LéoO apartamento estava silencioso, o único som vindo do gelo tilintando no copo de uísque que eu segurava enquanto encarava a cidade pela janela. As luzes lá fora brilhavam como estrelas artificiais, mas minha mente não estava ali. Estava no zoológico, naquele dia que começou leve e terminou me deixando com um nó na garganta que eu não conseguia desfazer.Eu tinha colocado Emily nos ombros para ver os elefantes, sentido o peso leve dela contra mim, ouvido o som da risada dela ecoando no ar quente da tarde. Ela era tão pequena, tão cheia de vida, e por algum motivo que eu não conseguia explicar, aquilo mexeu comigo de um jeito que eu não esperava. Não era só o jeito que ela me puxava pela mão ou como confiava em mim para mostrá-la o mundo. Era algo mais profundo, algo que eu sentia toda vez que olhava para ela — e para Ana.Ana. Ela estava diferente hoje. Tensa, sim, mas havia momentos em que eu a peguei me observando, os olhos dela carregados de algo que eu não conseguia decifrar. C
AnaO ronco do motor do meu Corsinha vermelho 2008 encheu o ar nas manhã de domingo, e eu não consegui segurar o sorriso que se abriu no meu rosto. Depois de semanas na oficina, finalmente consegui trazer o alternador — ou seja lá o que fosse que ele fizesse apagar no meio da rua como um velho teimoso. O vermelho desbotado da lataria ainda brilhava um pouco sob o sol, e as quatro portas rangiam como sempre, mas aquele carro era mais do que um monte de peças velhas. Foi o primeiro que eu consegui comprar, juntando cada centavo de um emprego meia-boca que mal pagava as contas. Por um tempo, ele foi mais do que um carro — foi o abrigo que eu e Emily contou, nossa casa sobre rodas, andamos as vezes sem rumo, com o banco de trás virando cama e o porta-malas guardando o pouco que eu carregava. Ouvi-lo roncar de novo era como reacender um pedaço da minha história que eu tinha guardado num canto escuro da memória.Emily batia palminhas no banco do passageiro, o cinto bem preso, os olhos brilh
LéoO céu estava tingido de laranja quando estacionei o carro em frente à pensão naquela tarde de domingo. O som do motor desligando ecoou no silêncio da rua, mas meu peito estava tudo menos calmo. Eu tinha passado o fim de semana inteiro com aquela mensagem do Pedro na cabeça — "Posso ajudar, me passa os detalhes" —, e agora, com o plano traçado, cada passo que eu dava parecia mais pesado. Não era só uma dúvida que me movia; Era uma necessidade de saber, de preencher os buracos que Ana deixava abertos toda vez que desviava de mim.Toquei a campainha, ajustando a camiseta que eu tinha jogado por cima da bermuda jeans — nada do paletó formal de sempre, era domingo, afinal, e eu só queria parecer relaxado, mesmo que por dentro estivesse um caos. Josefa abriu a porta com aquele sorriso
AnaUma semana havia se passado desde aquele domingo na mansão, e eu ainda sentia o peso do olhar de Léo enquanto ele brincava com Emily. Desde então, eu vinha fazendo de tudo para evitá-lo — mudando horários, inventando desculpas com Marta, até ficar mais tempo na sala de arquivos só para não cruzar com ele nos corredores da empresa. Cada vez que pensava no que Emily dissera no zoológico, "Você poderia ser meu papai de verdade", meu estômago se revirava. Eu ainda não tinha certeza se iria contar a verdade sobre ele, e a indecisão me corroía. A proposta de Geovana martelava na minha cabeça — trabalhar com ela, sair daqui, recomeçar. Seria mais fácil para mim me afastar do Léo, ganhar tempo para pensar. Mas, ao mesmo tempo, eu não poderia ser ingrata com Dona Helena. Ela me dera esse empr
LéoO silêncio da minha sala parecia ensurdecedor depois que Ana saiu, a porta se fechando com um estalo que ecoou na minha cabeça. Eu ainda senti o gosto dela na minha boca, o calor do corpo dela contra o meu, e meu coração batia descontrolado enquanto eu deixava cair na cadeira atrás da mesa. Passei as mãos pelo rosto, tentando organizar os pensamentos, mas tudo o que vinha era o desejo que queimava em mim. Ana — o jeito que ela se contorceu na minha língua, os gemidos abafados que ela tentou esconder, a forma como cedeu a mim mesmo lutar contra isso. Eu a queria, mais do que poderia admitir, e não era só o calor do momento. Era algo mais profundo, algo que eu carregava desde os velhos tempos, antes de tudo desmoronar. Ela ainda tinha aquele poder sobre mim, e eu detestava o quanto isso me deixava vulnerável. AnaO trajeto de volta para casa naquela noite foi um borrão, as luzes da cidade passando pelas janelas do carro enquanto eu tentava tirar da cabeça o que tinha acontecido na sala do Léo. Meu corpo ainda tremia com a memória — o calor da boca dele contra mim, o jeito que ele me fez gozar, as sugestões prometendo mais. Eu tinha cedido, mesmo sabendo que não podia, mesmo lutando contra cada pedaço de mim que ainda o queria. Era impossível negar a atração que crescia toda vez que ele se aproximava, um fogo que eu vinha tentando sufocar há anos, mas que agora parecia mais forte do que nunca. Como eu continuaria trabalhando com ele assim? Como eu olharia nos olhos dele sem me perder de novo?Cheguei em casa com o peito apertado, o som do motor do Corsinha desligCapítulo 42
LéoA noite já tinha caído quando ao chegar ao cemitério, o motor do carro silenciou enquanto eu estacionava perto dos locais. O envelope branco estava no banco do passageiro, intocado, o nome "Leonado Alcântara" saltando dele. Eu não consigo abri-lo. Ainda não. Minha mão tremia só de tocar o papel, como se ele guardasse uma sentença que eu não estava pronto para ouvir. Emilly é minha filha? A possibilidade me puxou para um futuro que eu queria, mas também me jogou de volta a um passado que eu nunca consegui deixar para trás.Desci do carro, o ar frio da noite batendo no rosto enquanto eu caminhava até o túmulo. A lápide era pequena, delicada demais para o peso que carregava: Mateo Alcâ
Olhei para o teste em minhas mãos, as duas barras demonstrando positivo, e me sentei no chão do banheiro.— Não pode ser, Deus, não pode ser. — Escutei uma batida na porta.— Ana, vamos, o intervalo acabou, o professor já deve estar na sala. — Geovana falou. Eu queria contar a ela, mas ela diria que eu era burra, e ela estaria certa. Eu era burra. Levantei e puxei o ar. Eu não ia chorar. Léo me amava, íamos nos casar, não precisava ter medo. Abri a porta e Geovana me analisou.— Aconteceu alguma coisa?— Não, estou com medo da prova. — Ela revirou os olhos.— Você tem que parar de se cobrar tanto, é a melhor aluna da turma. — Eu ri.— Não diga isso em voz alta, capaz de Thiago sair das sombras e me desafiar a um duelo matemático. — Ela riu.— Ele acha que ninguém é melhor que ele. Você viu ele questionando o professor? — Revirei os olhos.— Ridículo isso. Se eu fosse o professor, o expulsaria da sala. — Saímos do banheiro e fomos para a sala.A prova foi fácil. Geovana me levou para c