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Lisa Mary
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—Nós somos amigos? —Aceitei o apoio e deslizei minha mão pelo seu bíceps, provocando-o de maneira que me fez parecer inocente.
Vicente limpou a garganta e tossiu seco, piscando na tentativa de parecer decente.
—Sim, n-nós somos. —Afirmou e então endireitou a cabeça, afirmando a postura.
Nós então trocamos alguns passos até os poucos degraus e subimos até a varanda. Nos aproximamos da porta e ele a abriu. A governanta me analisou dos pés à cabeça e bloqueou o sorriso irônico que quase escapou em seus lábios, nos cumprimentando. No entanto, meu nervosismo quase expeliu pelos poros quando olhei sobre seu ombro direito e avistei Charlotte sentada na poltrona, ao lado de sua mãe que também estava em outra poltrona.
—Senhor François, por favor, deixe que eu leve o seu casaco. A casa está aquecida, você vai acabar ficando soado. —Disse a governanta, esticando os dedos em direção à Vicente.
—Obrigado. —Ele virou de costas para ela, saindo do meu lado momentaneamente, e deixou que a mulher bem cuidada retirasse o blazer de seu tronco, alinhando-o próximo ao peito.
Ela me analisou com um julgamento sobre mim, que mais pareceu querer que eu fosse embora. No entanto, percebendo seu lugar naquela família, ela se rendeu a ter que me convidar para entrar e me desejar as “boas vindas”.
—Vem, deixa eu te apresentar a minha mãe. —Disse Vicente enquanto a governanta fechava a porta, segurando seu casaco cuidadosamente como se fosse protegê-lo.
Senti sua mão em minhas costas esquentando como brasa, ou talvez fosse apenas o excesso de conforto que senti com o seu toque. Nós caminhamos em passos curtos sobre o chão de porcelana, até nos aproximarmos das duas madames sentadas nas poltronas despreocupadas.
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Vicente limpou a garganta. Pôs a mão sobre o ombro de sua mãe e tirou a outra mão de minhas costas para não parecer tão íntimo. Com as mãos juntas em frente ao corpo, eu me mantive comportada e santa.
—Hm... —A madame o olhou por cima dos ombros e, ao reconhecer a mão de seu filho, ela sorriu vendo ele se aproximar indo para sua frente. —Ah, querido. Eu fiquei tão preocupada com você que não conseguia comer nada. O seu pai mandou que fizessem uma busca extensa pelo bairro da igreja, mas o segurança nos avisou de que você já estava em um comboio vindo para cá.
—É que eu precisei parar antes de vir... —Ele pôs suas mãos sobre as pernas de sua mãe e se abaixou diante dela.
Enquanto isso, Charlotte e eu trocamos olhares e ela chegou a sussurrar para mim:
—Desfaz essa cara de pânico... —Gesticulou com os lábios, sem emitir som, até que sua mãe me olhou, percebendo minha presença.
—Vicente, meu filho, quem é a moça bonita? —Se esforçou para parecer serena, embora o sorriso em seus lábios fosse eminente.
Pisquei fugindo das mímicas de Charlotte, e tornei à ser uma paciente Lisa Mary.
—Ah, mãe... —Ele se levantou, ficando ao meu lado. Superando a estatura de sua mãe e de sua irmã, ele também era mais alto do que eu. —Essa é Lisa Mary, eu a conheci durante o confronto de hoje. Ela estava em perigo e eu ia levá-la pra casa. Mas... O carro dela ficou e eu insisti que viéssemos pra cá, afinal de contas se alguém seguisse ela poderia fazer algo ruim para tentarem se aproximar de nós. —Afirmou, ficando ao meu lado.
—Muito prazer, senhora François. —Fiz reverência como sinal de respeito, embora não fosse o costume. A mulher elegante levantou-se, esguia. Endireitou os ombros e ergueu o queixo, arqueando uma sobrancelha para mim. Ela mapeou os detalhes em meu rosto e me analisou pelo corpo inteiro. Eu me senti sob análise de laser.
—”Lisa Mary”... —Sorriu de canto de boca, finalmente quebrando aquela sensação de que eu estava em um julgamento. —O que vocês são?
—Amigos! —Exclamamos em um único tom de voz que saiu como um disparo.
—Percebi... —Ela passou os olhos por Vicente, veio em sua direção e pôs suas mãos sobre os ombros do filho, olhando em seus olhos. —Ela é muito graciosa.
Naquele momento percebi Charlotte cruzando as pernas e fingindo a imagem autoritária que ela tinha perante os François.
—Pois, para mim, parece apenas uma moça comum. —E me olhou com um brilho desafiador nos olhos. —Não quer se sentar? Parece um rolo de tecido barato em pé...
—Charlotte! —Reclamou sua mãe sob o olhar ofendido de Vicente.
—Não, tudo bem. Eu apenas vou esperar pelo meu carro. Eu tenho algumas pendências pra resolver hoje e o ataque à igreja, infelizmente, foi uma lástima. —Passei a mão pelo braço, demonstrando empatia pelo ocorrido, quando na verdade eu não me importava.
—Tem razão, minha jovem. O que aconteceu foi realmente um erro grave de segurança. —A madame me olhou diretamente e tirou as mãos dos ombros de Vicente, virando-se para mim. —Vamos, por que não se junta a nós para o almoço? Não vai demorar para ser servido. —Sorriu com bom tom. Suas intenções pareciam boas e eu encontrei aceitação em seu olhar.
Estava pronta para negar, mas Vicente me percebeu antes que as palavras saíssem de minha boca, e deu um passo único e largo para o lado, fazendo-me companhia. Olhei para baixo, quase agitada por seu apoio silencioso.
—Você pode ficar, Lisa? —Sua voz me alcançou e chamou minha atenção. Um calor se espalhou pelo meu peito enquanto eu me sentia idiota demais por estar naquela situação.
—Não sei, eu não tenho tanto tempo assim...
—Por favor, fica. Eu vou mandar que o segurança busque seu carro. —Ele sorriu para mim, e estendeu a mão em minha direção.
—Vicente! —Sua mãe o olhou de olhos grandes, repudiando sua atitude.
—Não, tudo bem. —Balancei a bolsinha branca e a abri, tirando a chave do carro e a coloquei sobre a palma de sua mão macia. Ele encolheu os dedos e um sorriso satisfatório se formou em seus lábios curvilíneos, acompanhado de um suspiro de alívio. —Tem certeza de que eu não vou incomodar ninguém?
—Não, não vai. —Ele prendeu a chave em um punho, fechando a mão fortemente e a levou em direção ao peito com orgulho. —Eu não demoro. —Virou a cabeça em direção à sua mãe, erguendo as sobrancelhas com atenção. —Mãe, por favor, leva ela pra comer alguma coisa. Eu vou mandar o Sebastian ir buscar o carro dela.
—Uhum. Vem querida. —Ela esticou o braço em minha direção e me chamou com um tom de voz macio. —Eu vou te apresentar o meu jardim de inverno. Eu vi você hoje na barraca, as pessoas parecem gostar muito de você. Não me admira, você me parece ser uma pessoa agradável e de bom coração. —Sorriu a madame, passando por Charlotte. —Já minha filha sempre pareceu um general de saia.
—Prefiro assim. —Disse Charlotte, jogando os pés com longas botas sobre a mesinha de centro marcando o vidro com a poeira na sola, enquanto virava o último gole de vinho restante na taça. —Olha moça, se você for boba demais vai acabar caindo nas leseiras do meu irmão, fica esperta. —Ergueu a taça vazia para mim, se esforçando para não expressar nenhum sorriso e entregar o nosso disfarce.
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5 parte IILisa Mary⤝⥈⤞ Eu estava começando a observar o ambiente luxuoso e imparcial. Era como se os objetos daquela casa apenas existissem para sustentar o ego das pessoas que moravam ali. A imensidão dos corredores se alinhava perfeitamente com os móveis retos e limpos, em tons que escalonavam do preto para o cinza e se espalhava em branco e tons de areia. Apenas alguns quadros grandes e extravagantes que compunham o mural da família, demonstrava que naquela mansão moravam pessoas e não apenas o interesse de capa de revista que faziam matérias sobre “as mansões mais luxuosas da França”, ou coisas desse tipo. Enquanto caminhava ao lado da senhora François, por um corredor extenso, ouvi a origem da família, coletando o máximo de informações que eu pude. Mantive as mãos em frente ao corpo o tempo inteiro enquanto caminhava comportada e tímida, sempre com a imagem de uma boa moça puritana em construção. —Bom, como você já deve ter percebido, o Vicente tem uma aparência Irlandesa e,
5 parte IIIVicente François ⤝⥈⤞ As palavras de meu pai refletiram em minha cabeça e deixou uma ruga em minha testa. Depois daquela conversa, ele me mostrou alguns modelos que estava interessado em colocar em prática, mas depois disso me liberou, permitindo que eu finalmente fosse atrás de Lisa Mary. Descendo as escadas, encontrei a empregada carregando, cuidadosamente, uma bandeja de prata bem decorada. São os doces preferidos da minha mãe... Eu me aproximei da empregada. —Pra quem são esses doces? —Levantei a mão em direção á bandeja, indicando os doces.—Senhor François, são para a Madame e a sua nova visita. Elas estão no jardim de inverno e sua mãe me pediu que levasse algo refrescante, mas também doce para comerem. Limpei a garganta em uma tosse seca, e estiquei as mãos para a frente, flexionando os dedos uma única vez. —Deixe que eu levo, pode ir. Obrigado. —Mas, senhor... —Pode ir. —Peguei a bandeja e acelerei os passos pelo corredor, equilibrando com cuidado. Não p
6 Vicente François ⤝⥈⤞ Eu tive a oportunidade de desfrutar de uma manhã calma, apesar de todo o alvoroço na igreja. Nunca havia me sentido tão confortável ao lado de alguém novo, como estava me sentindo na presença de Lisa Mary. Era algo totalmente fora do meu cotidiano. Eu queria tanto que ela ficasse, que eu quase cheguei a ligar para Sebastian e ordenar que atrasasse na entrega do carro, mas a imagem do Audi cruzando os grandes portões da entrada, tirou o meu chão. Lisa Mary, ao ouvir o som selvagem do motor veloz, olhou por cima dos ombros e rapidamente tirou a mão do apoio em meu braço, quase me bloqueando. Ela virou-se totalmente ao avistar o luxuoso carro azul e um sorriso largo se espalhou em seus lábios na companhia de um arfar. —Ele já veio! —Se surpreendeu. —Com licença... Senti como se a chegada daquele carro fosse a nossa despedida, e cheguei a expirar com força. Embora o sol esquentasse minha pele dentro das vestes, meu sopro se destacou em uma fumaça em frente ao
7 Lisa Mary ⤝⥈⤞ Dizer que foi uma tarefa fácil permanecer na carne de uma boa moça fingida foi fácil, é uma mentira descarada. Eu sentia como se a qualquer momento eu pudesse tocar o meu rosto e me sujar com a máscara podre que havia vestido sobre a face. No entanto, havia me saído tão bem quanto qualquer atriz de cinema, e isso me deu orgulho. Vicente era realmente um homem atencioso, calmo, educado e, por muitas vezes, irritantemente controlado. Antes que fôssemos embora, percebi que ele havia caído em meu jogo de indução de sentimentos. Enquanto eu o provocava, fazia parecer que ele estava sentindo tudo isso sozinho, e quase o deixei no limite. Percebia sua respiração pesada, e quando passei os olhos pelos dedos de suas mãos, avistei ele apertando o punho como uma forma de se controlar para não me beijar inesperadamente, e tenho que admitir que aquilo estava me deixando satisfeita. A maneira como me olhava era quase como se fosse me canonizar. Eu estava cumprindo com minha pa
8 Lisa Mary ⤝⥈⤞ Retornei para casa e, finalmente pude descansar no conforto do meu lar. Estava há horas sem comer nada e fui cozinhar algo leve para não parecer inchada. Senti o cansaço me vencendo quando subi as escadas de volta para o quarto e meus olhos pesaram, indicando que eu precisava dormir, ao menos um pouco. Tomei um banho quente ouvindo “Oh! Darling”, e me deitei para dormir depois desse ritual. Parecia como em um sonho, eu me sentia um pouco menos conturbada diante de uma situação tão estressante quanto ter que assumir uma falsa personalidade. Em um sono profundo, ouvi meu celular vibrando sobre a mesa de cabeceira e estremeci na cama, virando-me para o lado. Encolhi os dedos dos pés sob o cobertor, tentando me refugir do castigo em ter que despertar. Bati com a mão sobre o telefone e o arrastei pela mesinha até mim. Quem deve ser agora... Atendi aquela chamada e a voz no outro lado me fez despertar em um susto. —Oi, eu não sabia que horas ligar pra você, mas..., c
9 Lisa Mary ⤝⥈⤞ Senti minha ansiedade escalando a impaciência quando o carro estacionou. Ouvindo suas palavras. Eu queria outra posição naquele carro e eu não estava me referindo aos bancos. Apesar de todos os meus planos para que aquele encontro estivesse exatamente da maneira como eu havia planejado, eu sentia como se minha vida estivesse desmoronando. Eu não podia ficar tão vulnerável diante dele. Ainda paralisada com as mãos sobre as coxas, Vicente chamou meu nome, agarrando o guardanapo sobre suas coxas e o arremessou no centro da mesa, mantendo a mão no local. —Lisa? —Tamborilou os dedos sobre a mesa a espera de minha resposta. Eu não fazia ideia do motivo pelo qual me recusava a ser no mínimo, espontânea em sua presença, mas aceitei. Pisquei, agitando a cabeça para embaralhar os pensamentos, até que meus olhos alcançaram uma expressão confusa de Vicente. No alto de sua sobrancelha aquela ruga intrigante tomava um espaço curto, e ele ergueu a mão até o topete teimoso, alis
10 Lisa Mary ⤝⥈⤞ Percebi minha ousadia, mas tive que prosseguir. Aquele homem precisava de um empurrão e eu não conseguia mais me controlar dentro da calcinha. Ao som do bipe, as portas do elevador se abriram, obrigando-nos a nos separar. Para fingir que não estava sóbria, cambaleei para fora do elevador, sentindo meu corpo ser puxado quando Vicente agarrou suas mãos em minha cintura e me uniu á ele, garantindo que eu não cairia. —Eu vou deixar você em casa e depois disso vou embora. Não quero que pense que... Eu seria capaz de me aproveitar de você nesse estado. —Olhou-me sério e pareceu ofendido com suas próprias ações. Irritante! O que você quer? Ser canonizado? Pisquei, engolindo duramente. Em silêncio, caminhamos até seu carro e saímos do estacionamento, entrando no comboio de seguranças novamente. Percebia sua aflição, mas ele manteve suas mãos no volante para não deslizar em mim. Percebendo que eu não havia colocado o cinto de segurança, Vicente olhou-me sereno e inclino
11 Lisa Mary ⤝⥈⤞ Aquela noite me levou a crer que eu precisava tê-lo tanto quanto ele me queria e, quando tudo acabou, ele me tirou a venda dos olhos com delicadeza, se saboreando em minha respiração ofegante sobre corpo quente e suado. Eu me deleitei sobre a cama, repousando ao seu lado para descansarmos. A noite acabou como um suspiro exausto e nós dormimos. ⤝⥈⤞ O clarão que a luz do dia ocupava pelos espaços do meu quarto me forçou a abrir os olhos, ao som de “Oh Pretty Woman” e o barulho do chuveiro compunham o início do meu dia. Inalei fundo no despertar, sentindo o aroma de erva doce que emanava pelo quarto. Como eu pude dormir desse jeito... Joguei os pés para fora da cama, equilibrando-me sobre a palma das mãos. Decidi ignorar o mundo rodando em torno de mim, consequente da sonolência que eu ainda sentia como resultado da noite anterior. Ele havia acabado comigo como um cavalo e eu sentia meus quadris reclamarem de uma maneira satisfatória. Estava nua, então n