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Capítulo XIII - Camila

As palavras de Miguel rondavam minha mente, eu nunca pensei que poderia me sentir tão mal assim por algo que as pessoas falassem de mim, mas cada palavra dele, me diminuindo, colocando pra baixo e querendo mostrar qual era o meu lugar, foram como uma faca cravando cada vez mais fundo em meu coração.

Depois do banho peguei Juninho e fui para a cozinha fazer o almoço dele, o menino tinha sido tão fofo quando viu que eu estava chorando, ele apoiou as mãos em meu rosto e ficou acariciando minhas bochechas querendo que eu me acalmasse. Era bom ver que ao menos um dos homens daquela família tinha um coração.

Por sorte não vi nenhum dos dois mais velhos, não sabia como lidaria com nenhum deles. Ouvir que Vitor passou a noite com outra garota não deveria ter me feito tão mal, mas fez. Mesmo que Bianca tivesse me contado sobre a má fama dele, saber que ele dormiu com outra e poucas horas depois estava me beijando fez eu me sentir ainda pior.

Esperei Juninho dormir depois das duas da tarde, para mandar uma mensagem a Bianca, contando tudo o que tinha acontecido. Primeiro dia de merda, eu ainda não conseguia acreditar.

“Escuta aqui eu nunca vou encostar naquela menina, entendeu bem.” As palavras de Miguel massacravam minha cabeça, fazendo meu coração parecer ainda menor dentro do peito.

Bia: não acredito que aquele babaca disse isso de você!

Bia: ninguém faz minha prima de capacho não, tá na hora de eu te ensinar como se trata homem.

Eu: prima eu só quero esquecer isso. Quero apagar o dia de hoje, nunca me senti tão humilhada.

Bia: queria tanto que tu pudesse ir no baile hoje, dançar até o sol raiar ia te ajudar a levantar esse astral menina

Eu nunca tinha ido a um baile funk, muito menos dançado até o sol raiar, nem mesmo na festa da cidade eu podia ficar até tão tarde na rua. Mas ver toda animação dela falando me deixava mais tranquila, aliviava um pouco o peso do meu peito.

Bia: é injusto aqueles filhos da puta irem no baile e tu ficar ai, enfurnada na casa sem poder curtir.

Eu: é o meu trabalho, o que eu posso fazer?

Bia: a gente vai arranjar outro trampo pra tu, vai ver! Não vou te deixar ficar nessa merda depois dessa desfeita não.

Bia: tu não é as vadia que ele paga pra levar pra cama, pra falar assim não.

Eu: não quero confusão prima, e tia pode achar ruim se eu sair do emprego.

Bia: dona Nalva vai ser a primeira a apoiar, ninguém faz nossa família de capacho não!

Ficamos conversando por um longo tempo, eu sentada na cadeira no quarto de Juninho, velando o sono dele, enquanto Bianca trabalhava na loja de roupas lá no asfalto, como ela chamava tudo o que tinha fora do morro.

Hoje era dia de baile, como ela insistiu em me lembrar, então eu teria que ficar ali até mais tarde, quando tudo o que eu queria de verdade era ir pra casa, me enfiar na cama e me xingar por ter sido tão burra.

Talvez ela estivesse certa, talvez a melhor coisa que eu faria era arrumar um emprego longe dali. Sabia que iria chover babás pra Juninho ali no morro, as garotas adoravam seus irmãos e receberiam bem pra isso.

Foi com isso em mente que eu baixei aplicativo de emprego e fiz meu cadastro, também procurei por vagas de qualquer trabalho, até mesmo de faxina, eu não tinha medo de trabalhar no pesado e seria melhor que aturar esses dois achando que eu era um brinquedo, que podiam brigar e brincar, antes de jogar de lado.

Usinha... usinha! — Juninho acordou choramingando e me procurando.

— Eu estou aqui pequeno, estou aqui lindo. — falei me sentando na cama ao lado dele e envolvendo meus braços em volta do corpinho pequeno.

To ti medo. Abaço.

— Abraço? Claro, a ursinha abraça você.

Apertei ele contra mim e o balancei no colo até que se acalmasse, não sabia com o que uma criança daquele tamanho podia ter pesadelos, mas qualquer um de nós podia se assustar.

Depois que ele se acalmou o levei para a cozinha, para preparar um lanche, e ao invés de colocá-lo pra assistir, peguei algumas folhas e lápis para desenhar e pintar. Onde eu morava as crianças aprendiam a usar a imaginação desde cedo e não o celular e televisão.

— Ei campeão, já acordou? — a voz de Miguel causou arrepios em meu corpo, mas não me virei, continuei focada no fogão.

Sadelo. — ele explicou para o irmão.

— De novo com pesadelos, hein? E agora está desenhando, olha só.

Terminei de picar as frutas e me virei para a mesa, Miguel estava debruçado sobre o irmão o assistindo desenhar, nem parecia o mesmo homem que tinha falado de mim como se eu fosse uma maluca, descompensada. Coloquei na frente de Juninho a tigela com banana e morangos cortados e duas bisnaguinhas com queijo e presunto.

— Vamos guardar pra lanchar e depois você desenha mais.

Juntei todas as folhas fazendo questão de não olhar para Miguel, tinha medo que seu olhar duro fosse me fazer chorar como uma garotinha e eu me recusava a dar esse gostinho a ele pela segunda vez no dia.

Usinha come. Miguel come. — ele falou empurrando um pedaço de morango pra mim e outro para o irmão.

— Ursinha já comeu, meu amor.

— Eu vou sair maninho, volto a tempo de tu ir pra cama. — Miguel falou e sacudiu os cachos do menino antes de sair, mas parou na porta e se virou para mim, me pegando olhando para suas costas. — Hoje vai precisar dormir aqui, não sei que horas chego do baile.

— Sim senhor. — respondi com a voz seca e sem vida. Era assim que seria enquanto eu estivesse ali, minha cota de ser boazinha tinha se acabado, e se Deus quisesse eu estaria fora dali bem rápido.

Miguel semicerrou os olhos, parecendo prestes a falar algo, mas apertou os lábios em uma linha fina e saiu da cozinha. Respirei fundo soltando todo o ar que prendi, mas me arrependi quando seu perfume me alcançou.

— Come, come, come! — sorri com Juninho pulando ali na cadeira.

Ele com certeza era minha única felicidade do dia, até mesmo o beijo tinha ficado esquecido depois de tudo o que eu ouvi.

Vitor era o terceiro cara que eu beijava, o primeiro foi uma bobagem de escola e o último foi em uma festa, mas nenhum deles tinha sido tão bom quanto o beijo de Vitor.

Mesmo sendo rápido ele fez meu coração disparar e meu corpo todo pegar fogo com a expectativa do que viria a seguir. Eu queria que ele tivesse tido mais tempo para me mostrar o que queria, o que faria comigo com aquela boca, em que lugares me tocaria com aquela língua.

Nunca imaginei nada disso com ninguém, talvez por isso fosse uma virgem de vinte anos, tinha estado preocupada de mais com minha vida e nenhum dos dois garotos foi capaz de despertar esse desejo em mim.

Mas justo o que fazia era um tremendo de um babaca!

Depois de cansar dos desenhos, Juninho insistiu em assistir e eu finalmente cedi e deixei que o pequeno assistisse um pouco, enquanto eu aproveitava para enviar mais currículos. Faria isso até meus dedos cansarem, só pararia quando arrumasse algo.

— Oi seus lindos. — Vitor surgiu do quarto, falando com a voz doce e um sorriso na cara, agindo como se nada tivesse acontecido.

Ele já estava arrumado, com uma camisa branca de mangas curtas e uma calça creme contrastando, e apesar de ainda estar descalço o homem já estava com o cabelo arrumado e perfumado.

— Neném que sai tamem! — Juninho pulou animado do sofá e correu até o irmão, se jogando em seu colo.

— Neném não pode, é festa de gente grande. — o garoto fez biquinho e não se deu por vencido. — Que tal a gente comer junto? Tem comida pronta, ursinha?

Eu fiquei encarando, mas querendo mesmo era levantar, marchar até ele e acertar a merda de um soco naquele nariz empinado. Metido ridículo, ele não tinha o direito de usar aquele apelido, nenhum dos dois tinha!

— Já fiz comida para a criança que eu sou paga pra cuidar e ele já jantou, senhor! — exclamei sem rodeios, se era assim que eles se referiam a mim então era como eu iria tratá-los.

— Ai... essa doeu! — ele se abaixou colocando Juninho no chão e vindo até o sofá. — Escuta Camila, eu não queria que...

A porta da frente se abriu interrompendo qualquer fala dele quando Miguel entrou sendo seguido por uma mulher. Um mulherão de verdade, a loira usava um salto alto e um vestidinho vermelho curto, que cobria suas curvas, mas não deixava muito para a imaginação, estava bem evidente os seios enormes e o bundão, assim como as coxas torneadas.

— Boa noite. — ela falou sorridente e parecia tão simpática que eu nem pude sentir raiva dela.

— Vem gata, vou só tomar um banho e vamos. — Miguel falou a puxando para o quarto com ele e se trancando lá com ela.

Não sei se o ódio ou foi vergonha que queimou dentro de mim, se eu ficasse vermelha com certeza estaria um pimentão a essa altura. Aquele era o tipo de mulher que ele saia, a loira que parecia rainha de escola de samba era que fazia o tipo dele.

“Eu disse que garota novinha e maluca quero distância, Camila não faz meu tipo, eu gosto de mulher não de pirralha!”. Agora sua frase fazia todo sentido, assim como ele me esnobando na viela na noite da chuva.

Eu precisava sair dali, precisava ficar bem longe daquela casa!

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