Capítulo 02

Léo

O despertador tocou e eu o desliguei. Outro dia e tudo de novo. Os dias se tornavam entediantes: eu acordava, ia para a empresa, fazia reuniões e voltava para o meu apartamento vazio. Dormia e, no dia seguinte, repetia tudo novamente. Minha psicóloga disse que eu devia tentar fazer algo diferente, começar um hobby.

— Que tal golfe? — Ela sugeriu, como se eu realmente tivesse tempo para isso ou como se isso fosse preencher o vazio que Mateo deixou.

O pensamento intruso me veio. Eu tentava não pensar em Mateo, todos os dias eu tentava não pensar nele, não pensar em suas mãozinhas pequenas e gordinhas, não pensar em como o sorriso dele me fazia falta. Levantei, eu falhei nessa missão hoje e sabia que falharia nessa missão amanhã. Dizem que eu tinha que seguir em frente, Leonardo, ele não iria querer te ver assim.

Todos falavam como se conhecessem Mateo, como se soubessem como era superar a morte de um filho, mas eles não sabiam. Ninguém além de mim e de Mariana sabia a falta que Mateo nos fazia, apesar de ela ser a única pessoa que compartilhava minha dor, ela também era a única pessoa que eu não queria ver por perto.

— Senhor! — Amélia bateu na porta. Acho que ela tinha medo de que eu fizesse uma bobagem na madrugada, mas nem a esse luxo eu podia me dar. Morrer não era uma escolha que eu podia fazer, não quando a empresa que meu pai construiu estava na sua pior fase e somente eu podia garantir que minha família não fosse à falência.

— Estou acordado! — Gritei.

— Seu café está na mesa. — Amélia era uma ótima colaboradora e, apenas por isso, eu não a demitia, porque ela era com toda a certeza a pessoa mais alcoviteira que eu tive o azar de contratar. — Senhor, não deixe de tomar seu café, ligarei para sua mãe.

E ali estava a ameaça. Você pensa que, depois dos trinta e cinco anos, sendo o CEO da empresa, não vai mais ter que dar satisfação da sua vida para sua mãe, mas ela, audaciosa como é, colocava uma vigia na sua vida e, pior, uma da qual agora eu não conseguia viver sem. Ignorei a ameaça e fui para o meu banho. Água gelada de manhã desperta qualquer homem, por mais sem ânimo que ele esteja.

Quando saí do banho e fui para a cozinha, vi o motivo pelo qual Amélia era tão valiosa. A mesa redonda estava bem servida. Eu estava tomando café na cozinha, na verdade, eu tinha reduzido o espaço de uso do apartamento. Ainda não conseguia me desfazer dele, mas ficar nos outros cômodos que não fossem meu quarto ou a cozinha me lembrava de Mateo, me lembrava que ele não estava ali fazendo bagunça.

Tomei meu café mesmo sem fome. Não queria ouvir uma hora de reclamações de dona Helena. Da última vez, ela ameaçou morar comigo, e esse foi o basta para mim. Aceitei, enfim, a sugestão sobre contratar Amélia, porque, apesar de ser vigiado por ela, eu ainda mantinha a decência de não morar com minha mãe após os trinta.

Meu celular começou a tocar e eu sabia que já eram 9:00. Marta queria ter certeza que eu estava vivo e a caminho da empresa. Minha secretária mal-humorada me advertiu que, se eu continuasse atrasando sua programação, ela se demitiria. E Marta era outra mulher que eu simplesmente odiava, mas não podia ficar sem por ser competente demais.

— Estou a caminho. — Falei e desliguei antes que ela tivesse tempo de me questionar onde exatamente eu estava.

Dirigi até a empresa e, assim que desci do carro, coloquei minha máscara de CEO intocável. Ali eu não poderia ser o pai que perdeu seu filho ou o filho que levava sermão da mãe. Ali eu era o CEO da indústria têxtil mais consagrada do país.

— Está atrasado! — Marta falou assim que o elevador se abriu. Ela me entregou as pastas. — Precisa convencê-los de que a empresa está faturando bem este ano. Fiz um relatório com nossos ganhos nos últimos seis meses.

— Bom dia, Marta! — Falei vendo os relatórios. Ela jogou seus cabelos longos e negros para o lado. Ela tinha uma beleza que deixaria qualquer homem maluco: pele bronzeada e olhos verdes como dois diamantes. Seu corpo tinha as medidas certas para submeter qualquer homem a ficar de joelhos, mas não eu. Não quando conhecia seu mau humor e sabia que ela devoraria qualquer homem que se aproximasse dela, como uma leoa. — Certo, irei revisar o relatório.

E estavam impecáveis, assim como tudo que ela fazia. Perfeita em tudo. Como algum dia eu me livraria daquela mulher?

— Preciso de um assistente, aquela coisinha se demitiu. — Ela falou de mau humor. Parei para encará-la.

— Não podemos receber processos, Marta. O que fez? — Ela vinha trocando de assistente há dois anos. Marta achava que todas eram incompetentes e sem dedicação. Já alertei que nem todos são como ela, que vive pela empresa. As garotas têm vida.

— Não levaremos processo. Ela disse que encontrou algo melhor. — Marta revirou os olhos. Para ela, isso era um insulto. Não existia emprego melhor. Ela vestia a camisa da empresa, ela queria o nosso sucesso. Por que tanta devoção, eu não sabia.

A reunião, podemos dizer, foi um sucesso, mas ainda não foram acordados valores de investimentos. Meu irmão entrou em meu escritório com sua pasta preta. Vi pelo seu olhar que ele tinha más notícias.

— Precisamos conversar. — Ele falou, colocando a pasta sobre a mesa. Senti no ar quando ele estava com algum problema.

— Qual o valor do prejuízo? — Ele deu de ombros, como se quisesse espantar os pensamentos.

— Não é sobre isso. — Ele apontou para a pasta. — Isso é só um relatório, mas nossa mãe quer que todos vamos almoçar em casa hoje.

— Não vou. — A questão é que almoçar com minha mãe significava que ela iria querer me convencer que eu e Mariana ainda tínhamos que nos dar uma chance, mas não existia amor para isso. Mariana e eu nos relacionamos por questão de interesse e, por sorte, tivemos Mateo, mas sem ele esse casamento não faz mais sentido.

— Ela disse que tem uma surpresa para nós. Liguei para Josué e soube que Ana está de volta à cidade e que ela trouxe uma linda garotinha em seus braços. — Henrique me falou, sabendo exatamente que aquilo me faria ir até o almoço. Ele é o único que ainda estava vivo que sabia que eu e Ana tivemos algo, e ele nunca me perdoou por isso.

E eu sempre pensei em Ana. Ter que escolher entre ela e Mariana foi terrível para mim, mas meu pai me deu um ultimato. Ele nunca me permitiria ficar com Ana, e eu me envergonho da escolha que fiz. Na época, eu não tinha coragem para enfrentar meu pai e com certeza não estava disposto a largar tudo por ela. Eu ainda achava que o dinheiro era o mais importante.

E agora Ana estava de volta, e com uma filha. Senti uma alegria me tomar, algo que eu não sentia há muito tempo. Seria possível Ana ter fugido grávida na época? Não, Deus não seria tão generoso comigo, não me daria esse consolo, não depois do mal que causei a Ana.

— Quantos anos a menina tem? — Perguntei, ainda me apegando a uma centelha de esperança. Henrique deu de ombros.

— Não perguntei, mas que importância isso tem? — Revirei os olhos e me levantei. Tem muita importância. Preciso ter certeza que o motivo da fuga de Ana não tenha sido a criança.

— Então vamos, temos que visitar a nossa mãe. — Eu queria ver Ana de qualquer forma. Ela me lembrava coisas boas. Nunca mais fui capaz de amar alguém como amei a Ana.

Quando chegamos em frente à mansão de meus pais, logo a vi saindo do carro com uma menininha adormecida em seus braços. Ana estava linda. Não conseguia ver o rosto da menina; ela estava agarrada à mãe, com o rosto virado para Ana, mas sabia que dormia pela forma como Ana a levava. Senti meu coração palpitar. Eu iria encarar Ana depois de todo esse tempo, e pela primeira vez naquele dia, senti o peso sobre isso. Como Ana agiria ao me ver?

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