Ana
Cinco anos depois
Emily brincava no banco de trás, suas bochechas rosadas e o sorriso confiante me davam forças para continuar. Havíamos sido despejadas, e não culpo o proprietário; seis meses sem pagar o aluguel era demais. Eu devia vender o carro e pagar o aluguel, mas o carro estava com IPVA atrasado e algumas multas acumuladas. O meu Corsinha de 4 portas, vermelho de 2008, não valia tanto quanto quando o adquiri, na verdade, estava caindo aos pedaços. Eu só conseguiria uma merreca e ainda ficaria sem pagar todo o aluguel e sem o carro. Parei o carro na beira da estrada; não podia ficar dirigindo sem rumo. Emily não reclamou, mas imaginei que estivesse com fome. Eu estava com fome. Só tiramos as roupas do corpo. Eu poderia pedir abrigo a alguma amiga, mas isso seria humilhante demais. Olhei para a pulseira em meu pulso. Durante todos esses anos, me recusei a vendê-la, mas era a única coisa de valor que eu tinha. Sempre a guardei caso algo me acontecesse e Emily precisasse provar de quem era filha.
Olhei novamente para ela; não havia como negar de quem era filha. O mesmo cabelo negro e os olhos cor de mel, até mesmo o sorriso dela era como o dele. Eu poderia voltar e falar para ele que tinha uma filha e que sua brincadeira gerou frutos, mas Emily não merecia um pai que a rejeitaria. Para Leo, o dinheiro era o que importava. Ele me disse isso quando eu acreditei que ele se casaria comigo.
"Acha mesmo que isso poderia acontecer? Você é só a empregada?"
Ele foi cruel comigo. Logo depois disso, fui embora daquela casa e, dois meses depois, descobri que estava grávida de Emily. Prometi nunca mais voltar, mas não podia continuar assim, colocando minha filha em uma situação em que ela nem tivesse o que comer.
— Mamãe, por que estamos paradas? — Porque sua mãe não sabe para onde ir.
— Porque a mamãe está cansada. — Falei para ela uma das verdades. Eu estava exausta. Olhei para meu celular e ainda tinha o número da Dona Helena. Apesar de ser mãe daquele cafajeste, Dona Helena sempre foi gentil comigo. Ela poderia me indicar para alguma amiga. Puxei o ar e disquei o número.
— Residência dos Alcântaras! — Uma voz familiar atendeu.
— Josefa, sou eu, Ana, a filha da Claudia.
— Ai, meu Deus, menina, como você está? Não sabe como ficamos preocupados com você. Dona Helena a procurou por um ano.
— Eu sei, eu queria recomeçar em outro lugar. — Escutei, ao fundo, Dona Helena perguntando quem era.
— E como está… É Ana, a filha da Claudia. — Escutei Dona Helena pedindo o telefone.
— Como pode fazer isso comigo, menina! — Ela falou, me dando uma bronca. — Sua mãe me pediu que garantisse seu bem-estar antes de morrer, mas tudo bem. Me diga onde está, como está?
— Dona Helena, me perdoe por ir daquela maneira, eu…
Eu estava com medo, com raiva, na verdade, eu só queria ficar longe dele e, como consequência, longe de toda a sua família.
— Tudo bem, não vamos mais falar do passado. Me diga como está, onde está morando? — Puxei o ar.
— É sobre isso que quero falar. Poderia me indicar para alguma amiga? Estou precisando muito trabalhar.
— Que bobagem, menina. Se precisar de trabalho, acharemos algo aqui para você. Venha, tem dinheiro para a passagem? — E eu não tinha nem gasolina.
— Não, mas estou de carro. — Não pediria dinheiro a ela.
— Precisa de dinheiro, Ana? — Ela me conhecia desde pequena, sabia quando eu precisava de algo. — Passe sua conta, farei a transferência. Venha direto para casa, preciso ver como está.
Passei minha conta e não demorou muito para a notificação de que dois mil reais tinham caído na minha conta. Dona Helena era generosa.
— Sabe onde vamos almoçar? — Perguntei para Emily, que levantou a cabeça.
— Onde, mamãe? — Eu sorri.
— McDonald's. — Emily abriu um largo sorriso, e isso aqueceu meu coração. Apesar de tudo, não me arrependo de tê-la. Ela era a razão para eu não desistir, e quando chegamos à mansão dos Alcântaras, espero que a semelhança com os membros da família seja ignorada por Dona Helena.
Emily comeu feliz seu hambúrguer e batatas. Ela só tinha vindo uma vez ao McDonald's porque minha amiga insistiu e pagou para ela. As coisas seriam melhores com os Alcântaras. Na verdade, a vida de Emily seria diferente se Dona Helena soubesse que ela era sua neta. Por anos fiquei tentada a contar, mas dar um pai a ela que a rejeitaria seria doloroso para ela e para mim. Emily estava segura sendo apenas minha filha.
— Mamãe, para onde estamos indo? — Ela perguntou, pegando mais uma batata frita.
— Para um lugar seguro. Você vai gostar de lá. — Eu amava a mansão quando criança. Dona Helena sempre me permitiu brincar por lá. Eu me imaginava sendo uma deles, e foi esse pensamento que foi minha perdição. Esqueci qual era o meu lugar e me apaixonei por Leo.
Ele era o mais velho dos irmãos, sempre o admirei, apesar de ser esnobe e o que menos me dava atenção. Quando deu atenção, o resultado foi desastroso. Agora ele vive sua vida perfeita com sua esposa, já deve ter filhos, os irmãos de Emily. Senti um nó na garganta. Ele a escolheu, escolheu a riquinha do seu nível, ele nunca me amou.
— Mamãe! — Emily pegou seu brinquedo na mão. — Vamos ir morar com papai?
— Não, e eu já te disse que você não tem pai, Emily. Você tem a mim, apenas a mim. — Ela me olhou triste. Ela estava na fase em que começava a querer saber coisas. Semana passada, ela me perguntou por que as outras crianças têm pais e ela não. Um soco no estômago teria doído menos. Eu, como Emily, não tive pai e sei a dor dela.
— Mas se eu tivesse pai...
Ela deixou as palavras fugirem, e eu me odiei por isso, me odiei por não dar um bom pai para Emily.
— Filha, preciso da sua ajuda em uma coisa. — Me senti envergonhada de pedir aquilo a Emily, mas seria a forma mais segura de tirar suspeitas.
— Vamos a uma casa e lá, quando perguntarem sua idade, você precisa falar que tem quatro anos, tá me ouvindo? — Emily ficou pensativa.
— Mas tenho cinco anos, mamãe. — Ela abriu seus dedinhos como eu a ensinei.
— Mas lá eles precisam achar que você tem apenas quatro anos. Promete para mamãe que vai dizer para quem perguntar que tem quatro aninhos?
— Isso não é mentir? — Ela é esperta demais.
— Mas é uma mentira para o nosso bem. Não conte a ninguém que tem cinco anos, tá bom? — Ela balançou os ombros.
— Vamos ter que mentir para ficar em um lugar seguro? — Ela entendeu.
— Vamos.
— Vamos poder voltar ao McDonald's? — Eu sorri.
— Sim, vamos poder vir mais vezes ao McDonald's. Agora vamos ter mais uma hora de viagem. — E o restante da viagem foi calmo. Estávamos voltando para a cidade de onde eu queria fugir, e senti um frio na barriga quando vi a placa.
Bem-vindo à cidade de Constança.
LéoO despertador tocou e eu o desliguei. Outro dia e tudo de novo. Os dias se tornavam entediantes: eu acordava, ia para a empresa, fazia reuniões e voltava para o meu apartamento vazio. Dormia e, no dia seguinte, repetia tudo novamente. Minha psicóloga disse que eu devia tentar fazer algo diferente, começar um hobby.— Que tal golfe? — Ela sugeriu, como se eu realmente tivesse tempo para isso ou como se isso fosse preencher o vazio que Mateo deixou.O pensamento intruso me veio. Eu tentava não pensar em Mateo, todos os dias eu tentava não pensar nele, não pensar em suas mãozinhas pequenas e gordinhas, não pensar em como o sorriso dele me fazia falta. Levantei, eu falhei nessa missão hoje e sabia que falharia nessa missão amanhã. Dizem que eu tinha que seguir em frente, Leonardo, ele não iria querer te ver assim.Todos falavam como se conhecessem Mateo, como se soubessem como era superar a morte de um filho, mas eles não sabiam. Ninguém além de mim e de Mariana sabia a falta que Mate
AnaParei o carro de frente à mansão. O jardim continuava da mesma forma que me lembrava, cheio de rosas brancas. A casa grande, branca e imponente, permanecia intacta. Decidi que entraria pela porta da frente; seria a primeira vez que Anny estaria aqui, e ela não merecia entrar pela entrada dos fundos. Ela era tão dona deste lugar quanto os demais, mesmo que nunca fosse saber, mesmo que ninguém além de mim soubesse um dia. Peguei Emily, que dormia no banco de trás. Ela estava cansada. Queria acordá-la para que visse onde havíamos chegado, mas fiquei com pena. Apenas a peguei; não teríamos uma entrada triunfal, não como um dia eu sonhei, mas ao menos estávamos entrando pela porta da frente.Toquei a campainha e esperei para ouvir a voz de Josefa.— Residência dos Alcântaras. — Ela falou pelo interfone, e senti meu coração martelar. Eu realmente estava fazendo aquilo.— É Ana. — Falei, sentindo meu coração acelerar.— Graças a Deus, chegou na hora do almoço. Vou abrir o portão. — E o p
Léo Ana sempre teve cabelos longos e castanhos. Seus olhos grandes agora marcavam o sofrimento; ela não dormia há pelo menos uns dois dias. Seus olhos castanhos não tinham o mesmo brilho e inocência de antes, e mesmo assim, ela continuava linda, me olhando assustada.— Que prazer é tê-la de volta, Ana. — Falei, me aproximando. Percebi que ela segurava a filha com mais força.— Nunca a perdoarei, Ana. — Henrique tomou minha frente. — Estou com tanta saudade. — Ela olhou para ele com ternura.— Também estava morrendo de saudade. — Ela sorriu para ele e ignorou a minha presença.— E essa pequena? — Perguntei, fazendo-a me encarar.— Emily é minha filha. — Havia algo no olhar dela; não sabia descrever o que exatamente.— Sim, Ana agora é mãe. Pensar que vi essa menina ao nascer. — Minha mãe falou, vindo me complementar.— Se casou? — Perguntei, tentando me aproximar mais dela e ver o rosto da menina, que estava adormecida. Ela usava um vestido rosa cheio de flores e meia-calça rosa; seus
AnaRever Léo é difícil para mim,nunca conseguir me envolver com alguém depois dele, sempre que alguém se aproximava eu ficava com medo de querer apenas me usar como ele. E mesmo agora, mesmo depois de tudo que já me fez, não consigo negar que ainda sinto algo por ele.Assim que eu entrei na sala de jantar percebi o olhar de Léo percorrer todo o meu corpo, ele já havia feito isso antes, ele flertava comigo quando ninguém estava olhando, olhei para Henrique que estava sentando ao lado oposto de de Léo, me sinto mais segura ali perto de Henrique, ele sempre foi meu amigo e meu cumples, imagino que se ele não tivesse ido estudar por um ano nos estados unidos eu não teria aceitado tão facilmente os flertes de Léo, porque Henrique iria tirar sarro até eu perceber como aquilo era ridículo. Mas não foi assim, ele não estava para me mostrar o quão patética eu estava sendo me apaixonando por seu irmão e eu me deixei levar. E agora Léo está com o seu jeito arrogante me questionando e me julgand
Léo Quando a pequena entrou com seus cabelos negros lisos e olhos cor de mel, eu soube que era minha filha, meu coração acelerou e foi como se um sobro de vida tivesse me atingido. Aquilo era esperança, preenchendo cada canto da minha alma vazia. Ela correu para os braços da mãe e eu quase me levantei, queria abraçá-la, mas me contive, Ana teria que me explicar por que manteve minha filha longe de mim. — Tá tudo bem, querida. — Ana sussurra para ela. — Mas é uma menina linda. — Minha mãe fala sorrindo. — Quantos anos você tem? A garotinha olha confusa, como se quisesse lembrar de algo, talvez da idade, Ana parece nervosa. — Apenas quatro anos. — Ela fala, e sinto minha esperança se esvaindo, ela foi embora faz seis anos ao menos, a menina teria que ter cinco para ser minha filha, mas Ana pode estar mentindo, meu sentimento por aquela menina não pode estar errado.— Ela é grande para quatro. — Minha mãe e ela têm razão, reparando bem, Emily parece ter mais. — Eu daria cinco a
A forma como Léo olhou para Emily foi diferente, uma vozinha soou em minha mente “ele sabe”. Mas a ignorei, não posso suportar o olhar de pena de dona Helena, e não quero Léo na vida de Emily, não quero ele achando que tem algum direito sobre ela. — Venha Ana, eu pedi que limpasse a casa da piscina para vocês. — Dona Helena falou, se levantando. — Ela claramente suspeita de algo, o olhar que ela deu a Emily deixa isso claro. — Claro, venha Emily. — Eu falei, a segurando pela mão e fomos atrás da dona Helena. A casa da piscina é um lugar amplo e iluminado, é feita de vidro, a não ser o quarto e banheiro que guarda privacidade, mas a cozinha e a sala são de vidro. O lugar é aconchegante, mas isso eu tinha certeza, dona Helena sempre deixou seus convidados confortáveis. — Mamãe. — Emily puxa a minha mão. — Eu posso entrar na piscina. — Não. — Falei, me lembrando das tardes em que eu e Henrique ficávamos aqui, minha mãe horrorizada porque eu entrava na piscina com os donos da casa
LéoE minha tarde foi perdida, não consegui me concentrar em nada além de Ana,e também em sua filha ou nossa filha, Marta concordou em fazer uma entrevista com ela, amanhã e não sei se trabalhar no mesmo ambiente que Ana é uma boa ideia. Ainda a desejo, na verdade sempre a desejei, quando ela foi embora me senti confuso e pensei em desistir do casamento com Mariana, a verdade é que sempre pensei que teria Ana por perto, sei que ela merecia mais que a posição de amante, porém era o que eu podia oferecer a ela, e de fato na época eu acreditei que sim, ela consideraria, mas Ana tem mais valor e carácter que eu. Sai do meu escritório eu não iria render nada lá, não quando meus pensamentos estavam em Ana. — Tem alguma reunião marcada? — Perguntei para Marta. — Não, mas precisa assinar aqueles relatórios hoje. — Eu não quero passar horas vendo número, e vendo número de vendas que estão caindo, a verdade que no último ano a ocorrências chegou em nosso país com força, empresas de fora do pa
Eu nunca havia pisado na empresa dos Alcântaras, mas já tinha visto várias vezes em revistas. Sempre que a empresa era mencionada em alguma revista, dona Helena comemorava com um jantar especial; o pai dos meninos sorria, ele quase nunca sorria, mas nessas ocasiões ele sorria até mesmo para mim. E eu guardei em segredo bem lá no fundo o desejo de um dia trabalhar aqui. Não me lembrava desse sonho até chegar aqui. É um prédio grande com muitas janelas que refletem o sol, em um tom de azul marinho. Encostei no meu carro e um homem bem vestido veio em minha direção.— Como posso ajudar? — ele perguntou, olhando para o meu velho carro.— Tenho uma entrevista. — Ele me olhou como se não acreditasse em mim.— Como se chama?— Ana. Minha entrevista é com a Marta? — Ele olhou para minha roupa.— Por acaso trouxe outra roupa, Ana? — Engoli em seco. Eram minhas melhores roupas.— Não. — Falei constrangida. Ele puxou o ar.— Então lamento por você. Irei comunicar à senhorita Marta que chegou. —