Léo
Ana sempre teve cabelos longos e castanhos. Seus olhos grandes agora marcavam o sofrimento; ela não dormia há pelo menos uns dois dias. Seus olhos castanhos não tinham o mesmo brilho e inocência de antes, e mesmo assim, ela continuava linda, me olhando assustada.— Que prazer é tê-la de volta, Ana. — Falei, me aproximando. Percebi que ela segurava a filha com mais força.
— Nunca a perdoarei, Ana. — Henrique tomou minha frente. — Estou com tanta saudade. — Ela olhou para ele com ternura.
— Também estava morrendo de saudade. — Ela sorriu para ele e ignorou a minha presença.
— E essa pequena? — Perguntei, fazendo-a me encarar.
— Emily é minha filha. — Havia algo no olhar dela; não sabia descrever o que exatamente.
— Sim, Ana agora é mãe. Pensar que vi essa menina ao nascer. — Minha mãe falou, vindo me complementar.
— Se casou? — Perguntei, tentando me aproximar mais dela e ver o rosto da menina, que estava adormecida. Ela usava um vestido rosa cheio de flores e meia-calça rosa; seus cabelos pretos caíam em suas costas, cobrindo seu rosto.
— Não, tenho que levar minha filha para um dos quartos. — Ela falou, olhando para minha mãe.
— Mas é claro, bem que não acha melhor acordá-la para que ela coma algo? — Minha mãe falou, mas Ana negou com a cabeça.
— Vou colocá-la no quarto de Josefa, ela pode olhá-la enquanto conversamos. — Minha mãe parecia querer contestar; imagino que ela queria falar com a menina. Ela adorava crianças e, depois de Mateo, acredito que tenha sentido falta de alguém correndo por aí. Mas ela não discutiu com Ana.
— Se acha melhor, vão meninos para a mesa. O almoço já sai logo. Eu e Ana nos juntamos a vocês logo. — Ana saiu andando como se tivesse pressa de se afastar de mim. Henrique me deu um tapinha no ombro.
— Ela continua muito bonita. Talvez eu seja o seu concorrente agora. — Ele piscou, e senti o incômodo que sentia quando éramos adolescentes e eu via os dois juntos dividindo segredos.
— Está com os caminhos abertos. — Falei, me afastando dele. Henrique gostava de me provocar; não daria o gostinho. Não somos mais crianças.
Nos sentamos à mesa, e Josefa logo entrou trazendo uma travessa de escondidinho de carne seca, o favorito de Ana.
— Puxa-saco. — Falei para ela, que revirou os olhos.
— Não sabia que vinha, teria feito algo especial para você. — Ela falou, colocando a travessa na mesa. — Deviam se envergonhar de ficar tanto tempo sem vir na casa de sua mãe. Ela sente falta de vocês.
— E você também. — Henrique piscou para ela, e ela sorriu. Ele era o favorito dela; na verdade, Henrique era o favorito de todos, inclusive meu. Ele tinha o carisma e o bom humor que essa família necessitava.
— Claro que sinto. Essa casa está tão vazia, mas com a chegada da pequena de Ana, talvez isso mude. — Ela falou, e pude jurar que ela me olhava de forma acusatória.
— E quantos anos tem a menina? — Perguntei, tentando calcular mentalmente o tempo que estava longe de Ana.
— Não sei, na verdade, quase não conversamos. Deixa eu ir que vou cuidar da menina enquanto vocês almoçam, e não a deixem constrangida; ela não está bem. — Ela nos advertiu.
— E o que aconteceu com ela? — Perguntei, mas Josefa balançou a cabeça.
— Não tive tempo de conversar com ela. Agora se comportem. — Josefa olhou para Henrique. — Não seja inconveniente.
Ele sorriu e piscou para ela, e com isso ela saiu. Não demorou muito para minha mãe e Ana se juntarem a nós. Sem a criança em seus braços, consegui ter uma visão melhor de Ana, e ela tinha ganhado mais corpo; seus seios pareciam mais fartos que antes, mas continuava magra. Ela sorriu quando viu a travessa na mesa.
— Como eu amo a Josefa. — Ela falou, se sentando ao lado de Henrique.
— Eu que pedi que ela fizesse. — Minha mãe falou, incomodada, e Ana sorriu.
— A amo também, dona Helena, sabe disso. — Minha mãe sorriu. Ela tinha um amor por Ana, sempre teve, e sei que sofreu muito sem ter notícias dela.
— Vou fingir que acredito. — Minha mãe falou, colocando sua comida no prato.
— Ela está ficando velha e carente, Ana. — Henrique falou para Ana, que sorriu, mas quando percebeu que eu a observava, fechou a cara.
— Tenho três filhos que não me visitam, um inclusive foi para o outro lado do país. — Minha mãe nunca perdoaria Heitor por isso; ele decidiu que iria trilhar seu próprio caminho e foi para a Europa tentar a sorte.
— E onde Heitor está? — Ana perguntou, e minha mãe a olhou chorosa.
— Escondido em algum lugar no fim do mundo. — Henrique riu.
— Nunca sabemos, mas a última vez que soubemos dele, estava na Europa, trabalhando como guia. — Minha mãe respirou fundo.
— Vamos mudar de assunto. Esse já está me dando dor de cabeça. Vamos lá, me contem como estão as coisas na empresa? — Minha mãe perguntou, e sei que ela não queria deixar Ana desconfortável, questionando sobre sua vida na nossa frente.
— Estão como sempre. Marta fez outra pobre moça se demitir, Henrique continua dormindo com a secretária, e eu fazendo aquilo funcionar enquanto tento não enlouquecer. Mas vamos falar sobre Ana, por onde andou todo esse tempo? — Eu precisava de respostas, e já que minha família decidiu que iria poupar Ana, eu mesmo faria o trabalho sujo.
Ela se arrumou em sua cadeira, pegou um pouco de escondidinho e colocou em seu prato.
— Estava em São Paulo. — Foi sua resposta fria.
— Trabalhando? — Perguntei, e Henrique sorriu, um sorriso maldoso, mas fingi não perceber.
— Sim, trabalhei lá. — Ela voltou a focar em seu prato.
— Não seja inconveniente, Léo. — Minha mãe falou, me olhando zangada.
— Achei que Ana era como da família. Que mal tem em saber por onde ela andou esse tempo? — Ana respirou fundo.
— Eu trabalhei, namorei um babaca, tive a Emily, fui abandonada pelo pai dela, e agora estou aqui. — Ela me encarou como se me desafiasse a perguntar mais algo.
— Meu Deus, Josefa merece um aumento por esse escondidinho. — Henrique falou, quebrando o clima. — Sério, mãe, a senhora tem que pagar o que Josefa vale ou eu a roubarei de você.
Minha mãe riu.
— Não se preocupe com Josefa, ela é muito bem paga. — Henrique revirou os olhos.
— Eu disse para minha mãe que Josefa vai processá-la por morar aqui e vai acabar ganhando essa mansão. — Henrique falou para Ana, que sorriu.
— Pelo salário dela, tenho certeza que logo ela compra a mansão. — Falei, me ajeitando na cadeira. O fato é que sim, Josefa era muito bem paga por dormir no emprego. Ela não quis se mudar para um apartamento que minha mãe lhe deu, então pagamos todos os honorários de Josefa, e a obrigamos a sair no fim de semana para seu apartamento. — E você, Ana, o que pretende fazer agora que voltou?
— Sua mãe me ajudará a achar algo. — Ela respondeu, se virando para minha mãe, que sorriu.
— Sim, vou procurar algo para você. — Minha mãe não podia contratar ninguém; ela se negava a mandar as pessoas embora, e agora a mansão estava cheia de funcionários e sem muito o que fazer, já que ninguém além dela morava aqui.
— Ana fez administração. Podemos achar algo para ela na empresa. Inclusive, me veio uma ideia: agora ela pode ser a nova assistente de Marta. — Henrique falou, e sei que ele já havia pensado nisso. O sorriso triunfante dele veio quando minha mãe me olhou com um sorriso largo.
— É isso mesmo, teve uma ótima ideia, Henrique. Ana com certeza é apta para o trabalho, e eu sei como você é esforçada. — Minha mãe já tinha tomado a decisão.
— Marta que escolhe suas assistentes. — Falei, finalmente começando a comer.
— A deixe comigo. — Minha mãe falou, feliz. Eu mataria Henrique assim que saíssemos daqui; eu o mataria de forma lenta e dolorosa.
— Eu acho que não estou à altura para um trabalho desses. Eu nunca exerci a profissão e, na verdade, nunca sequer voltei para pegar meu diploma. Posso nem ter passado. — Ela falou e parecia realmente tentar convencer minha mãe. Ana, de fato, não queria me ter por perto.
— Bem, podemos falar com Marta, e sobre o diploma sei que não teremos problema. E sobre o restante, não importa. Marta gosta das coisas do jeito dela, e ela irá te ensinar de qualquer forma. — Falei, a encarando.
AnaRever Léo é difícil para mim,nunca conseguir me envolver com alguém depois dele, sempre que alguém se aproximava eu ficava com medo de querer apenas me usar como ele. E mesmo agora, mesmo depois de tudo que já me fez, não consigo negar que ainda sinto algo por ele.Assim que eu entrei na sala de jantar percebi o olhar de Léo percorrer todo o meu corpo, ele já havia feito isso antes, ele flertava comigo quando ninguém estava olhando, olhei para Henrique que estava sentando ao lado oposto de de Léo, me sinto mais segura ali perto de Henrique, ele sempre foi meu amigo e meu cumples, imagino que se ele não tivesse ido estudar por um ano nos estados unidos eu não teria aceitado tão facilmente os flertes de Léo, porque Henrique iria tirar sarro até eu perceber como aquilo era ridículo. Mas não foi assim, ele não estava para me mostrar o quão patética eu estava sendo me apaixonando por seu irmão e eu me deixei levar. E agora Léo está com o seu jeito arrogante me questionando e me julgand
Léo Quando a pequena entrou com seus cabelos negros lisos e olhos cor de mel, eu soube que era minha filha, meu coração acelerou e foi como se um sobro de vida tivesse me atingido. Aquilo era esperança, preenchendo cada canto da minha alma vazia. Ela correu para os braços da mãe e eu quase me levantei, queria abraçá-la, mas me contive, Ana teria que me explicar por que manteve minha filha longe de mim. — Tá tudo bem, querida. — Ana sussurra para ela. — Mas é uma menina linda. — Minha mãe fala sorrindo. — Quantos anos você tem? A garotinha olha confusa, como se quisesse lembrar de algo, talvez da idade, Ana parece nervosa. — Apenas quatro anos. — Ela fala, e sinto minha esperança se esvaindo, ela foi embora faz seis anos ao menos, a menina teria que ter cinco para ser minha filha, mas Ana pode estar mentindo, meu sentimento por aquela menina não pode estar errado.— Ela é grande para quatro. — Minha mãe e ela têm razão, reparando bem, Emily parece ter mais. — Eu daria cinco a
A forma como Léo olhou para Emily foi diferente, uma vozinha soou em minha mente “ele sabe”. Mas a ignorei, não posso suportar o olhar de pena de dona Helena, e não quero Léo na vida de Emily, não quero ele achando que tem algum direito sobre ela. — Venha Ana, eu pedi que limpasse a casa da piscina para vocês. — Dona Helena falou, se levantando. — Ela claramente suspeita de algo, o olhar que ela deu a Emily deixa isso claro. — Claro, venha Emily. — Eu falei, a segurando pela mão e fomos atrás da dona Helena. A casa da piscina é um lugar amplo e iluminado, é feita de vidro, a não ser o quarto e banheiro que guarda privacidade, mas a cozinha e a sala são de vidro. O lugar é aconchegante, mas isso eu tinha certeza, dona Helena sempre deixou seus convidados confortáveis. — Mamãe. — Emily puxa a minha mão. — Eu posso entrar na piscina. — Não. — Falei, me lembrando das tardes em que eu e Henrique ficávamos aqui, minha mãe horrorizada porque eu entrava na piscina com os donos da casa
LéoE minha tarde foi perdida, não consegui me concentrar em nada além de Ana,e também em sua filha ou nossa filha, Marta concordou em fazer uma entrevista com ela, amanhã e não sei se trabalhar no mesmo ambiente que Ana é uma boa ideia. Ainda a desejo, na verdade sempre a desejei, quando ela foi embora me senti confuso e pensei em desistir do casamento com Mariana, a verdade é que sempre pensei que teria Ana por perto, sei que ela merecia mais que a posição de amante, porém era o que eu podia oferecer a ela, e de fato na época eu acreditei que sim, ela consideraria, mas Ana tem mais valor e carácter que eu. Sai do meu escritório eu não iria render nada lá, não quando meus pensamentos estavam em Ana. — Tem alguma reunião marcada? — Perguntei para Marta. — Não, mas precisa assinar aqueles relatórios hoje. — Eu não quero passar horas vendo número, e vendo número de vendas que estão caindo, a verdade que no último ano a ocorrências chegou em nosso país com força, empresas de fora do pa
Eu nunca havia pisado na empresa dos Alcântaras, mas já tinha visto várias vezes em revistas. Sempre que a empresa era mencionada em alguma revista, dona Helena comemorava com um jantar especial; o pai dos meninos sorria, ele quase nunca sorria, mas nessas ocasiões ele sorria até mesmo para mim. E eu guardei em segredo bem lá no fundo o desejo de um dia trabalhar aqui. Não me lembrava desse sonho até chegar aqui. É um prédio grande com muitas janelas que refletem o sol, em um tom de azul marinho. Encostei no meu carro e um homem bem vestido veio em minha direção.— Como posso ajudar? — ele perguntou, olhando para o meu velho carro.— Tenho uma entrevista. — Ele me olhou como se não acreditasse em mim.— Como se chama?— Ana. Minha entrevista é com a Marta? — Ele olhou para minha roupa.— Por acaso trouxe outra roupa, Ana? — Engoli em seco. Eram minhas melhores roupas.— Não. — Falei constrangida. Ele puxou o ar.— Então lamento por você. Irei comunicar à senhorita Marta que chegou. —
As palavras de Ana ecoaram na minha cabeça. Ela saiu da sala e eu não a impedi, apenas fiquei ali olhando a porta aberta. Passaram alguns minutos e Henrique entrou.— O que aconteceu? Ana passou por mim chorando, Marta se diz inocente, segundo ela Ana saiu desse jeito do seu escritório. — Henrique fechou a porta atrás dele, colocou a mão no bolso e me encarou. — O que aconteceu, irmão?— Ana me acusou de tentar substituir Mateo colocando sua filha no lugar. Henrique foi até a mesa onde ficam as bebidas, colocou uísque em um copo, tomou uma dose e depois encheu outro copo para me entregar.— E é só isso? — Ele me questionou.— Não, claro que não, mas mereço saber se tenho uma filha, e sinto em cada célula do meu corpo que a menina é minha filha. — Henrique sorriu.— Ainda gosta da Ana, não é? — Seu olhar era o mesmo de quando éramos crianças e ele queria me provocar.— Ana está no passado, mas se a menina for minha, eu tenho direito sobre ela e posso proporcionar uma vida mais confortáv
Olhei para o teste em minhas mãos, as duas barras demonstrando positivo, e me sentei no chão do banheiro.— Não pode ser, Deus, não pode ser. — Escutei uma batida na porta.— Ana, vamos, o intervalo acabou, o professor já deve estar na sala. — Geovana falou. Eu queria contar a ela, mas ela diria que eu era burra, e ela estaria certa. Eu era burra. Levantei e puxei o ar. Eu não ia chorar. Léo me amava, íamos nos casar, não precisava ter medo. Abri a porta e Geovana me analisou.— Aconteceu alguma coisa?— Não, estou com medo da prova. — Ela revirou os olhos.— Você tem que parar de se cobrar tanto, é a melhor aluna da turma. — Eu ri.— Não diga isso em voz alta, capaz de Thiago sair das sombras e me desafiar a um duelo matemático. — Ela riu.— Ele acha que ninguém é melhor que ele. Você viu ele questionando o professor? — Revirei os olhos.— Ridículo isso. Se eu fosse o professor, o expulsaria da sala. — Saímos do banheiro e fomos para a sala.A prova foi fácil. Geovana me levou para c
AnaCinco anos depois Emily brincava no banco de trás, suas bochechas rosadas e o sorriso confiante me davam forças para continuar. Havíamos sido despejadas, e não culpo o proprietário; seis meses sem pagar o aluguel era demais. Eu devia vender o carro e pagar o aluguel, mas o carro estava com IPVA atrasado e algumas multas acumuladas. O meu Corsinha de 4 portas, vermelho de 2008, não valia tanto quanto quando o adquiri, na verdade, estava caindo aos pedaços. Eu só conseguiria uma merreca e ainda ficaria sem pagar todo o aluguel e sem o carro. Parei o carro na beira da estrada; não podia ficar dirigindo sem rumo. Emily não reclamou, mas imaginei que estivesse com fome. Eu estava com fome. Só tiramos as roupas do corpo. Eu poderia pedir abrigo a alguma amiga, mas isso seria humilhante demais. Olhei para a pulseira em meu pulso. Durante todos esses anos, me recusei a vendê-la, mas era a única coisa de valor que eu tinha. Sempre a guardei caso algo me acontecesse e Emily precisasse prov