O menino Vicente

3

Lisa Mary

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Não tinha nada pelo que eu tivesse mais desprezo que fiéis conservadores me olhando prontos para chicotearem com suas línguas contra meus pecados. Estando naquela igreja, eu apenas queria correr o mais rápido possível para longe dos membros idiotas daquele inferno, e acabei me inscrevendo para me voluntariar na venda dos doces. Eu ficaria com o dinheiro de tudo o que vendesse, fácil, fácil.

Eu percebi Charlotte e a senhora François passando em frente à barraca da qual eu estava cuidando, e as duas se direcionaram até a tenda que o padre mandou fazer para as mães com crianças e pessoas sensíveis. Meus olhos buscavam por Vicente quando o celular vibrou dentro da pequena bolsa branca, obrigando-me a atender.

—Cadê o idiota do seu irmão? —Perguntei, ranzinza. Ele ainda não estava por perto.

—Está tão pura, Lisa Mary... Se eu não te conhecesse diria que se converteu. —Sua voz pareceu sarcástica, debochando. —Diga, esse tom de cabelo tão claro não combina muito com você, não é? Está muito longe da piranha que eu conheci. Qual é? Vestido com renda? Abaixo dos joelhos? Você é quem? Minha avó? Ou saiu diretamente de um comercial protestante?

—Não vou fazer isso sem o meu dinheiro, você não me deu nada. —Minha voz quase rosnou entre os dentes.

—Demonstre algum tipo de poder sobre ele, aqui, e eu te dou um milhão hoje. 

—E o outro milhão de dólares?

—Você ganha quando se casar. Lembre-se: eu quero o serviço completo.

A ligação foi encerrada e eu tive que guardar o celular para poder atender algumas pessoas que se aproximaram da barraca. Estava terminando de atender um pai com seu filho quando percebi Vicente vindo em minha direção, e fingi não o ver. Antes que ele chegasse perto, limpei a garganta e mantive o sorriso bondoso nos lábios, ensaiando a bondade no tom de voz.

Seus olhos sobre mim, me analisavam milimetricamente como se seu cérebro estivesse coletando informações para esclarecer suas dúvidas, mas ele mantinha a ruga no centro da testa, impaciente com algo. Depois da compra de alguns doces, com toda minha gentileza, Vicente se viu estressado quando um homem musculoso se aproximou da barraca e começou a encarar os meus peitos de uma maneira desagradável. O que ele não sabia era que o homem era o meu amigo gay, e estava apenas ganhando uma grana extra fazendo aquilo. 

Ele o provocou até que Vicente, no ato de sua coragem, desbravou do sentimento de raiva que nasceu em seu peito na intenção de me defender. Eu precisava ser a boa moça que Charlotte me ensinou a ser, e precisava agir exatamente da maneira como nós havíamos ensaiado uma semana antes daquele evento. Então, eu fiquei entre os dois implorando pela paz, para que “preservássemos” os humildes; usando de toda falsidade que eu havia desenvolvido a irmã dele.

Eu vi em seus olhos a satisfação com minha reação, enquanto o meu amigo saiu como se nós não nos conhecêssemos. Revelando a necessidade em garantir que eu não seria assediada, Vicente se propôs para o padre em ajudar nas vendas e acabou se distanciando de mim, indo em busca do homem católico. No entanto, enquanto ele falava com o padre, percebi que os seguranças ficaram agitados com algo, e Charlotte esganiçou silenciosamente para avistar o aceno que um deles fez, indicando algo. Não sendo suficiente, o segurança alcançou Charlotte e sua mãe, falando algo. Foi o momento em que ela pegou o celular rapidamente, mandando que o segurança voltasse para o carro. Eu senti o celular vibrar em uma mensagem de texto depois disso.

“Mantenha Vicente entretido, eu manterei minha mãe longe. Nós estamos com um problema. Vou tirar minha mãe daqui e você cuida de Vicente. Eu tenho algo importante para resolver.”

Na dúvida, perguntei:

“O que aconteceu?”

E a resposta de Charlotte para mim, causou um choque em minha reflexão.

“Alguém próximo a Vicente quer vê-lo, e eu deixei um alerta para que essa pessoa fosse bloqueada. Cuide dele e o mantenha na linha, eu vou tirar minha mãe daqui, mas o carro dele ficará por perto. Seja competente e não fracasse.”

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Mantive a calma e guardei o celular, aguardando pelo retorno de Vicente. Ele estava prestes a se aproximar da barraca quando eu fingi ter esquecido outros tipos de doces e pedi que outra pessoa ficasse em meu lugar, me distanciando. Ele me “flagrou” em frente à barraca, pronta para sair, e me parou.

—Ei, espera... Para onde está indo com tanta pressa? —Ele me olhou diretamente e esperou por minha resposta, educadamente.

—Eu esqueci alguns doces na paróquia, você consegue procurar comigo? 

Ele me olhou confuso e seus olhos quase buscaram por sua família ao longe, mas segurei em sua mão, tirando sua atenção para mim. Inclinado a ceder, ele apenas desistiu de procurar com o olhar e me acompanhou.

—São muitas caixas? —Perguntou, caminhando ao meu lado em direção às portas dos fundos da paróquia.

—Não são muitas.

Eu estava dispersa, tentando entender quem estava procurando por ele. Afinal de contas, eu tinha que manter sua atenção presa a mim. 

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Entrando na paróquia, busquei decifrar o caminho até a dispensa para ver se dava a sorte de encontrar alguma caixa com doce aleatório dentro, mas mal conseguia acertar o caminho. Vicente estava caminhando de um lado para o outro, me acompanhando, então eu tive que improvisar. Estava quase desfazendo a máscara de boa moça, mas logo tratei de revestir dela novamente, e tornei a dar atenção para Vicente.

—Você tem certeza de que essas caixas estão por aqui? Eu posso voltar e perguntar para o padre onde ficam...

—Não! —Disparei, esganiçando. Ele ficou parado olhando para mim, confuso. —É que... O padre é um pouco mal-humorado quando muitas pessoas estão em sua volta. Ele quase não me deixou participar...

—Nossa... Ele pareceu gentil comigo lá fora. Ele deve estar sob muito estresse. —Comentou.

O clima ficou tenso e eu finalmente havia encontrado uma sala de armazenamento. Algumas caixas estavam sobre as cadeiras velhas, porém, todas vazias. Sentei-me sobre a ponta de uma mesa velha, espremendo os lábios. Passei as mãos sobre as coxas e percebi que Vicente estava me observando enquanto eu o fazia, logo, tratei de me recompor e esquecer todas as provocações das quais estava acostumada a fazer. Eu precisava que ele iniciasse com coragem, e não que isso partisse de mim, como sempre tinha sido com outras pessoas.

—Nós não estamos com sorte. —Reclamou, se sentando na ponta de outra mesa, no canto da sala.

—Não fique chateado, alguém deve estar arrecadando bons resultados para a igreja. Pense nas pessoas humildes que terão a oportunidade de comer hoje, e na reforma pela qual a igreja passará. —Sorri para ele como forma de consolá-lo, e ele retribuiu para mim.

—Você parece ser uma boa pessoa, não é sempre que eu encontro pessoas assim. —Descansou as mãos sobre a superfície da mesa, deixando seu corpo mais exposto e apetitoso. 

Ele até que era atraente. Discretamente enquanto ele desabafara, o analisei. Tinha um corte de cabelo charmoso com um topete em cima que insistia em sobre cair em sua testa, de maneira teimosa. E quando ele ficava nervoso, passava a mão sobre o topete o jogando para trás. Ele o fez enquanto eu o analisava, e permaneceu falando coisas que eu não dei atenção. Seus ombros eram largos, os braços fortes e dono de uma cintura fina perfeitamente modelada. Ele era o exemplo perfeito de como ficar bem em um terno ou blazer. Pernas levemente grossas e na frente um volume...

—Oi? Você ouvindo?

Pestanejei por um par de vezes e ergui o queixo para encará-lo, encontrando uma expressão confusa de Vicente.

—Desculpe, eu sinto muito. Acho melhor nós irmos, precisamos vender um pouco mais pela igreja. —Falei e me levantei, arrumando a postura.

Ele se levantou da mesa e endireitou os ombros, vindo em minha direção para poder me acompanhar até porta. Estávamos prestes a sair da sala quando tudo escureceu. As luzes da paróquia se apagaram e nós não vimos mais nada, senão o lado de fora através de uma pequena janela de um metro de largura e um metro de altura. Os corredores eram escuros e nenhum local possuía janelas, apenas tubos de ventilação.

O escuro começou a me deixar “nervosa” e eu passei a encenar um ataque de pânico, despertando o lado protetor de Vicente.

—O... O que foi isso? —Minha voz soara trêmula e amedrontada.

—Aparentemente a energia caiu... Vai voltar. Eu sinto que vai voltar, vamos sair daqui. 

Estava tão escuro que mal conseguíamos nos ver, então eu tive que improvisar. A mesinha estava cheia de caixas vazias, mas ainda assim tinham caixas. Eu as derrubei e “caí” no chão, encenando me atrapalhar na escuridão. Eu pude sentir seu desespero no tom de sua voz.

—Ei! O que houve? Cadê você? Se machucou? —Perguntou. Pude perceber sua voz se aproximando e permaneci no chão, encenando um acidente. 

—Eu... Ai! Estou aqui... —Reclamei com a voz embargada por uma falsa dor. Ele seguiu o som da minha voz e conseguiu me encontrar, se abaixando diante de mim. 

—Vem aqui, vem. Eu vou ajudar você. Vem, segura em mim. —Pediu, segurando-me pela cintura. Era forte, e o aroma de seu perfume possuía um tom amadeirado. Era quase viciante de inalar. 

—Você não precisa fazer isso, eu vou ficar bem... Eu apenas fui atrapalhada demais para me distrair assim... Eu consigo ir sozinha, não se preocupe comigo. Por favor, você deve ser um garoto importante, não tem que ficar comigo aqui...

Meus lábios foram silenciados pelo seu indicador, e um momento tenso se criou naquele momento. Porém, eu apenas conseguia pensar que jogaria ele por aquela sala inteira, fodendo descaradamente. No entanto, precisava manter a boa-moça dominando, então, eu tinha que permanecer no personagem.

—Eu... Ainda não sei o seu nome. —Falei em um sussurro, sentindo o seu corpo um pouco mais perto de mim.

—Vicente François. E o seu? —Seu indicador deslizou dos meus lábios e passeou pela pele do meu rosto, acariciando carinhosamente.

—Lisa Mary... Eu... Eu não consigo ficar aqui. Por favor, eu preciso sair. Não consigo. Eu não consigo ficar, está escuro demais... Eu...

—Sssh... Eu estou aqui. —Em um tom de voz rouco, ele se distanciou daquele garoto inocente e eu pude sentir o seu abdômen mais perto de mim, enquanto sua mão dominava em minha cintura. —Eu estou aqui. —Aproximou os lábios ao meu ouvido, dizendo: —Eu peço que me perdoe.

—Eu... Eu não entendi. Perdoar pelo quê? —Me fingi de inocente, mantendo os braços recuados e encolhidos próximos ao corpo.

—Por isso.

E naquele momento eu senti seus lábios espremidos contra os meus, abrindo um pouco mais minha boca. Delicadamente, enroscou sua língua sedosa contra a minha, mordiscando o meu lábio no final. No entanto, retribuí o beijo caloroso me limitando apenas a isso.

Talvez eu possa gostar disso... Você até que é atraente... Vicente François.

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