Capítulo 04

Léo

Ana sempre teve cabelos longos e castanhos. Seus olhos grandes agora marcavam o sofrimento; ela não dormia há pelo menos uns dois dias. Seus olhos castanhos não tinham o mesmo brilho e inocência de antes, e mesmo assim, ela continuava linda, me olhando assustada.

— Que prazer é tê-la de volta, Ana. — Falei, me aproximando. Percebi que ela segurava a filha com mais força.

— Nunca a perdoarei, Ana. — Henrique tomou minha frente. — Estou com tanta saudade. — Ela olhou para ele com ternura.

— Também estava morrendo de saudade. — Ela sorriu para ele e ignorou a minha presença.

— E essa pequena? — Perguntei, fazendo-a me encarar.

— Emily é minha filha. — Havia algo no olhar dela; não sabia descrever o que exatamente.

— Sim, Ana agora é mãe. Pensar que vi essa menina ao nascer. — Minha mãe falou, vindo me complementar.

— Se casou? — Perguntei, tentando me aproximar mais dela e ver o rosto da menina, que estava adormecida. Ela usava um vestido rosa cheio de flores e meia-calça rosa; seus cabelos pretos caíam em suas costas, cobrindo seu rosto.

— Não, tenho que levar minha filha para um dos quartos. — Ela falou, olhando para minha mãe.

— Mas é claro, bem que não acha melhor acordá-la para que ela coma algo? — Minha mãe falou, mas Ana negou com a cabeça.

— Vou colocá-la no quarto de Josefa, ela pode olhá-la enquanto conversamos. — Minha mãe parecia querer contestar; imagino que ela queria falar com a menina. Ela adorava crianças e, depois de Mateo, acredito que tenha sentido falta de alguém correndo por aí. Mas ela não discutiu com Ana.

— Se acha melhor, vão meninos para a mesa. O almoço já sai logo. Eu e Ana nos juntamos a vocês logo. — Ana saiu andando como se tivesse pressa de se afastar de mim. Henrique me deu um tapinha no ombro.

— Ela continua muito bonita. Talvez eu seja o seu concorrente agora. — Ele piscou, e senti o incômodo que sentia quando éramos adolescentes e eu via os dois juntos dividindo segredos.

— Está com os caminhos abertos. — Falei, me afastando dele. Henrique gostava de me provocar; não daria o gostinho. Não somos mais crianças.

Nos sentamos à mesa, e Josefa logo entrou trazendo uma travessa de escondidinho de carne seca, o favorito de Ana.

— Puxa-saco. — Falei para ela, que revirou os olhos.

— Não sabia que vinha, teria feito algo especial para você. — Ela falou, colocando a travessa na mesa. — Deviam se envergonhar de ficar tanto tempo sem vir na casa de sua mãe. Ela sente falta de vocês.

— E você também. — Henrique piscou para ela, e ela sorriu. Ele era o favorito dela; na verdade, Henrique era o favorito de todos, inclusive meu. Ele tinha o carisma e o bom humor que essa família necessitava.

— Claro que sinto. Essa casa está tão vazia, mas com a chegada da pequena de Ana, talvez isso mude. — Ela falou, e pude jurar que ela me olhava de forma acusatória.

— E quantos anos tem a menina? — Perguntei, tentando calcular mentalmente o tempo que estava longe de Ana.

— Não sei, na verdade, quase não conversamos. Deixa eu ir que vou cuidar da menina enquanto vocês almoçam, e não a deixem constrangida; ela não está bem. — Ela nos advertiu.

— E o que aconteceu com ela? — Perguntei, mas Josefa balançou a cabeça.

— Não tive tempo de conversar com ela. Agora se comportem. — Josefa olhou para Henrique. — Não seja inconveniente.

Ele sorriu e piscou para ela, e com isso ela saiu. Não demorou muito para minha mãe e Ana se juntarem a nós. Sem a criança em seus braços, consegui ter uma visão melhor de Ana, e ela tinha ganhado mais corpo; seus seios pareciam mais fartos que antes, mas continuava magra. Ela sorriu quando viu a travessa na mesa.

— Como eu amo a Josefa. — Ela falou, se sentando ao lado de Henrique.

— Eu que pedi que ela fizesse. — Minha mãe falou, incomodada, e Ana sorriu.

— A amo também, dona Helena, sabe disso. — Minha mãe sorriu. Ela tinha um amor por Ana, sempre teve, e sei que sofreu muito sem ter notícias dela.

— Vou fingir que acredito. — Minha mãe falou, colocando sua comida no prato.

— Ela está ficando velha e carente, Ana. — Henrique falou para Ana, que sorriu, mas quando percebeu que eu a observava, fechou a cara.

— Tenho três filhos que não me visitam, um inclusive foi para o outro lado do país. — Minha mãe nunca perdoaria Heitor por isso; ele decidiu que iria trilhar seu próprio caminho e foi para a Europa tentar a sorte.

— E onde Heitor está? — Ana perguntou, e minha mãe a olhou chorosa.

— Escondido em algum lugar no fim do mundo. — Henrique riu.

— Nunca sabemos, mas a última vez que soubemos dele, estava na Europa, trabalhando como guia. — Minha mãe respirou fundo.

— Vamos mudar de assunto. Esse já está me dando dor de cabeça. Vamos lá, me contem como estão as coisas na empresa? — Minha mãe perguntou, e sei que ela não queria deixar Ana desconfortável, questionando sobre sua vida na nossa frente.

— Estão como sempre. Marta fez outra pobre moça se demitir, Henrique continua dormindo com a secretária, e eu fazendo aquilo funcionar enquanto tento não enlouquecer. Mas vamos falar sobre Ana, por onde andou todo esse tempo? — Eu precisava de respostas, e já que minha família decidiu que iria poupar Ana, eu mesmo faria o trabalho sujo.

Ela se arrumou em sua cadeira, pegou um pouco de escondidinho e colocou em seu prato.

— Estava em São Paulo. — Foi sua resposta fria.

— Trabalhando? — Perguntei, e Henrique sorriu, um sorriso maldoso, mas fingi não perceber.

— Sim, trabalhei lá. — Ela voltou a focar em seu prato.

— Não seja inconveniente, Léo. — Minha mãe falou, me olhando zangada.

— Achei que Ana era como da família. Que mal tem em saber por onde ela andou esse tempo? — Ana respirou fundo.

— Eu trabalhei, namorei um babaca, tive a Emily, fui abandonada pelo pai dela, e agora estou aqui. — Ela me encarou como se me desafiasse a perguntar mais algo.

— Meu Deus, Josefa merece um aumento por esse escondidinho. — Henrique falou, quebrando o clima. — Sério, mãe, a senhora tem que pagar o que Josefa vale ou eu a roubarei de você.

Minha mãe riu.

— Não se preocupe com Josefa, ela é muito bem paga. — Henrique revirou os olhos.

— Eu disse para minha mãe que Josefa vai processá-la por morar aqui e vai acabar ganhando essa mansão. — Henrique falou para Ana, que sorriu.

— Pelo salário dela, tenho certeza que logo ela compra a mansão. — Falei, me ajeitando na cadeira. O fato é que sim, Josefa era muito bem paga por dormir no emprego. Ela não quis se mudar para um apartamento que minha mãe lhe deu, então pagamos todos os honorários de Josefa, e a obrigamos a sair no fim de semana para seu apartamento. — E você, Ana, o que pretende fazer agora que voltou?

— Sua mãe me ajudará a achar algo. — Ela respondeu, se virando para minha mãe, que sorriu.

— Sim, vou procurar algo para você. — Minha mãe não podia contratar ninguém; ela se negava a mandar as pessoas embora, e agora a mansão estava cheia de funcionários e sem muito o que fazer, já que ninguém além dela morava aqui.

— Ana fez administração. Podemos achar algo para ela na empresa. Inclusive, me veio uma ideia: agora ela pode ser a nova assistente de Marta. — Henrique falou, e sei que ele já havia pensado nisso. O sorriso triunfante dele veio quando minha mãe me olhou com um sorriso largo.

— É isso mesmo, teve uma ótima ideia, Henrique. Ana com certeza é apta para o trabalho, e eu sei como você é esforçada. — Minha mãe já tinha tomado a decisão.

— Marta que escolhe suas assistentes. — Falei, finalmente começando a comer.

— A deixe comigo. — Minha mãe falou, feliz. Eu mataria Henrique assim que saíssemos daqui; eu o mataria de forma lenta e dolorosa.

— Eu acho que não estou à altura para um trabalho desses. Eu nunca exerci a profissão e, na verdade, nunca sequer voltei para pegar meu diploma. Posso nem ter passado. — Ela falou e parecia realmente tentar convencer minha mãe. Ana, de fato, não queria me ter por perto.

— Bem, podemos falar com Marta, e sobre o diploma sei que não teremos problema. E sobre o restante, não importa. Marta gosta das coisas do jeito dela, e ela irá te ensinar de qualquer forma. — Falei, a encarando.

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