Eles estavam chegando perto, eu conseguia ouvir os passos e os gritos atrás de mim. Os homens chegariam para destruir minha família e eu não podia deixar que chegassem até meus filhos, podia lidar com meu sofrimento, com a perda dos pais deles, mas não podia viver sem meus bebês.— Nós vamos te pegar! — um deles gritou. — E quando isso acontecer você vai desejar nunca ter fugido de nós!Corri o mais rápido que conseguia, meu peito queimava com as respirações fortes e com o ar gelado da noite, mas eu não parei, continuei correndo porque minha vida dependia disso e o bem estar dos meus filhos também dependia disso.— Você só tinha que ser uma boa menina e entregar o lugar onde eles estão escondidos, era tudo o que precisava fazer. — me virei para trás ouvindo as vozes ainda mais perto, mas acabei tropeçando em um galho e indo de cara no chão. — Ai está você. Decidida a contar onde esconderam seus filhos?— Sabemos que seus dois maridos não vão entregar tudo se ainda tiverem as crianças.
Eu não conseguia acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo com a nossa família, depois que deixei pra trás a vida no morro, depois de abrir mão de tudo o que tinha lá e vim pra um lugar que nunca conheci, pra recomeçar minha vida e cuidar de Camila e da nossa família.Agora eu estava com uma mala cheia de dinheiro na minha frente e algum filho da puta ameaçando a vida da minha mulher e dos meus filhos. Em troca teríamos que usar o supermercado como um dos pontos de lavagem de dinheiro da facção.Encarei meu irmão sentindo meu sangue ferver, eu não tinha deixado de ser chefe do morro pra aguentar um merdinha me ameaçando e querendo me obrigar a fazer alguma merda.— Vamos omitir isso, Camila não precisa saber e a mantemos em segurança. É apenas lavagem de dinheiro pra facção, que mal pode ter nisso? — meu irmão repetiu pela milésima vez, desde que acordamos a gente estava ali na cozinha discutindo essa porra.Eu não queria mentir pra ursinha, ela tinha confiado na gente, tinha me p
— Está dizendo que deveríamos trabalhar como ratos infiltrados, entregando a polícia tudo sobre a facção? — Miguel questionou mesmo que já tivesse ficado claro o que Camila queria de nós dois.— É isso mesmo o que estou dizendo! Vocês vão entregar os desgraçados pra polícia, é a melhor forma de se livrar deles e manter sua família segura.— Camila, você não veio do crime amor, não entende como isso funciona e não sabe as consequências que teria se nós nos virássemos informantes da polícia. — falei tentando trazê-la de volta a realidade, nossa ursinha não tinha sido criada no nosso meio, não sabia que aquilo acabaria com a nossa reputação.— Eu posso não ter vindo do crime, mas sei exatamente o que quer dizer a palavra rato, delator, infiltrado, informante, não pense que sou estúpida amor. — ela fez questão de usar um tom sarcástico na palavra amor, provavelmente ainda estava com raiva por ter me escutado dizer que deveríamos mentir para ela.Camila não entendia que eu estava querend
Eu fiquei um bom tempo dentro do quarto depois que os dois saíram, minha mente não conseguia evitar pensar o pior, só conseguia lembrar de Vitinho machucado, cortado e sangrando, Miguel irado comigo me atacando, voltar para o meio do crime só poderia trazer essas coisas de volta para nossas vidas.Me levantei querendo esquecer esses pensamentos e começar meu dia, abri as portas do closet procurando uma roupa e então meus olhos avistaram uma das malas no canto.Queria fazer o que disse a eles, pegar as malas, nossos filhos e Juninho e sair da cidade, mas eu não podia, tinha que dar um voto de confiança de que eles fariam o certo, de que escolheriam o melhor para nossa família.Tirei minha camisola e vi minha cicatriz onde tinha sido baleada, tinha se passado tanto tempo que as vezes parecia ter sido em outra vida, mas aquilo era mais um lembrete de como as coisas podiam ficar feias.Miguel tinha mantido as armas guardadas por muito tempo, as deixando longe do alcance de qualquer pessoa
Eu e Vitor fizemos o caminho até em casa no mais completo silencio. Era difícil acreditar que tínhamos conseguido, que estávamos dentro do crime novamente e dessa vez não como chefes, mas como sócios.Meu irmão parou o carro na frente de casa e um dos homens para guardar nossa família acenou do outro lado da rua, mas faltava um deles, eu só esperava que estivesse em algum lugar estratégico.— Acha que ela vai entender o que fizemos? — perguntei a ele, estava tentando não pensar na reação dela.— Eu espero que ela entenda que era a nossa única opção, ela nos colocou em uma saia justa.Quem dera ursinha pensasse desse jeito, com toda certeza na cabeça dela a nossa escolha era fácil e simples, até bem óbvia para ela, mas Camila não entendia o que nos custaria nos transformarmos em ratos. A verdade é que custaria nossos nomes, nada do que fizemos de bom na nossa comunidade iria importar depois do momento que entregássemos as provas a policia.— Amor? — Vitinho chamou indo na frente e a ri
— Ainda não concordo com isso, essa é a casa de vocês e esse deveria ser o recomeço não um fim.— Tia eu sei que está chateada e não concorda com isso, mas é a única forma que temos de ser livres, livres de tudo o que acaba voltando para nós. — eu murmurei a contragosto, porque também não queria me despedir de nada ali, mas era impossível viver daquele jeito, voltar para o crime e deixar nossos filhos terem o mesmo destino dos pais e do avô não era uma opção.— É mãe, não se preocupa que eles vão estar bem e daqui há alguns meses a gente vai estar reunidos novamente, mas bem longe daqui, vamos todos pra Portugal. — Bi abraçou minha tia que não parava de chorar, ao menos isso serviria para ser convincente e fazer todos acreditarem em nossa morte.Estávamos viajando sem nada além dos documentos falsos que levou dois dias para que Vitinho conseguisse. Ele viajaria com Juninho separado em um voou diferente, ele seria um pai viajando com o filho a passeio, enquanto eu e Miguel iriamos com
Acordei com trovões que estremeciam minha casa. Detestava chuvas porque elas costumavam destruir tudo o que tinha em volta. Me levantei correndo da cama e encontrei meus pais já na sala, tentando ver a quantas estava a destruição. — Precisamos sair daqui, não sabemos quanto tempo mais as barreiras vão aguentar. — meu pai falou apreensivo encarando a tempestade lá fora. — Mas não temos pra onde ir José, nem mesmo dinheiro pra ficar em um hotelzinho. Nós éramos uma família pobre ali do interior de São Paulo, meu pai trabalhava em uma fábrica ali perto e conseguíamos nos manter, eu trabalhava de babá para algumas mães do bairro, mas o dinheiro era pouco, afinal todo mundo ali era bem humilde. — Podemos pedir abrigo na igreja. — disse dando uns passos a frente e alcançando os dois. — Padre Bento falou na missa de domingo que quem tivesse correndo e não tivesse para onde ir poderia se abrigar na igreja. Meu pai me olhou por um minuto, eu sabia que o orgulho bobo de homem estava falan
O dia já tinha começado perfeito, pra não dizer outra coisa. Meu irmão tinha descoberto umas furadas na contabilidade do morro.Ele me mostrou toda aquela papelada logo cedo me enchendo a cabeça com os problemas que eu teria que resolver.— Tá na cara que estão fazendo caixa dois, irmão. Não tem outra explicação. — João Vitor falou.Ele era mais novo que eu dois anos, ele era o cérebro da família, enquanto eu sou os músculos.— Sim, o foda é descobrir quem tá metido nisso. Não posso chegar lá na boca acusando geral, sabe que isso acabaria comigo.Se eu começasse a apontar o dedo pra todo lado não ia sobrar um parceiro que me apoiasse quando eu precisasse, duvidar de geral era perigoso e meu pai tinha me ensinado aquilo.— Eu sei, eu sei! — ele jogou mais um papel na minha frente e se virou pro fogão. — Mas você tem que dar um jeito nisso, ou vai ficar no prejuízo.Cocei minha cabeça sabendo que ia ser um longo dia.— Porra, nem em uma quinta-feira a gente tinha sossego!Eu estava afim