, ele fez questão de deixar bem claro tocando ela daquele jeito.— Precisava colocar ela de babá do Juninho porra? Como que fica agora eu levar ela pra cama e ficar esbarrando nela dentro de casa?— Isso nunca te impediu antes, você já pegou mais minas desse morro do que consegue lembrar.— É, mas nenhuma dela estava dentro de casa, a garota vai começar a ter ideia errada. — ele passou na frente abrindo o portão de casa. — Você tinha de ver, ela toda sem jeito quando quase a beijei.— Quase? Desde quando tu fica no quase? — eu sabia bem a fama do safado, bem antes de completar dezesseis anos ele já tinha levado a filha de muita gente pra cama.— Desde que você e a dona Nalva viraram empata foda, estava já pertinho daquela boca carnuda e você chega gritando.Não consegui evitar de sorrir, era bem feito que ele tivesse pagado de otário e não conseg
O som do trovão parecia retumbar por meu corpo, se concentrando em meu coração, ditando o ritmo que ele batia. Enquanto minha mente se enchia de imagens daquela noite, o frio do vento, o gelo das aguas cobrindo minhas pernas e as gotas grossas que molhavam todo o meu corpo.Meu corpo tremia involuntariamente e as lágrimas pesadas rolavam por meu rosto. Eu tinha uma vaga noção de ter braços em volta de mim, me segurando firme e acariciando minhas costas, mas eu só conseguia me concentrar na imagem dos meus pais me olhando do outro lado da cratera, os rostos marcados da vida dura, as marcas de expressões profundas apesar da pouca idade.Mesmo com tudo isso eles me olhavam conformados com o que estava prestes a acontecer, não havia medo ou desespero nos rostos deles quando me deram uma última olhada.“Nós amamos você!” as últimas palavras da minha mãe se repetiam em um loop, eu desejava que aquilo pudesse me acalmar, mas não tinha esse efeito mais, só me trazia a solidão.— Camila olha p
Estava me sentindo um caco quando cheguei em casa já de manhã, alguns amigos advogados me chamaram pra inauguração de uma boate. Tinha me cansado de tentar arrastar Miguel para uma dessas festas, mas ele se recusava. Dizia que era pra evitar pessoas esnobes, mas eu sabia bem que ele não queria era evitar algum encontro indesejado com a polícia, ali no morro tínhamos segurança, mas já no asfalto a conversa era outra.Passei a noite na balada e de lá fui para o motel com uma morena, não tinha conseguido tirar Camila da cabeça e acabei me agarrando com a mulher mais parecida com ela. Sabia que aquilo era fodido de mais, mas não consegui evitar, minha mente ficava a todo momento criando cenas com ela e em minha cama, me chupando, cavalgando em cima de mim, gemendo meu nome, por isso precisei tentar suprir minha vontade dela com outra.— Bom dia. — falei entrando em casa e vendo Miguel entregando a mamadeira pra Juninho. — Já acordado.Bufei sabendo que Miguel ia sair e eu teria que cuidar
Quando cheguei na casa de Juninho pela manhã, achei que encontraria o menino dormindo ainda, mas ao invés disso dei de cara com ele terminando a primeira mamadeira do dia, enquanto assistia um desenho na televisão.— Bom dia, chegou bem na hora. — Miguel cumprimentou não demorando o olhar em mim.— Bom dia, bom dia lindinho. — falei apertando a bochecha fofinha, mas os olhos dele nem se desviaram da tela. — Minha tia avisou que você precisava de mim o mais rápido possível. — ele se afastou voltando para o irmão. — Não sabia que eu teria que cuidar dele aqui, na sua casa.— Aqui é mais seguro que na casa da tua tia. Vou ter que sair agora de manhã, resolver umas tretas que apareceram aí. Vem vou te mostrar a casa. — ele se virou seguindo pelo corredor antes mesmo de ver se eu o seguia.Dei passos apressados atrás dele, que começou a me mostrar os cômodos. A casa não era pequena como a de tia Nalva, além da sala havia três quartos, um para cada um deles, uma varanda e a cozinha.— Junin
Estava conversando com os chefes dos outros morros, resolvendo as tretas que eram da conta de todos nós.O complexo eram várias favelas unidas e sempre mantemos assim. Nós fomos "pacificados" há uns anos atrás, recebíamos até turistas agora, uns subiam pra ver a vida aqui, outros querendo usar o teleférico e ter uma vista top do Rio.Mas essa merda era coisa só pra iludir quem estava de fora, quem morava dentro da comunidade sabia que esses polícias não estavam nem aí pra pacificação. No começo o povo da comunidade toda acreditou, mas depois que muita gente inocente começou a morrer, a ser levada pra depor e nunca mais voltar, a apanhar sem motivo, aí eles viram que não tinha esse negócio de pacífico no nosso mundo.O problema é que polícia é gente e qualquer pessoa pode ser corrompido, o que eles queriam era dinheiro. E depois de ver que bater de frente não ia resolver, começamos a pagar aí pra eles um valor, a gente trabalhava em paz, eles saiam como herói e o povo da comunidade fic