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Capítulo VII - Camila

Babá, aquela palavra se repetia em minha mente desde que saiu da boca de Miguel. Não era uma má ideia e muito menos um mau emprego, eu estava acostumada a cuidar de crianças, muitas vezes mais de uma de uma só vez. Mas depois de saber quem eles eram e o que faziam, não sabia se seria a opção mais segura.

Se isso não bastasse João Vitor quase tinha me beijado, meu rosto queima só de lembrar que poderíamos ter sido pegos pela minha tia. Ainda conseguia sentir seu toque quente, o dedo traçando um caminho em meu lábio inferior e sua voz rouca dizendo que ia me beijar.

Eu não sou puritana nem nada, mas minhas experiências com homens podem ser resumidas a zero, tirando dois garotos que beijei no ensino médio não havia mais nada. Eu vivia para minha casa e a igreja, não fazia nada além de sair com minha mãe e a cidade onde eu morava era tão pequena que todos nós se conheciam, o que dificultava toda a coisa da paquera.

Fiquei ansiosa esperando o beijo dele, mas o irmão que tem cara de poucos amigos, estragou totalmente o momento.

Encarei os olhos de um tom de verde claro, ou será que era mel? Estava hipnotizada pelo olhar semicerrado, as sobrancelhas grossas franzidas, ele me encarava de forma tão diferente do irmão. Porque aquilo me fascinava tanto?

— E então Camila? — a voz da minha tia me fez piscar duas vezes, voltando a realidade. — Vai aceitar ser babá ou não?

— Aceito! Aceito sim. — me peguei dizendo.

Eu tinha a sensação de que iria me arrepender, deveria pensar melhor, pesar os prós e contras. Nunca fui dada a tomar decisões no impulso, eu era racional até de mais, calculava tudo nos mínimos detalhes.

Mas vejam onde toda aquela cautela me trouxe, não é mesmo? Órfã, em uma cidade que não conheço, morando de favor na casa de uma tia que só vi pela internet.

Não estava em condições de ficar questionando o que me ofereciam, “trabalho é trabalho” como dizia o meu pai.

— Ótimo, já que está machucada você começa amanhã. — João Miguel falou com a voz a voz imperiosa, que me arrancava arrepios.

Tudo o que eu consegui foi acenar com a cabeça concordando, parecendo uma bela paspalha.

— Babá usinha, babá! — o pequenino comemorou dançando e pulando enquanto gritava. — Usinha legal, buita, bejinho. — ele continuou, errando totalmente as palavras, mas me arrancando um sorriso de toda sua animação e fofura.

— Sim, a ursinha é legal e bonita. — João Vitor repetiu esfregando os dedos sobre minha pele. — E ela vai te dar beijinhos também...

— Mas agora tem que descansar. — Miguel falou interrompendo o irmão. — Anda Vitor, vem você também Juninho.

O menino envolveu os pequenos bracinhos em volta do meu pescoço e me apertou, mostrando que não ia a lugar nenhum.

— Não, que fica! — ele protestou em alto e bom tom.

— Amanhã, prometo que amanhã você fica com ela. Agora nós temos que ir! — mesmo com a voz séria e a expressão ainda mais dura, Juninho não se intimidou, continuou agarrado a mim.

— Ei lindo, se você for agora com seu irmão prometo que amanhã vamos brincar muito.

Ele estreitou os olhos, como se quisesse descobrir se eu falava a verdade ou não.

Pomete? — quem conseguiria dizer não para ele, quando se tinha aqueles olhinhos e as bochechas rechonchudas, ajudando na chantagem.

— Prometo! — baguncei a cabeleira loira e lhe dei um beijinho na bochecha fofa.

Ele saltou indo para o lado do irmão, que não esperou um segundo sequer para coloca-lo no colo. Juninho já era grandinho, deveria andar sozinho, assim como falar direito, mas quem era eu para me meter na criação do menino.

— Você também Vitor. — João Miguel rosnou quando o irmão não fez menção de se mexer. — Ela tem que descansar.

Vitor bufou baixinho e acariciou meu joelho enquanto se levantava. Estranhamente eu passei a sentir falta de seu toque, da mão grande e quente tateando minha coxa.

— Então até amanhã, ursinha. — ele falou com a voz sedutora. O apelido inofensivo se transformava em sua boca, se tornando ousado e sensual.

Mas bastou meus olhos vagaram dele para o irmão para que mudasse aquela áurea, enquanto João Vitor tentava me fazer relaxar ao seu lado, querendo me ganhar. João Miguel está ocupando me dando aqueles olhares profundos e intimidadores.

Qualquer pessoa em sã consciência iria querer distância dele, desejaria se manter o mais longe, mas não era isso que sentia quando nossos olhos se encontravam daquela maneira.

Acenei dando um tchauzinho enquanto minha tia os levava até o portão. Finalmente quando eles estavam longe das minhas vistas, foi que eu pude soltar o ar e voltar a respirar em paz.

— Menina quer dizer que eu te deixo sair por um minuto e é isso que acontece? — minha tia falou voltando para a sala. — Deixa eu ver melhor essa perna.

Ela segurou minha coxa sem muita delicadeza, a mulher era bruta, acostumada com a vida dura, mas eu estava acostumada com isso.

— Está tudo bem tia. Só preciso tomar um banho e estou nova. — menti, pois estava doendo e ardendo como um inferno.

Mas pior ainda seria me tornar o centro das atenções, nunca gostei de muita atenção e já bastava o fato de eu ser nova por aqui.

— E tua prima? Cadê aquela garota?

— Me perdi dela no meio da confusão, não sei nem se ela me viu cair. — não tinha ideia se minha tia sabia com quem a filha costumava ficar, e não ia ser eu a contar.

— Vai lá toma banho, vou pegar uma toalha pra tu.

Agradeci internamente pelo momento sozinha, mesmo que meus pensamentos fossem bombardeados a todo instante com imagens daqueles dois.

— Senhor não me deixa ficar arrependida. — murmurei baixinho em baixo da água do chuveiro.

Depois de tomar um banho minha tia e eu almoçamos, Bianca não tinha dado as caras, mas pela tranquilidade da dona Nalva, aquilo com certeza era costume da filha.

Eu sabia que assim que ela chegasse em casa iria ter que contar toda a história, desde a queda em frente a mercearia, até o novo emprego.

Acabei pegando no sono por volta das duas da tarde, estava moída depois de passar a noite toda em uma poltrona do ônibus e o remédio de dor ajudou a me deixar ainda mais sonolenta.

Quando acordei achei que a casa estava caindo aos pedaços, gritos e conversas altas. Até que me situei, Bianca tinha chegado ligando o som na maior altura.

— Bom dia, bela adormecida. — ela falou se sentando na cama ao meu lado e finalmente desligando o som. — Estava esperando você acordar, anda desembucha.

Cocei os olhos e me sentei, apoiando as costas na cabeceira da cama.

— Desembucha o que?

— Não se faz de inocente não, você salvou o principezinho do morro, veio carregada no colo pelo Vitinho e de quebra Miguel te arrumou um emprego? Me conta tudo.

A fofoca tinha corrido mais rápido do que eu imaginei, nem conseguia acreditar que no morro as notícias corriam tão rápido quanto em cidade pequena.

Contei tudo a ela, do começo ao fim e com riqueza de detalhes, porque era o que ela queria ouvir. Até mesmo sobre o quase beijo.

— E foi assim que eu terminei com a perna rasgada, o pulso inchado e com um emprego de babá.

— Tem coisa estranha ai. — ela falou com a mão no queixo, andando de um lado para o outro dentro do quarto. — Tu não tomou um banho de ervas, fez uma simpatiazinha? Alguma coisa do tipo assim?

— Não Bianca, nunca fiz isso. E se tivesse feito, o que isso tem a ver com esse assunto.

Minha prima correu até a beirada da cama como um foguete e se curvou para frente, ficando bem próxima a mim.

— Miguel não confia em ninguém com o irmão, muito estranho que ele tenha te oferecido o trabalho sem nem te conhecer direito.

— Vai ver ele só quis agradar a tia...

— Não, não mesmo! — gritou me interrompendo. — Vitinho é o passa rodo, ele da em cima de qualquer mulher bonita, então não me surpreende ter tentado te beijar. Agora Juninho, ele não gosta de todo mundo, o garoto é a criança mais mimada do complexo, se duvidar até do Rio de Janeiro!

Curiosidade me bateu, se ele tinha sido criado pelos irmãos, como João Vitor falou. Onde estavam os pais dele?

— Porque ninguém fala da mãe deles?

O semblante dela mudou no momento em que falei isso, os ombros caíram e o brilho nos olhos desapareceu no mesmo instante.

— Os pais deles morreram. O pai foi em um confronto com a policia, foi nesse dia que Jonas morreu também, meu irmão trabalhava pro pai deles e vivia grudado com Miguel. Naquele dia foi um banho de sangue, morreu tanta gente, até criança morreu dentro de casa por bala perdida. — respirei fundo sabendo a dor que ela estava falando, estava conhecendo na pele o que era enterrar um ente querido. — A mãe deles morreu pouco depois, dando a luz ao Juninho. Foi difícil pra todo mundo e pior pro Miguel, porque ou ele assumia as coisas do pai, ou os outros chefes do complexo arrumavam alguém.

— Então ele decidiu assumir o morro e ainda cuidar de um bebê recém nascido. — murmurei assimilando tudo o que ela tinha contado.

— Agora entende porque aquele menino é o xodó dele? A única que podia cuidar dele quando precisavam, era dona Isabel da mercearia, mas tão falando ai no morro que ele disse que nunca mais deixa o moleque com ela! E que a sobrinha piriguete tem que agradecer que você salvou ele, se não ela ia pagar.

Engoli em seco imaginando como seria isso, como ele faria a mulher pagar pelo descuido. E o que aconteceria comigo se me descuidasse? Se o menino se machucasse ou caísse?

— Acho que já estou começando a me arrepender. — murmurei baixo, mas ainda sim ela ouviu.

— Esquece isso boba, ele te escolheu e você é tão docinha que aposto que vai mimar ainda mais o molequinho. — ela me empurrou com o ombro querendo suavizar o clima. — Agora que foi mancada te botar pra começar logo amanhã, isso foi.

— O que tem amanhã?

— Baile querida, o melhor baile da região!

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